COMPREENDENDO A PRODUÇÃO DE VÍDEO ESTUDANTIL COMO PROCESSO EDUCACIONAL

  • Josias Pereira da Silva UFPel
  • Eliane Beatriz Candido UFPel
  • Daniele Antunes Barbosa Gomes UFPel
  • Ana Paula Necchi Ribeiro UFPel

Resumo

A produção de vídeo estudantil é uma ação crescente dentro do ambiente social e educacional, principalmente, diante dos desafios da pandemia do COVID-19. Muitos professores foram se adequando a esta realidade, saindo do conforto do seu espaço teórico para aprender, na prática, novas ações com o uso de tecnologias. Alguns conseguiram se reinventar e outros mantiveram a estrutura da educação bancária denunciada por Freire (1987) ligando a câmera, porém, ainda escrevendo no quadro negro. Percebemos que ter a tecnologia não significa saber utilizá-la de forma pedagógica e o mesmo ocorre com o vídeo, pois fazer vídeo somente por fazer não é uma ação pedagógica; o que o torna pedagógico é a ação docente diante da tecnologia (Pereira e Janke 2012).

Percebe-se que a produção de vídeo estudantil (PVE), mesmo sendo ignorada por grande parte da academia, é uma ação crescente no território nacional brasileiro. Uma evidência dessa ação pode ser constatada pelo número de festivais que existe e o seu crescimento nos últimos 10 anos, principalmente, no Rio Grande do Sul, conforme tabela a seguir:

 

 

 

 

 

Cidade

Ano de criação

1

Guaíba

2001

1

Pelotas

2012

2

Rio Grande;

2014

3

São Leopoldo

2015

4

Alvorada;

2015

5

Campo Bom

2016

6

Capão do Leão;

2016

7

São Lourenço do Sul;

2016

8

Canguçu;

2019

9

Cruz Alta,

2019

 

Sete dos nove festivais que constam na tabela anterior, receberam incentivo e auxílio do Laboratório Acadêmico de Produção de Vídeo Estudantil (LabPVE), vinculado a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na sua criação. Estes festivais surgem em ritmo crescente em função de várias ações. A maioria dos alunos têm facilidade tecnológica no manuseio de telefones inteligentes, bem como, representando as suas independências narrativas e artísticas, favorecidas e expressas, principalmente, no processo de edição. Durante a edição é possível vivenciar um tempo e espaço para cortar, recortar e intercalar diferentes planos e ângulos, todos eles realizados pelo grupo de estudantes, o que promove a já citada independência para a criação audiovisual. Essa edição modifica o tempo e o reinventa no universo simbólico do espectador. 

A edição sempre foi uma problemática para a maioria dos alunos que se dispõem à Produção de Vídeo Estudantil (PVE), porém os avanços tecnológicos vêm possibilitando a edição por meio de APPs (aplicativos para Smartphones), geralmente gratuitos. No andamento da gravação o uso destes aplicativos permite que o aluno realize uma gravação contínua, ou seja, ligar a câmera e gravar uma ação sem nenhuma interrupção, como acontecia nos primórdios do cinema realizados no século passado. Além de usar a câmera do telefone como um registro, os alunos pensam nas imagens que querem captar, abordando certas ações sociais e políticas e não, simplesmente, gravar por gravar. Percebe-se a intencionalidade destes estudantes na produção audiovisual, pois eles não almejam apenas ter uma câmera na mão e sair gravando uma ação qualquer, como defendido por Bergala (2008), criador do chamado Minuto Lumière - uma introdução da criança do mundo cinematográfico, por meio da experiência fílmica.

