HAITIANAS E DIFERENTES COSMOVISÕES DA SAÚDE, DOENÇA E CUIDADO:

ESTUDO EM CHAPECÓ

Autores

  • Izabella Barison Matos UFFS
  • Charles Felipe Welter Prefeitura do Município de Chapecó.
  • Amanda Boff
  • HELOISA MALAKOVSKI Ministério da Saúde

Palavras-chave:

Haitianas, SUS

Resumo

Contextualização: Trazemos análises de pesquisa, desenvolvida durante o ano de 2016, realizada por docentes e estudantes do curso de medicina, de uma universidade federal; onde Unidades Básicas de Saúde, (UBS), do Sistema Único de Saúde (SUS), são cenários de prática da formação médica. No caso em pauta, a gestora de uma destas UBS, onde ocorriam vivências semanais de estudantes e de docentes, relatou a baixa adesão de haitianas aos tratamentos prescritos pelos profissionais de saúde. Assim, o objetivo da pesquisa foi refletir sobre aspectos culturais das práticas de saúde das haitianas que poderiam interferir na baixa adesão aos tratamentos. Metodologia: pesquisa qualitativa e descritiva que utilizou entrevistas junto a profissionais de saúde e haitianos. A hermenêutica-dialética foi a técnica de análise dos dados. Resultados e discussão: Imigração no Oeste Catarinense - a partir de 2012, o Oeste Catarinense, foi um dos destinos de imigração de haitianos. Tida como emigração de dependência essa diáspora, em escala supranacional, contabilizava mais de 5 milhões de haitianos vivendo fora do seu país, e é um assunto do Estado haitiano, que conta inclusive com o Ministério de Haitianos Residindo no Exterior (MHAVE). Há motivações objetivas como a oferta de trabalho em outros países, e subjetivas, como, por exemplo, o imaginário de uma vida melhor. Internacionalmente, o fechamento de fronteiras de países do Norte Global, com as políticas restritivas à imigração, direcionaram a imigração para países do Sul Global, como o Brasil. Medicina do mato” e medicina científica - a população haitiana recorre à “medicina do mato” com uso de chás, ervas e a prática do vodu para curar pessoas, por meio de cerimônias. Trata-se de um sistema de crenças e atitudes de práticas de saúde-doença e cuidado, “vodu de curar”, que é realizado por feiticeiros (ougan), numa expressão ritualística que mobiliza os espíritos em uma cosmovisão que dá sentido à existência. A população tem o feiticeiro como alguém que faz parte de seu mundo e, assim, pode entender melhor o que se passa. Às vezes, o médico fala francês e não crioulo haitiano, que é a língua majoritária da população, ou sua perspectiva biomédica tende a direcionar tratamentos que não considerem a maneira de ser e pensar de grande parcela da população. Assim, a baixa adesão aos tratamentos no SUS, no Brasil, pode ser compreendida considerando-se: melhora momentânea dos sintomas; barreira linguística; diferentes cosmovisões sobre a doença e pouca familiaridade com a oferta de serviços no SUS. Profissionais de saúde: barreiras linguísticas e distâncias culturais – foram empreendidas algumas iniciativas para estabelecer comunicação com haitianas: uso do Google Tradutor, criação de panfleto em língua francesa sobre o funcionamento da UBS, roda de conversa com imigrante haitiana sobre cultura e cuidados relativos à saúde. Os profissionais de saúde salientaram que não se sentiam preparados para atender a esse e a outros grupos de imigrantes, queriam capacitações para melhor compreensão sobre os diferentes imigrantes. Manifestaram inconformidade com o que acham ser falta de esforço para falar a língua do país de destino e sinalizaram que deveria haver adesão a nossa cultura, nossas rotinas e regras. A ideia de aculturação de imigrantes à nossa forma de pensar, valores, regras é abordada pela literatura que critica tal pensamento e a necessidade de pensarmos em interações e transculturação. Conclusão: A percepção da saúde, da doença e do cuidado das haitianas é intermediada pela medicina do mato, praticada no Haiti, que é guiada pela prática do vodu. Esta entra em disputa com a lógica biomédica da medicina científica, cujas ações preconizadas pelos profissionais do SUS traduzem em diagnóstico o que para as haitianas faz parte de outra cosmovisão da saúde-doença e cuidado.

 

 

Palavras-chave: Migrantes. Haitianas. SUS.

 

Apoio Financeiro: Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).

 

 

 

Referências

 

 

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HERZLICH, C. Santé et Maladie. Analyse d’une representation sociale. Paris: Mouton, 1969.



 

 

 

 

 

 

 

 

Biografia do Autor

  • Izabella Barison Matos, UFFS

    Pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas (PUC-PR), Doutora em Ciências-Saúde Pública (FIOCRUZ). Professora colaboradora do Programa de  Pós-Graduação em Direitos Humanos - Mestrado Profissional, da Universide Federal da Fronteira Sul.

     

  • Charles Felipe Welter, Prefeitura do Município de Chapecó.

    Médico (UFFS), atualmente vinculado à Secretaria de Saúde do Município de Chapecó.

  • Amanda Boff

    Médica (UFFS), especialista em psiquiatra. Residente em Psiquiatria da Infância e da Adolescência (UNIFESP) e residente em Psiquiatria Intervencionista (HCXFMUSP).

  • HELOISA MALAKOVSKI, Ministério da Saúde

    Médica (UFFS), especialista em Estudos de Geriatria e Gerontologia, especialização em curso em Medicina de Família. Participa do Programa Mais Médicos do Ministério da Saúde.

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Publicado

26-09-2025