MÚSICA E CENSURA NO CONTEXTO DA DITADURA CIVIL-MILITAR (1964-1985)

UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DA AULA OFICINA

  • Danilo de Vasconcellos Ferreira Danilo Ferreira Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Resumo

Utilizando como referencial teórico os conceitos de didática da História, consciência histórica  e ensino de História, desenvolvidos pelos autores Jörn Rüsen, Luis Fernando Cerri e Maria Auxiliadora Schimidt, propõe-se como metodologia o desenvolvimento de aulas oficinas, conceito este desenvolvido por Isabel Barca (2004), que visa dar profundidade histórica através da problematização de temas e conceitos, bem como, através da utilização de diferentes fontes apresentadas aos estudantes. A partir destes referenciais, realizou-se a atividade Música e Censura no contexto da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), com alunos do 3º ano do Ensino Médio. A oficina, baseada em referida metodologia, visa desenvolver as possibilidades de abordagens de ensino em sala de aula, tendo como base a canção e as narrativas desenvolvidas pelos compositores que vivenciaram o período, configurando assim testemunhos do momento abordado. Acredita-se desta forma no potencial da utilização da música como elemento motivador e como parte do processo de desenvolvimento da consciência histórica, bem como seu uso como fonte e evidência histórica.

            A percepção de que a didática da História, definida  por Cardoso (2008) como uma “disciplina que tem por objeto de estudo todas as elaborações da história sem forma científica”, tem se consolidado como uma área específica do saber, tendo como base o conhecimento histórico e o conceito de consciência histórica, desenvolvido pelo teórico alemão Jörn Rüsen. Para Rüsen (2006) “a consciência histórica pode ser analisada como um conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade do pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana”. A didática da História, sob esta perspectiva, vai além de um conjunto teórico-metodológico voltado ao ensino, mas no sentido de tornar-se uma teoria da aprendizagem histórica. É importante também estabelecer que o conceito de consciência histórica, sob esta abordagem teórica não se limita a história ensinada em sala de aula, sendo esta, parte do processo de desenvolvimento dela. Cerri (2011), ao se referir ao conceito consciência histórica para Heller e Rüsen, observa “a consciência histórica não é meta, mas uma das condições da existência do pensamento: não está restrita a um período da história, a regiões do planeta, a classes sociais”.  No mesmo sentido, os autores referem-se ao ato de pensar historicamente como um fenômeno cotidiano e inerente a condição humana.

Há algum tempo a música vem sendo utilizada como recurso pedagógico em sala de aula, obtendo resultados distintos, variando conforme as propostas e metodologias empregadas. Ferramenta frequente nas aulas de história e demais ciências humanas, o uso da música como forma de explorar o universo social no qual fora produzida, requer metodologia própria para que se obtenha resultados satisfatórios no processo de ensino-aprendizagem.  

O debate sobre o ensino de História, suas possibilidades metodológicas, busca pelo despertar do interesse e formas que possibilitem alcançar e elevar a capacidade de análise e compreensão da sociedade, por parte dos estudantes, está entre os mais relevantes no tocante a práxis pedagógica em relação à docência no ensino de História. Nesse sentido, a procura pela construção de novas ou outras abordagens que, extrapolem uma visão historiográfica positivista, calcada em fatos, datações e efemérides, ganhou corpo nas últimas décadas. A práxis pedagógica deve ser acompanhada de permanente reflexão, sobretudo diante da intensa transformação nos meios de acesso a informação, novas formas de comunicação e intenso processo de modificação, cultural, política e econômica.

A música como ferramenta pedagógica deve, segundo Bittencourt (2011), ir além do “ouvir”, como também desenvolver o campo do “pensar”, inserida em seu devido contexto. Na busca por possibilidades que possibilitem explorar a consciência histórica dos estudantes, bem como instigar a percepção de aspectos que possam ir além do factismo no ensino de história, o uso da música como recurso didático, através da pesquisa sobre o contexto no qual sua produção está inserida. destacamos que música pode também ser percebida como parte de uma identidade coletiva, sobretudo quando nos referimos a música brasileira.   Elemento desencadeador de práticas sociais, sensibilidade, criatividade e senso crítico, percebe-se na música e em sua utilização no ambiente escolar, uma ferramenta no processo de socialização, percepção e um potencial desenvolvimento de competências.  