 É interessante para o aluno ter este primeiro contato com as câmeras instigando-o a pensar o cinema e a arte. Percebe-se, nas cidades do Rio Grande do Sul que trabalham com a PVE uma ação diferenciada ao se apropriarem da linguagem audiovisual na realização de curtas-metragens de ficção e documentários, demonstrando preocupação em criar uma linguagem narrativa. Essa apropriação/recriação da linguagem audiovisual pelos alunos aponta sua intencionalidade e forma de expressão artística. Para muitos estudantes a narrativa predominante ainda está ligada ao seu universo simbólico e cultural, por isso muitos curtas apresentam marcas da TV aberta. Ao assistir televisão o dia inteiro, dia após dia, a criança tende a reproduzir signos vivenciados nesta mídia, ou seja, sua produção de vídeo não será uma criação própria, mas sim, uma cópia simbólica e cultural daquilo que vê. Por exemplo, ela copia as temáticas das telenovelas, os planos, imagens, entre outros.

É importante salientar que a ação de fazer vídeo se faz presente no cotidiano juvenil fora do espaço escolar. Para tanto, a incorporação pela academia dessa produção de vídeo estudantil precisa ser pensada com uma intencionalidade pedagógica ligada a uma ação docente. Essa intencionalidade é o que vai fazer com que a produção audiovisual deixe de ser um mero artefato técnico para ser legitimada como uma ação pedagógica.

Nesse sentido, reforça-se que a Metodologia PVE propõe ao docente e aos estudantes de licenciatura - futuros professores - conhecer e compreender de que maneira se dá este processo de produção de vídeo dentro do espaço escolar como uma ação pedagógica interdisciplinar. Num primeiro momento é necessário entender o que é a linguagem audiovisual. Posteriormente, o segundo passo, é conhecer os aplicativos de telefones, câmeras, gravações, enquadramentos, ângulos, planos, contra planos cinematográficos, entre outros, para fazer a edição de sua produção; a edição é fundamental para exercitar a produção audiovisual e sair do papel de espectador para criador; através da edição passa-se a manipular de forma consciente o tempo cinematográfico - o raccord - que é criado pelo editor e diretor da obra ao manipular os planos cinematográficos criando-se a ilusão de algo contínuo. Exemplo de raccord: numa cena o personagem pega a chave do carro e na outra está no carro dirigindo. Além disso, a edição possibilita a criação de um signo sincrético que, segundo Pereira e Dal Pont (2019), é quando se junta várias informações ao mesmo tempo (imagem, áudio, cor, textura, etc) para fazer ou transmitir outra ação.  E, num terceiro momento, utilizar essas ações técnicas e poéticas em uma ação pedagógica com a intencionalidade educacional que o docente planejou.

Percebe-se, então, que produzir vídeo estudantil pode ser uma ação pedagógica e não meramente técnica ou fora do contexto escolar; não estamos aqui defendendo que a tecnologia vai resolver os problemas ou modificar as ações e relações educacionais, aponta-se a necessidade de que o docente primeiro compreenda a tecnologia e sua linguagem para depois aplicá-la na ação pedagógica que deseja, a fim de que a mesma seja de cunho educacional. Atualmente, é crescente o número de teses e dissertações que debatem a questão pedagógica da PVE, trazendo essas discussões para o espaço acadêmico. Refletindo que este é um contexto privilegiado, que evidencia a formação docente e no qual a dialogicidade entre pesquisadores dessa área ainda vêm acontecendo de forma sutil, acredita-se que possam vir a ser fortalecidas, protagonizadas e intensificadas por intermédio de maior participação dos professores e estudantes produtores nos espaços que promovem as pesquisas acadêmicas.

Pereira e Dal Pont (2019) defendem que a produção audiovisual também é pedagógica dependendo de como o docente organiza o planejamento das suas propostas de acordo com os objetivos da disciplina, seja no currículo regular ou no currículo oculto. Segundo Pereira (2014), no Rio Grande do Sul temos cadastrados 15 festivais de vídeo estudantil e cada um deles, em média, apresenta dez vídeos feitos por professores e alunos dentro do espaço escolar. Considerando que cada curta teve um professor mediador, que cada sala tem cerca de trinta alunos, pode-se estimar que tenhamos de 3 a 4 mil alunos produzindo vídeos.

