UMA NOVA CONFIGURAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE AS POLITICAS CURRICULARES A PARTIR DO ANO DE 2005 E EMERGÊNCIA DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

  • Camila Chiodi Agostini UFFS-UPF
  • Altair Alberto Fávero

Resumo

Nos últimos anos, têm-se questionado intensamente o papel do currículo no processo educacional. No que se refere a Educação infantil é nítida a transformação dessa etapa Educacional como um latente campo de disputas, efetivados pelas políticas curriculares. Nesse sentido uma das vertentes que despontam hoje é a questão da defesa de um currículo voltado para a infância, uma pedagogia que leve em consideração a criança como indivíduo, aprendendo através de experiências, do lúdico e da interação (ROCHA, 2001; BARBOSA, 2009). A outra sugere o caminho inverso, no sentido de uma fetichização da infância, primando por um retorno à escolarização (ARCE, 2004; PRADO, AZEVEDO, 2012).
Dessa forma, é imperioso destacar que a Educação Infantil no país, passa por uma mudança substancial a partir dos anos 80, impulsionadas pelas mudanças legislativas e a promulgação da Constituição de 1988. Foi nessa época que a mudança da percepção do sujeito criança torna-se uma premissa visível e a criança também é reconhecida como cidadã dotada de direitos, sendo a educação básica de qualidade, a qual incluía além de locais adequados, formação específica de profissionais para atendimento, um dos seus direitos fundamentais. Da mesma forma, ultrapassou-se a concepção da creche como local de cuidado e assistência, devendo ser um local de brincar e cuidar, possuindo sua própria valoração e especificidade, além da superação da ideia de que a Educação Infantil seria o turno preparatório para o ensino fundamental. (AMORIN, 2011)
Seguindo a trama das políticas após Constituição de 1988, um dos principais marcos legislativos que alterou sistematicamente a forma da condução das políticas curriculares brasileiras para a Educação Infantil foi a Lei n. 11.114 de 2005, a qual ampliou a oferta do Ensino Fundamental para inclusão de crianças de 06 anos. Nesse sentido, o presente trabalho ancorado no eixo das pesquisas sobre as Políticas Curriculares para a Educação Infantil e as suas alterações substanciais após o ano de 2005 através da Lei 11.114/2005, possui o escopo de apontar aspetos relevantes sobre as mudanças nas políticas curriculares e consequentemente no currículo da educação infantil após o ano de 2005. Nesse interim, a pergunta que norteia esse trabalho traduz-se: como é criada uma nova configuração das Educação Infantil brasileira após o ano de 2005 através das alterações legislativas e, consequentemente, das mudanças nas Políticas Curriculares e, que encerram no surgimento da Base Nacional Comum Curricular? Trata-se este de estudo exploratório, qualitativo, bibliográfico, de análise legislativa, baseado em uma metodologia dedutiva-analítica, partindo-se da leitura da legislação e literatura sobre o tema. Ressalto que, a pesquisa assim conduzida, mostra-se apta a apresentar os conceitos já produzidos e desenvolver possíveis novas análises sobre as questões elencadas o que, inclusive, pode-se constituir num referencial analítico para pesquisas futuras.
Primeiramente, é crucial destacar que a Lei 11.114 de 2005 e a Emenda Constitucional n.53/2006, que lhe é correlata, acabaram por incluir as crianças de 6 anos no Ensino Fundamental, tendo ampliado tal etapa para 9 anos e determinando, portanto, que a Educação Infantil compreende o lapso entre os 0 e 5 anos de idade. Todavia, tal legislação sofreu duras críticas, tanto pelo seu caráter obrigatório, além do fato de que o aumento do tempo de escolarização ou o ingresso precoce não representam um ganho efetivo na educação dos infantes (SILVA; DRUMOND, 2012). A Emenda Constitucional n. 59 de 2009 foi além e promulgou a obrigatoriedade do ingresso na Educação Infantil para crianças de 4 e 5 anos de idade, na modalidade de pré-escola e facultativo para crianças de 0 a 3 anos em creches. Da mesma forma que, torna-se necessário referir que a inclusão compulsória das crianças no Ensino Fundamental aos 6 anos de idade e na Educação Infantil dos 4 aos 5 anos de idade, acaba por demonstrar que a obrigatoriedade tem por muitas vezes se confundindo com os preceitos de universalização e de garantia de direitos, o que demonstra uma visão totalmente distorcida da questão (SILVA; DRUMOND, 2012).
