IMPACTOS DO PROCESSO MIGRATÓRIO NA IDENTIDADE DO SUJEITO MIGRANTE

ESTUDO DE CASO DE UMA MIGRAÇÃO SUL-SUL

Resumo

Os vínculos identitários em contextos interculturais da pós-modernidade são cada vez mais discutidos, de maneira que se buscam critérios que fundamentem de que forma os cidadãos relacionam-se com o território e quais os novos conceitos de territorialidade. O Brasil se sedimenta como um país de trânsito, num contexto em que os fluxos migratórios crescem e modificam-se constantemente. Pode-se dizer, conforme elabora Stuart Hall (2005), que atualmente o mundo vive uma “crise de identidade”, oriunda de um vasto processo de mudanças ocorridas nas sociedades modernas, decorrentes do deslocamento das estruturas e processos centrais dessas sociedades, atingindo os antigos quadros de referência que proporcionavam aos indivíduos certa estabilidade no mundo social. A modernidade, segundo Hall (2005), provoca a fragmentação da identidade, uma vez que as paisagens culturais de gênero, classe, etnia, sexualidade, raça e nacionalidade não mais garantem “sólidas localizações” para os indivíduos, podendo-se averiguar agora um quadro de descentralização, deslocamentos e ausência de referentes determinados ou sólidos para as identidades, até aquelas que se fundamentam numa ideia de nação. Não somente Stuart Hall (2005), mas outros pensadores também se debruçam sobre o tema da identidade em um mundo cada vez mais pautado sob a interculturalidade, como Avatar Brah (1996) e, especialmente com foco na América Latina, Néstor Garcia Canclini (2008). Assim, surge o interesse em analisar o impacto do processo migratório na concepção da identidade do imigrante internacional. Para a presente pesquisa, afim de atingir o objetivo proposto, optou-se por utilizar o método qualitativo, por meio de in depth interview no estudo de caso de um imigrante venezuelano na cidade de Pelotas/RS, no sul do Brasil. Com isso, não se pode perder de vista que no presente estudo de caso estamos diante de uma migração entre países latinos americanos e do sul global. Desde a última década, a Venezuela passa por uma forte crise humanitária e migratória, que levou, até o presente momento, cerca de seis milhões cidadãos a deixar o país 
em deslocamento forçado (OIM, 2022), tendo em vista a situação de desrespeito generalizado aos Direitos Humanos que vivencia a população venezuelana em decorrência de uma ampla crise socioeconômica e política, reconhecida em âmbito internacional. Nesse contexto, expostos a uma migração pela qual não ansiavam e não pretendiam, o sujeito se vê cercado por traços culturais diversos do que teve contato até o momento. O sujeito que vivencia essa realidade de constantes contatos e divergências culturais é chamado por Stuart Hall (2005) de sujeito pós-moderno ou pós-colonial, se contrapondo ao sujeito moderno, também chamado de sujeito cartesiano. Complementando a ideia de fragmentação do sujeito pós-moderno, Homi Bhabha (1998) destaca que nos encontramos em um momento de trânsito onde espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas cujas identidades são extremamente fragmentadas e em um constante processo de construção, e exatamente por isso, levando a certa sensação de desorientação e algumas vezes até mesmo de exclusão. Como resultado preliminar, é possível apontar que o processo migratório afetou de forma direta a percepção do entrevistado acerca da cultura de seu país de origem, assim como de sua identidade pessoal. Em contato com uma cultura latino-americana diversa da que estava acostumado, o sujeito aponta mudanças na sua concepção sobre a cultura venezuelana e sobre a cultura latino-americana de forma geral. Além disso, foi possível compreender que enquanto sujeito migrante, o entrevistado foi capaz de refletir sobre situações de violência que sofreu no passado enquanto homem homossexual, o levando a  reconsiderar aspectos de sua identidade pessoal.