DO DESPEJO À DIGNIDADE:
AÇÕES INTERSETORIAIS NAGARANTIA DE DIREITOS A FAMÍLIAS MIGRANTES EM SITUAÇÃODE RUA
Resumo
A população em situação de rua e em contextos de migração enfrenta graves violações de direitos e múltiplas vulnerabilidades, especialmente quando associadas à ausência de moradia digna, baixa renda e precariedade de vínculos sociais. Em Campo Grande/MS, no primeiro semestre de 2025, uma demanda judicial determinou a desocupação de um imóvel particular ocupado por famílias migrantes venezuelanas no centro da cidade. Diante desse cenário, o Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS) articulou-se com a Gerência de Proteção Social Básica/CADÚnico e com a Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (EMHA), configurando uma ação intersetorial voltada à proteção social e à garantia de direitos dessas famílias, em consonância com os princípios da Lei Orgânica da Assistência Social (Brasil, 1993).
As abordagens sociais foram realizadas desde março de 2025, com orientações psicossociais e a oferta de acolhimento institucional, alternativa recusada pelas famílias em função de questões relacionadas à privacidade, segurança e condições físicas das unidades. A recusa evidenciou a necessidade de alternativas que respeitassem a autonomia dos usuários. No dia 28 de maio de 2025, realizou-se a ação intersetorial que viabilizou o cadastramento das famílias no CADÚnico e sua inclusão no Programa Recomeçar Moradia-Emergencial (Lei n. 6.797/2022), que concede subsídio mensal de aluguel. Em 8 de junho de 2025, ocorreu a desocupação definitiva do imóvel ocupado, de forma pacífica, com a mudança das famílias para diferentes regiões da cidade em moradias alugadas com o benefício.
Das seis famílias inicialmente identificadas, cinco participaram da ação e foram inseridas no Programa Aluguel Social. A experiência demonstrou que a articulação entre setores distintos da política de assistência social é fundamental para a efetivação de direitos, especialmente no contexto migratório, em que fatores como deslocamento forçado, falta de vínculos locais e escassez de recursos financeiros agravam a vulnerabilidade social. Conforme destacam Ferreira e Borges (2022), migrantes enfrentam desafios que atravessam desde sentimentos de não pertencimento até condições de precariedade social e emocional, o que reforça a necessidade de estratégias de proteção social articuladas.
O acompanhamento das famílias permitiu identificar situações de violação de direitos, como violência doméstica, ausência de cadastro em unidades de saúde da família e risco de evasão escolar de crianças e adolescentes. Assim, foram realizados encaminhamentos aos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) dos territórios de moradia, em conformidade com as orientações técnicas para a proteção básica (Brasil, 2009), e, em casos mais complexos, ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). A atuação em rede mostrou-se essencial não apenas para garantir acesso à moradia, mas também para fortalecer a proteção integral, a prevenção de riscos sociais e a promoção da dignidade humana, especialmente no caso de crianças e adolescentes, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990).
A experiência relatada aponta importantes aprendizados. Em primeiro lugar, destaca-se a relevância do aluguel social como alternativa concreta ao acolhimento institucional, garantindo maior aceitação por parte das famílias, respeito à autonomia e promoção de condições de vida digna. Em segundo lugar, evidencia-se a necessidade de qualificação permanente dos serviços de acolhimento institucional, de modo que estes se tornem efetivamente protetivos e aptos a responder às necessidades das famílias migrantes. Além disso, a atuação do SEAS como serviço tipificado de média complexidade (Brasil, 2013) reforça o papel estratégico da abordagem social no enfrentamento das situações de vulnerabilidade e risco.
Por fim, reafirma-se a importância da intersetorialidade e da continuidade do acompanhamento pelas políticas públicas, especialmente no que se refere à saúde, educação e assistência social, assegurando a integralidade do cuidado. Esse relato de experiência insere-se no campo da migração e dos direitos humanos, pois evidencia como a articulação intersetorial das políticas públicas pode promover acesso à moradia, proteção social e dignidade a famílias migrantes em situação de rua, reafirmando o papel do Estado na efetivação de direitos e no enfrentamento das desigualdades sociais.