A INTERSECCIONALIDADE COMO FERRAMENTA CONCEITUAL

UMA PESQUISA COM MULHERES MIGRANTES NO SUL DO BRASIL

Palavras-chave: Migração, Mulheres, Interseccionalidade

Resumo

Este trabalho se desenvolve a partir de uma pesquisa feita junto a mulheres migrantes venezuelanas que residem em uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul. Nela, foi evidenciado como as mulheres migrantes enfrentam diferentes tipos de vulnerabilidades e como isso se constitui em processos de aprendizagem dentro de um espaço não escolar, criando redes de apoio. As redes de apoio aparecem como uma estratégia para enfrentar diversos tipos de situações que as mulheres migrantes experienciaram, tais como xenofobia, discriminação, violações de direitos relacionados ao trabalho escravo, entre outras vivências relacionadas à migração.

Utilizou-se o conceito de interseccionalidade pois, enquanto a análise de dados acontecia, foram aparecendo depoimentos nos quais determinados marcadores de vulnerabilidade não podiam ser separados uns dos outros. Durante o processo de procura por um conceito que permita entrelaçar os marcadores, a interseccionalidade, formulada pelo feminismo negro, aparece como uma “ferramenta teórico-metodológica” para pensar nas especificidades das experiências de mulheres no percurso migratório. (BARZALLO, 22).

O conceito é formulado por Kimberlé Crenshaw, a qual propôs, no final da década de 1980, utilizá-lo para “descrever a localização interseccional das mulheres negras e sua marginalização estrutural” (AKOTIRENE, 2019) A interseccionalidade possibilita pensar nos “aspectos raciais da discriminação de gênero sem deixar de pensar nos aspectos de gênero da discriminação racial” (BAIRROS, 2002). As feministas negras começaram a utilizar o conceito para preencher espaços vazios negligenciados pelo feminismo hegemônico cisheteronormativo branco. Portanto, as feministas negras passaram não apenas a defender a sua causa, mas lutaram pelo sufrágio e por causas que atingem outros grupos, tais como homens negros (que sofrem o racismo) e mulheres brancas (que sofrem violência de gênero) (AKOTIRENE, p.20, 2019)

[...] todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são diferenças que fazem diferença na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação. (CRENSHAW, p.173)

Na pesquisa realizada, as mulheres venezuelanas trouxeram reflexões sobre a experiência de quem migra, sendo que a interseccionalidade foi utilizada como uma ferramenta que não apenas ajudou a trabalhar as vulnerabilidades, mas também para entrelaçá-las com outros marcadores identitários, para além da condição migrante.

Sabemos que el mundo es complejo y, por lo tanto, la comprensión de las migraciones femeninas demanda la comunión de miradas múltiples, plurales, y también honestas desde el esclarecimiento de los posicionamientos epistemológicos de partida. (p.9, GONZÁLEZ)

Desta maneira, na investigação, decidiu-se adicionar às categorias utilizadas por Crenshaw e Akotirene (Gênero e Raça) a categoria “migrante”, buscando uma melhor compreensão do leque de vulnerabilidades, experiências e lutas que apareceram durante o processo de produção de dados com as mulheres migrantes. A partir disso, outros fenômenos puderam ser visibilizados, tais como o da “feminização das migrações”, além de deixar em evidência a existência das “redes de apoio”, pelas quais cada mulher é afiançada por outra e as vulnerabilidades são enfrentadas em comunidade.

A garantia de que todas as mulheres sejam beneficiadas pela ampliação da proteção dos direitos humanos baseados no gênero exige que se dê atenção às várias formas pelas quais o gênero intersecta-se com uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas intersecções contribuem para a vulnerabilidade particular de diferentes grupos de mulheres. (CRENSHAW, p.174)

Publicado
14-09-2023