DESAFIOS E POSSIBILIDADES INTERCULTURAIS NO ATENDIMENTO DE MIGRANTES NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS):
RELATO DE EXPERIÊNCIA EM ATIVIDADES TEÓRICO-PRÁTICAS E ESTÁGIOS DE ENFERMAGEM
Palavras-chave:
Migração Internacional. Sistema Único de Saúde. Enfermagem Transcultural.Resumo
A crescente migração internacional tem impactado de forma significativa o sistema de saúde brasileiro, exigindo do Sistema Único de Saúde (SUS) respostas capazes de lidar com as necessidades de populações em situação de mobilidade e com diferentes pertencimentos socioculturais. Nesse contexto, a presença de migrantes nos serviços de atenção básica e hospitalar desafia profissionais e gestores a construírem práticas de cuidado que reconheçam as diversidades culturais, linguísticas e sociais, superando barreiras de acesso e preconceitos institucionais. O objetivo deste estudo é refletir sobre os desafios e possibilidades de migrantes serem cuidados no SUS, a partir da perspectiva de docentes e discentes de Enfermagem em atividades teórico-práticas e estágios realizados em uma universidade pública do sul do país, buscando evidenciar a importância do diálogo intercultural no cuidado em saúde. Como aporte teórico, recorre-se à Teoria do Cuidado Cultural de Madeleine Leininger, que enfatiza a relevância do reconhecimento das práticas culturais, crenças e valores das pessoas no processo de cuidado, defendendo a incorporação do diálogo intercultural como elemento estruturante da assistência (Leininger; Mcfarland, 2006). A metodologia consiste em um relato de experiência, construído a partir de observações e vivências em atividades teórico-práticas e estágios curriculares em unidades de saúde, nos quais migrantes de diferentes nacionalidades — especialmente haitianos e venezuelanos — buscaram atendimento. Os resultados evidenciam que a comunicação foi o principal desafio encontrado, marcado tanto pela barreira linguística quanto pela falta de preparo de profissionais para lidar com diferenças culturais, o que gerou situações de tensão e risco de exclusão do cuidado. Contudo, emergiram possibilidades de inovação no atendimento, especialmente quando docentes e discentes investiram em estratégias mediadas pelo uso de tradutores comunitários, pela valorização das narrativas dos usuários e pelo reconhecimento de suas práticas culturais de saúde, o que promoveu maior vínculo e acolhimento. Essa experiência confirma achados da literatura, que apontam que a sensibilidade cultural é determinante para a qualidade da atenção, sendo capaz de reduzir desigualdades e fortalecer a universalidade do SUS (Silva; Lima; Souza, 2020; Costa; Couto, 2021). Além disso, verificou-se que a vivência com migrantes favoreceu processos formativos interprofissionais e críticos, pois demandou dos estudantes o exercício de escuta ativa, criatividade no uso de recursos comunicativos e reflexão ética sobre equidade no cuidado, aspectos que corroboram com estudos sobre educação em saúde pautada na interculturalidade (Santos; Melo; Gonçalves, 2022). Como considerações finais, conclui-se que o atendimento a migrantes no SUS apresenta desafios relevantes, sobretudo relacionados à comunicação e ao despreparo institucional, mas também abre possibilidades para a construção de práticas interculturais inovadoras, que ampliam a qualidade do cuidado e contribuem para a formação de profissionais mais sensíveis às diversidades humanas. Ressalta-se, portanto, a necessidade de fortalecer políticas públicas que incluam a interculturalidade como princípio transversal e de consolidar, no âmbito da formação interprofissional em saúde, dispositivos pedagógicos que articulem ensino-serviço-comunidade em favor da equidade e da justiça social no acesso à saúde.
