BUROCRACIA COMO FERRAMENTA DE EXCLUSÃO MIGRATÓRIA A PARTIR DE PAPERS, PLEASE

Autores

  • Bruna Meotti Souza Universidade Católica de Pelotas
  • Dra. Ana Paula Dittgen da Silva Universidade Católica de Pelotas

Palavras-chave:

Migração, Burocracia, Jogos digitais

Resumo

Papers, Please é um jogo eletrônico criado por Lucas Pope em que o jogador assume a função de agente de controle de migração na fronteira da fictícia nação de Arstotzka, um Estado autoritário em guerra que remete, narrativamente, ao Bloco Soviético da Guerra Fria. O protagonista deve verificar a documentação de indivíduos que buscam entrar no país, seguindo diretrizes que se tornam progressivamente mais rígidas conforme avançam os eventos ligados à criminalidade, espionagem, terrorismo e guerra.

O presente resumo busca explorar as mecânicas de Papers, Please a partir de uma análise qualitativa, fundamentada em bibliografia crítica e na interpretação do jogo enquanto objeto cultural. A análise utiliza David Graeber para discutir o papel da burocracia estatal nas práticas de exclusão migratória. Já Ian Bogost e Louis Althusser permitem compreender a interpelação do jogador pelas mecânicas do jogo, evidenciando como estas o sensibilizam à crítica política e aos papéis sociais por meio da retórica procedimental. O objetivo é apresentar o jogo como possibilidade de letramento crítico sobre procedimentos migratórios como forma estrutural de violência contra migrantes.

No jogo, as regras são as políticas de controle, e devem ser aplicadas no momento de aprovar ou rejeitar a passagem de quem está na fronteira, e cada “acerto ou erro” altera a pontuação do jogador. Essa premissa já oferece um contexto de instrumentalização da burocracia. GRAEBER (2015, p. 56) relaciona a estrutura burocrática ao monopólio da violência do Estado e à violência estrutural: a burocracia não é efetiva pela autoridade simbólica de seus objetos, mas sim pela coerção governamental. Além disso, define destinos sociais, pois dita quem se encaixa ou não na ordem jurídica; evidenciado no jogo quando determinadas nacionalidades são proibidas de entrar em Arstotzka, revelando quem o governo considera ameaça.

O jogador é confrontado com situações que colocam sua moral em conflito com as regras, como pedidos de entrada de pessoas perseguidas em risco em seus países de origem. Negar a passagem desses indivíduos representa a passividade diante da vulnerabilidade enfrentada e traduz a mensagem política de que a segurança de alguns grupos vale menos que a de outros.

Ao posicionar o usuário como agente decisório, o jogo interpela ideologicamente pela lógica estatal autoritária, produzindo uma experiência epistêmica da sujeição. ALTHUSSER (1978, p. 99) conceitua a interpelação do sujeito como processo em que o indivíduo, ao ser chamado, reconhece-se no papel designado e torna-se sujeito dentro de uma lógica social. Essa ideia aplica-se aqui a partir do que BOGOST (2007) define como retórica procedimental: a mecânica fundamental da burocracia comunica a crítica, pois oferece a vivência direta do conflito entre moral e legalidade ao designar uma função ao jogador.

Conclui-se que através de suas mecânicas, o jogo oferece uma experiência interativa, permitindo que o jogador assimile os dilemas dos procedimentos legais. Papers, Please funciona como dispositivo de letramento crítico ao sensibilizar o jogador para a exclusão burocrática em contextos autoritários, evidenciando a violência estrutural embutida nos processos migratórios.

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Publicado

26-09-2025