É COMO CASA

INFÂNCIAS MIGRANTES E ESCOLA, UM ENCONTRO

  • Caroline da Rosa Couto Universidade de Santa Cruz do Sul
  • Betina Hillesheim Universidade de Santa Cruz do Sul
Palavras-chave: Migrações. Infâncias. Escola.

Resumo

Este trabalho tem por objetivo apresentar parte das discussões que vem sendo desenvolvidas no projeto de pesquisa de doutorado intitulado Entre infâncias – escola e migrações, que pergunta: como se dá o encontro entre a escola e as migrações e o que pode acontecer entre uma e outra? Um projeto que investiga, a partir dos fluxos migratórios contemporâneos, a presença, os encontros e as experiências, pelas histórias, das infâncias migrantes e da escola. Destaca-se que os dados migratórios são dispersos e, muitas vezes, conflitantes, especialmente sobre as crianças migrantes, o que lhes acarreta uma certa invisibilidade nas próprias políticas públicas. Mas elas chegam: acessam o país, as cidades e as escolas. No caso do Brasil, todas as crianças em território nacional têm garantia legal de acesso às instituições de ensino básico públicas e, pelo menos desde a Resolução n.1 de 13 de novembro de 2020, que dispõe especificamente sobre o direito de matrícula de crianças e adolescentes migrantes, o acesso é garantido mesmo com a ausência de algumas documentações. Entretanto, para além do acesso legalizado, os processos de entrada e permanência na escola são complexos, o encontro entre as infâncias migrantes contemporâneas e a escola pública brasileira representa um grande desafio. Diante disto, entendemos que se faz importante perguntar pelas crianças  migrantes e para os efeitos deste encontro com as escolas. Para tanto, nos voltamos para a realidade de um município do interior do Estado do Rio Grande do Sul, o qual vem se tornando destino de migrantes do eixo sul-sul, em especial de venezuelanos; mais especificamente, junto a uma Escola Estadual de Ensino Médio que, em 2023, conta com estudantes migrantes matriculados em todos os anos de seriação. Como aporte teórico nos valemos dos estudos pós-estruturalistas e, como proposta metodológica, utilizamo-nos da cartografia, compreendendo o pesquisar como um caminho que nos demanda atenção a cada encontro (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Assim, nos encontramos com a escola e com as migrações: com os prédios, os sons e as pessoas. Iniciamos conversando com os/as professores sobre a temática e a pesquisa e, então, seguimos com observações participantes durante as aulas regulares de todas as turmas da referida escola. A partir daí, convidamos todos/as os/as estudantes de outras nacionalidades para a composição de grupos de encontro, nos quais conversamos sobre O que é escola?, Como é estar aqui (este país, esta cidade, este bairro, esta escola)?, O que é migrar?, Como é o encontro entre alguém que migra e a escola?, Como seguir?. Com isto, estamos mapeando as forças dos encontros, da pesquisa e da escola com as migrações contemporâneas. Nas análises parciais, percebemos que a língua é um dos fatores de desencontro, que se atrela a ideias pré-concebidas sobre os lugares e as pessoas, incitando discursos de ódio e invisibilizações violentas. A falta de recursos humanos e técnicos dificulta a acolhida nas escolas que, ao mesmo tempo, se desdobra com uso de tradutores para receber as famílias e as crianças, em processos sempre pessoalizados e não institucionalizados, o que faz com que as experiências possam ser muito diferentes entre as escolas. As histórias que contam do encontro, entre a escola e as migrações contemporâneas, são compostas por afetos tristes e alegres, indicando a escola como um dos motivos de escolha do Brasil como destino, como único lugar de circulação e acompanhamento das crianças na cidade e como algo desafiante pelo encontro com novos outros. As transformações são mútuas, mas não raro, apagadas pelas adaptações simplistas. Porém, trata-se de um encontro complexo, repleto de elementos contraditórios, pois, ao mesmo tempo em que relatam as dificuldades,  os/as estudantes migrantes qualificam: a escola é como casa.

Publicado
14-09-2023