            Obra referencial nos estudos de música e História no Brasil, mesmo não se tratando da temática música e História em sala de aula, Napolitano alerta para uma série de cuidados que se deve ter ao se trabalhar com a música enquanto fonte de pesquisa historiográfica

A aquisição de conteúdo específico, através de uma pesquisa bibliográfica básica, neste caso, é condição fundamental para uma boa seleção documental. Este cuidado, aparentemente banal mas nem sempre observado, pode garantir a pertinência das escolhas para muito além do gosto e/ou das preferência excessivamente pessoais. Uma canção que, aparentemente, achamos sem interesse estético ou sociológico, pode revelar muitos aspectos fundamentais da época estudada. (NAPOLITANO, 2001. P.65)

 

                É importante que a análise da canção enquanto fonte, também se faça de maneira completa, isto é, partindo do pressuposto         de que a canção é composta por dois parâmetros fundamentais, letra e música, a análise isolada de um dos elementos pode levar a uma compreensão parcial, limitada ou equivocada da canção enquanto fonte.

                A utilização da música como fonte insere-se dentro das perspectivas metodológicas já citadas, visando a experimentação do passado, através de diferentes fontes, porém com foco na canção e nas narrativas percebidas através das letras das composições do período.  

            Para o desenvolvimento da aula oficina Música e Censura no Contexto da Ditadura Civil-Militar(1964-1985) foram utilizadas como fontes documentos da censura, um trecho do áudio na reunião que institui o Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5 e tido como o mais duro entre os AI´s até aquele período, páginas de jornais censuradas pelos órgãos governamentais, o relato do músico e compositor Caetano Veloso, no qual descreve sua prisão e sua ida para o exílio, canções da jovem guarda e do tropicalismo, visando trazer parte do universo cultural do período, bem como enfatizar o surgimento de uma indústria cultural de massa no Brasil, a canção Ouro de Tolo, canção de Raul Seixas censurada pela ditadura e a canção E a Revolução, do músico e compositor Nei Lisboa cujo o irmão fora membro da luta armada, tendo sido vitimado pelo estado naquele contexto.

            Para o desenvolvimento da atividade fora realizado um questionário pré-oficina e outro pós-oficina, com o intuito de dimensionar os efeitos da atividade. Entre as perguntas buscou-se relacionar o passado e o presente, tendo em vista a crescente onda de manifestações reacionárias pregando o retorno de uma ditadura no país, o fechamento do congresso e do Supremo Tribunal Federal. Segundo a teoria de Rüsen (2001), a consciência histórica nos fornece elementos para a compreensão do presente, bem como orientando nossas ações tendo em vista o futuro. Nesse sentido, ampliar os referenciais a respeito do que fora a experiência ditatorial vivida no país entre 1964 e 1985, possibilitando aos alunos, através do manejo de fontes históricas, o desenvolvimento de uma criticidade a respeito das experiências autoritárias e de uma formulação própria sobre o período histórico abordado.

 

 

Palavras-chave: Aula Oficina, Consciência História, Música.

 

 

 

Referências

 

ABUD, Kátia Maria. Registro e Representação do cotidiano: a música popular na aula de História. Caderno Cedes. Campinas, v.25, n.67, set/dez. 2005.

 

AZAMBUJA, L. SCHMIDT, M. A. “Aprendi a pensar que música também é história”:

perspectivas da Educação Histórica. In BARCA, I. (Org.). Educação e Consciência

Histórica na Era da Globalização. Braga: Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, 2011, p. 202-222.

 

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131 – 144

 

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

 

CERRI, L. F. Ensino de História e consciência histórica. Implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: RGV, 2011

 

NAPOLITANO, Marcos. História e Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

RÜSEN, J. Razão Histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Trad. de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade

Publicado
07-12-2020
Seção
Educação, Cultura e Linguagem