ESCOLA E MIGRAÇÕES
ENTRELAÇAMENTOS
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo apresentar as discussões que vêm sendo realizadas na construção do projeto de pesquisa de doutorado “Entre infâncias – escola e migrações: histórias para minorar a conversa do mundo”, que busca compreender como se dá o encontro entre a escola e as migrações e o que pode acontecer neste encontro entre uma e outra, no bojo do fenômeno das migrações contemporâneas. Nas últimas décadas, a leitura dos fluxos migratórios como uma questão que ocupa as agendas nacionais e internacionais com medidas e pactos que ora enfatizam acolhidas, ora reforçam a criação de fronteiras concretas e simbólicas, vêm, gradativamente, ocupando mais espaço, com o ápice acontecendo na última década, através de números recordes de populações em deslocamento. Desde então, a cada ano, as estatísticas apontam para estimativas maiores nos fluxos migratórios internacionais, chegando no início de 2021 a marca de 281 milhões de pessoas, o equivalente a 3,6% da população mundial. O Brasil também compõe a rota migratória contemporânea, tanto pela emigração, quanto pela imigração. As estimativas indicam que o número de imigrantes no país, em 2020, foi estimado em cerca de 1,1 milhão, o que representa 0,5% do total da população brasileira. São pessoas que chegam e inflexionam: a língua, o território, as políticas públicas, as instituições. As crianças acessam as escolas. No caso do Brasil, as instituições de ensino básico são legalmente obrigadas a garantir o acesso das crianças migrantes, pela legislação nacional que diz respeito às crianças e aos adolescentes, a legislação da educação básica e a legislação migratória adotada pelo país. Entretanto, embora importante, a legislação não traz garantias, nem mesmo para o acesso que defende, menos ainda para a orientação do processo, a possibilidade de permanência e a experiência de encontro. E mesmo com as estatísticas aumentando, ainda há uma série de silêncios sobre este encontro: escola e migrações. Frente a isto, a proposta de pesquisa se articula com escolas de educação básica que tem recebido estudantes imigrantes, no sul do Brasil, mais especificamente, na cidade de Venâncio Aires – município reconhecido como Cidade Acolhedora pelo Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) e que integra a Operação Acolhida, programa de interiorização elaborado em parceria entre o governo brasileiro e a ONU. Para tanto, como processo teórico metodológico, foi escolhida a cartografia, inspirada por Gilles Deleuze e Félix Gattari (1995), como experiência de acompanhar processos mais do que representar estados de coisa. Assim, os primeiros encontros com os/as professoras, os/as estudantes (imigrantes e não imigrantes) e as famílias, apontam que o que acontece quando a educação, em sua forma escola, com uma História tão longa e cheia de histórias de ordem e brechas, encontra as migrações contemporâneas, também marcadas na História e com histórias e conexões tão múltiplas, passa pela transformação de uma e de outra: colocando em xeque o currículo, a estrutura e a organização da escola, ao tempo em que rasura os discursos que dizem das migrações apenas como crise e perigo. É assim que as placas da escola podem se transformar em trilíngues e as aulas – de História, por exemplo – em grandes espaços de espaços de questionamento. Quando esses dois projetos, modernos-coloniais, se encontram, acontecem novas e outras histórias, que podem minorar a conversa do mundo, instaurando novas perguntas. Quais as invenções possíveis para a escola e as migrações, no contemporâneo? Perguntas necessárias e impossíveis. Respostas sempre faltantes, geradoras de outras perguntas. Não seria esse o próprio movimento da educação?