A SUPERAÇÃO DOS ENTRAVES PARA A REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA DE INTEGRANTES DOS POVOS GUARANIS NO EXTREMO OESTE CATARINENSE – UMA ANÁLISE INTERDISCIPLINAR
Resumo
Populações originárias dos países do continente americano habitam regiões limitadas pelas fronteiras dos Estados nacionais, os quais não consideraram a ocupação territorial tradicional exercida por diversos povos indígenas que ultrapassam essas fronteiras. Na região composta por parte do território brasileiro, argentino, paraguaio e uruguaio, reside o povo Guarani, representado pelos grupos Mbya, Kaiowá (Pãi-Tavyterã) e Ñandeva (Avá Guarani).
A presente pesquisa utiliza elementos da Antropologia, da História, da Geografia, da Sociologia e do Direito para equacionar problemas advindos de normas jurídicas que desconsideram a realidade sócio-política desses povos indígenas no que se refere à sua mobilidade territorial entre as fronteiras desses Estados nacionais. Por meio do trabalho, busca-se analisar a legislação migratória brasileira no tocante ao reconhecimento (ou não) da territorialidade Guarani Mbya e sua relação com os espaços geográficos tradicionalmente ocupados por esse povo indígena, contrastando com as fronteiras dos Estados Nacionais.
O método utilizado foi o estudo de caso, complementado com a pesquisa bibliográfica e documental.
O ponto de partida do presente trabalho é um estudo de caso envolvendo grupos familiares Guarani Mbya, compostos por cerca de setenta pessoas. Os indígenas, procedentes da fronteiriça Província de Misiones, na Argentina, fixaram residência na zona rural da cidade de Itapiranga, SC, Brasil. A Província de Misiones localiza-se na região nordeste da Argentina e mantém uma longa faixa de fronteira com o Brasil, que tem como limite sul a mesorregião noroeste do Rio Grande do Sul, passando pelo Extremo Oeste de Santa Catarina, e se estende até o extremo oeste do terceiro planalto paranaense, na cidade de Foz do Iguaçu.
O município de Itapiranga localiza-se no Extremo Oeste do Estado de Santa Catarina, na fronteira com o estado do Rio Grande do Sul e com a Argentina.
De acordo com os dados fornecidos pela Coordenação Regional Interior Sul da Fundação Nacional dos Povos Indígenas - FUNAI, localizada no município de Chapecó, SC, os indígenas encontraram dificuldades para regularizar sua situação migratória por não possuírem a documentação exigida pela Polícia Federal para a solicitação da autorização de residência, com base no Acordo de Residência Brasil-Argentina ou no Acordo Mercosul.
O estudo objetiva encontrar uma solução juridicamente viável para o caso, baseada não apenas no Direito, mas em outros campos das Ciências Humanas, por meio de uma abordagem interdisciplinar.
Em consonância com o Direito Internacional, a Constituição brasileira, em seu artigo 231, reconhece aos povos indígenas a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. O mesmo texto constitucional, no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Dessa forma, os direitos garantidos aos indígenas nascidos no Brasil devem ser aplicados, equitativamente aos indígenas estrangeiros residentes em território nacional.
Diante disto, conclui-se que, a despeito da inexistência de norma específica, a regularização migratória de indígenas argentinos no Brasil pode ser viabilizada por meio da utilização da analogia com a norma que autoriza a regularização de indígenas venezuelanos. O estudo interdisciplinar e o embasamento no direito constitucional brasileiro e no direito internacional dos direitos humanos fortalece essa argumentação, ao respaldar a garantia de proteção e igualdade de direitos para todos os indivíduos, independentemente de sua origem étnica.