Sendo assim, alguns questionamentos surgem: quem proporciona a formação docente em produção de vídeo estudantil? Onde essas capacitações/cursos acontecem? Pensando nessas inquietações e buscando contribuir com a formação destes professores é que o LabPVE criou o Curso de Roteiro para a Produção de Vídeo Estudantil, no ano de 2019, com duas turmas de docentes: uma nacional com 300 alunos e uma turma regional com 100 alunos. Em 2020, com um record de 2600 inscritos para o referido curso, criou-se assim duas turmas de 600 alunos cada uma. Numa perspectiva crescente para a implementação de formações docentes na área da PVE, estima-se que para o ano de 2021 a criação de mais quatro cursos de capacitação, sendo três deles com temáticas solicitadas pelos professores de diversas cidades do Brasil (na oportunidade do IV Congresso Brasileiro de Produção de Vídeo Estudantil 2020 - 100% online). De forma a reunir uma variedade de informações, o LabPVE disponibiliza um espaço virtual colaborativo e complementar com atualizações sobre a PVE, no endereço eletrônico: <https://wp.ufpel.edu.br/labpve/>.

Por conta das demandas deste período de pandemia por Covid-19 e da necessidade emergente de distanciamento social, em setembro de 2020, o LabPVE recebeu dois convites para promover a formação continuada de professores sobre a Metodologia PVE: um da Prefeitura Municipal de Gramado e o outro da Prefeitura Municipal de Sant’Ana do Livramento, totalizando 190 inscritos. Esses movimentos demonstram que os profissionais estão sentindo falta de ampliar seus repertórios para esta prática em sala de aula, desejando aprender sobre a PVE. Então, a academia como espaço privilegiado, deve ser um ambiente que promova o debate e a análise de como os alunos estão produzindo vídeo e aprendendo ao mesmo tempo.

Nesse sentido, os estudos de Pereira (2012, 2014 e 2019) defendem que a Neurociência é um dos conhecimentos primordiais para compreender a PVE como uma ação pedagógica e como uma metodologia ativa, uma vez que na produção de vídeo o aluno está imerso em suas atividades, organizando os seus saberes e protagonizando ações artísticas, técnicas e poéticas na perspectiva audiovisual.

Acredita-se que os cursos de licenciaturas podem abrir espaço para que a produção de vídeo estudantil seja debatida em pesquisas e, num futuro próximo, fazer parte do currículo regulamentar das instituições. É de conhecimento que nos cursos de licenciatura a Neurociência não é uma das teorias mais versadas entre os graduandos, porém, esclarece-se que ao referenciar as pesquisas dos centenários Piaget e Vygotsky, o primeiro pelo aspecto biológico e o segundo pelo aspecto das interações sociais, pode-se dizer que a produção de vídeo estudantil corrobora também pelo viés da interação entre os alunos e o seu meio, representando uma ação significativa para os alunos, possibilitando novas cognições retroalimentando a inteligência emocional. A PVE é um meio através do qual o aluno tem vez e voz, podendo mostrar o seu universo simbólico. Portanto, defende-se que a academia tem o papel de reconhecer e validar a produção de vídeo no contexto escolar como uma ação pedagógica e como uma metodologia ativa desse processo.

Para finalizar esta reflexão teórica e prática, cita-se Freire (1987), em seu livro Pedagogia do Oprimido, que apresenta a libertação dos indivíduos em função de uma consciência crítica e transformadora. Nesse ponto de vista, Pereira e Mattos (2017), corroboram com os escritos de Freire, pois ao analisarem o Festival de Capão do Leão eles constataram que 75% dos vídeos são de temática social, isto é, cada vez mais os alunos estão debatendo a sociedade, ao mesmo tempo querendo modificá-la e, à vista disso, utilizam-se da Metodologia PVE para agir de forma criativa a favor de sua própria libertação.

Publicado
14-12-2020
Seção
Organização e Práticas Educativas na Educação Básica