Mas também é nesse panorama que surgem as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, no ano de 2009. Essa legislação representou o reconhecimento e a reafirmação a importância das Diretrizes Curriculares Nacionais. Portanto, em 17 de dezembro de 2009, foi aprovada a Resolução CNE/CEB nº 5/2009 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) a serem observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil, revogando a Resolução CNE/CEB nº 01/1999, considerado este como mais um marco legal em relação a questão da evolução nacional do currículo da Educação Infantil. Nele, o currículo da Educação Infantil é concebido como “um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (art. 3º)”. A criança é considerada um sujeito histórico e de direitos, e nas suas interações cotidianas “constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (art. 4º), tendo como base principal de todo o processo as interações e brincadeiras. (BRASIL, DCNEI, 2009), de forma a garantir “experiências diversas no campo do conhecimento de si e do mundo, das diferentes linguagens, das narrativas, da autonomia e do cuidado, da diversidade, das manifestações e tradições culturais brasileiras” (AQUINO; VASCONCELOS, 2012, p. 73).
Da mesma forma é importante referir que, vista inicialmente como uma política e não um currículo especificadamente para a educação, as normativas após 2005 foram fortemente influenciadas por orientações de organismos multilaterais internacionais, principalmente a partir dos anos de 1970, período de industrialização do país. Tais documentos, pelo menos no campo do discurso, defendiam a busca pela igualdade entre os indivíduos, de forma a mitigar a pobreza e promover a justiça social. E para que isso ocorra, o investimento na primeira infância mostra-se fundamental, ao passo que significaria maior produtividade do indivíduo nos estudos posteriores e, consequentemente, esse indivíduo seria mais produtivo e rentável. Assim, o investimento nas crianças significaria um efetivo investimento em capital humano, o que poderia garantir a redução dos custos governamentais de saúde, segurança e seguridade pública (CANAVIEIRA, 2010).
É nesse panorama que a Base Nacional Comum Curricular desponta. De forma breve a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), é o documento que integra, dentro da nova sistemática do PNE, todo um conjunto de aprendizagens e competências a serem inseridas e alcançadas no currículo escolar dos alunos de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. O documento foi produzido através de várias conferências, palestras e estudos de especialistas solicitados pelo MEC para esse fim, o qual gerou um documento inicial publicado em setembro de 2015, seguindo de mais duas versões, sendo a quarta publicada como documento final e homologada no ano de 2018. Com a entrada em vigor e aplicação prática, muitas questões estão sendo levantadas, principalmente na questão da inserção de uma possível pedagogia da escolarização em detrimento da pedagogia da infância defendida pelas DCNEIs, além de outros aspectos que ensejam várias discussões na educação voltada para essa etapa educacional.
Assim, é possível concluir que, após a análise dos documentos legais das políticas curriculares brasileiras para a Educação Infantil após ao ano de 2005, o campo de disputa do currículo que já vinha bastante acirrado, tem tomado novas proporções, ainda mais no momento em que a Base entra em exercício efetivo. Considero que o resgate legislativo se mostra de suma importância, não apenas para entendimento das legislações que garantem direitos, mas de como as políticas são influenciadas, geram disputas e currículos que nem sempre atendem os destinatários dessas normativas. Com base nas pesquisas desenvolvidas, considero salutar ressaltar que não é um currículo tão formatado ao ponto de “espalhar a tristeza, desanimo ou indiferença” (PARAÍSO, 2015, p. 52) que se espera ver e ser exercitado na Educação Infantil, mas sim aquele que flui com o movimento das crianças, seus desejos, necessidades e, principalmente, suas descobertas, sua espontaneidade, suas brincadeiras, as quais firmam o proposto de defesa de seus direitos em sua total potencialidade.

Palavras-chave: Educação Infantil; Políticas Curriculares; Currículo; Base Nacional Comum Curricular.

Publicado
15-12-2020
Seção
Políticas Educacionais Políticas Curriculares