EDUCAÇÃO INFANTIL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EM PAUTA O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Resumo
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e abarca crianças de zero a cinco anos em duas formas de atendimento, separadas por faixa etária. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96 a Educação Infantil, na etapa creche, atende crianças de zero a três anos e, na etapa pré-escolar, as crianças de quatro e cinco anos, sendo a matrícula obrigatória a partir dos quatro anos de idade e ofertada gratuitamente pela esfera pública (Brasil, 1996).
Pretende-se neste trabalho, com vistas à garantia constitucional do direito à educação de todas as crianças, analisar a meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014 a 2025 correlacionando alguns de seus objetivos com os do novo PNE apresentado ao Congresso Nacional do Brasil, no que tange ao atendimento da Educação Infantil na perspectiva da Educação Inclusiva. Para tanto, a meta 4 do referido PNE 2014 a 2025 será correlacionada com alguns dos objetivos divulgados no projeto do novo PNE.
Os PNE são documentos que definem metas e estratégias para a educação do país, por um período de dez anos, para tornar possível a efetivação dos objetivos educacionais estabelecidos pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Silva, 2023). Busca assegurar, desse modo, que todos os alunos, independentemente de suas necessidades educacionais especiais, tenham acesso a uma educação de qualidade.
Essa análise será fundamentada na Teoria Histórico-Cultural e em legislações sobre a educação das crianças com deficiência, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96.
Compreendemos a partir das premissas da Teoria Histórico-Cultural que “[...] o homem é um ser social e, fora da relação com a sociedade, jamais desenvolveria as qualidades, as características que são resultado do desenvolvimento metódico de toda a humanidade” (Vigotski, 2018, p. 90, grifos do autor). Desta forma, o convívio social é o que de fato nos humaniza e nos torna pertencentes à sociedade na qual estamos inseridos.
Em vista disso, o desenvolvimento infantil acontece a partir de premissas biológicas, mas está determinado pelas condições sócio-históricas às quais as crianças são expostas. Nesse sentido ressaltamos que “[...] as propriedades biologicamente herdadas do homem constituem apenas uma das condições da formação das suas funções e faculdades psíquicas, condição que desempenha por certo um papel importante” (Leontiev, 2004, p. 275, grifos do autor), mas não determinante em seu processo de humanização, estando este condicionado às relações estabelecidas com o meio social.
O atual Plano Nacional de Educação (PNE) foi instituído pela Lei nº 13.005/2014 (Brasil, 2014) apresentando vinte metas a serem alcançadas pela educação brasileira, as quais versam sobre os níveis e modalidades de ensino e tendo, a princípio, vigência para dez anos. Assim, este plano encerraria sua vigência em 2024, sendo que as discussões acerca do PNE para o novo decênio (2024-2034) já vinham ocorrendo desde 2023. Mas, por meio da Lei nº 14.934/2024 (Brasil, 2024), houve a prorrogação da vigência do atual PNE até 31 de dezembro de 2025, quando o atual governo federal enviou, no dia 26 de junho de 2024, ao Congresso Nacional brasileiro o Projeto de Lei (PL) para a construção do novo PNE para o decênio 2024-2034.
De acordo com reportagem de Lima (2024), o PNE chegou em 2024 com apenas duas das suas vinte metas concluídas e mais uma meta que poderia ser concluída até o final de 2024, estando as demais dezessete metas com caminhos longos a serem percorridos até a sua efetivação. Nesse sentido, a meta 4 do atual PNE (2014 a 2025) tem como objetivo:
Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (Brasil, 2014, grifos nossos).
Esta meta prevê para a etapa obrigatória da Educação Infantil, que é a etapa pré-escolar, a universalização da matrícula e do acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) para as crianças com deficiência/necessidades educacionais especiais (NEE) de modo preferencial na rede regular de ensino. Dessa forma, essa matrícula pode acontecer tanto em turmas da rede regular de ensino, quanto em turmas e/ou escolas exclusivas da Educação Especial. Isso está em consonância com o exposto pela LDB nº 9394/1996, pela Constituição Federal (1988) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que tratam sobre o dever do Estado que o atendimento das crianças com deficiência/NEE seja realizado preferencialmente na rede regular de ensino, abrindo assim lacunas para que essas crianças sejam matriculadas em escolas e/ou classes segregadas.
Ainda na meta 4 do atual PNE, com vigência de 2014 a 2025, no subitem 4.2 a Educação Infantil na etapa creche é mencionada, tendo como objetivo: “[...] promover, no prazo de vigência deste PNE, a universalização do atendimento escolar à demanda manifesta pelas famílias de crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (Brasil, 2014). Nesse sentido, por se tratar de uma etapa educacional ainda de caráter facultativo no sentido do dever do Estado, o PNE estabelece então como meta o atendimento de todas as crianças com deficiência/NEE cujas famílias tenham interesse na matrícula.
No que concerne à redação do PNE que foi enviado para o Congresso Nacional, este apresenta 18 objetivos e 58 metas para a educação nacional. Dentre os objetivos divulgados, destacamos o objetivo 9, que propõe “[...] garantir o acesso, a oferta e a aprendizagem dos alunos da educação especial e bilíngue de surdos” (Redação NN, 2024) e o objetivo 2, que prevê “[...] garantir a qualidade da oferta de educação infantil” (Redação NN, 2024). Os dois objetivos se relacionam com a temática deste trabalho, incentivando a educação bilíngue da população surda, bem como a qualidade da oferta da Educação Infantil.
A relevância da universalização da Educação Infantil para alunos com deficiência/NEE se torna o ponto principal para o nosso debate, dado que não há como existir Educação Inclusiva, nem como garantir a qualidade e a aprendizagem de todas as crianças, sem que estas estejam matriculadas nas escolas.
Salientamos, no entanto, que de acordo com o Balanço do PNE (2024), a meta 4 do atual PNE não foi atingida e há uma lacuna no monitoramento dessa meta devido a falta de levantamento de dados. Nos dados disponibilizados em 2010, 82,5% da população de 4 a 17 anos com deficiência estava frequentando a escola; mas, esse levantamento não incluía nesse número a população com altas habilidades/superdotação e com transtornos globais do desenvolvimento (Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2024). Após esse dado de 2010, o Balanço do PNE (2024) destaca que não houve novamente um levantamento em nível nacional para o acompanhamento dos indicadores dessa meta.
Nesse sentido, compreendemos a importância do desenvolvimento nos primeiros anos de vida, “[...] porque a criança não nasce já com as características que definem o ser humano. Para que ela se constitua como homem, exige-se a intervenção dos seres humanos já constituídos como homens, especificamente dos adultos” (Saviani, 2020, p. 245). Nesse sentido, a Educação Infantil assume uma posição de destaque ao ser a etapa da Educação Básica que atende a criança em seus primeiros anos de vida, sendo um espaço para oportunizar as mediações e o acesso aos conteúdos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade e que são imprescindíveis para a humanização de todos os alunos.
Tendo em vista os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, ao tratarmos especificamente das crianças com deficiência/NEE na faixa etária da Educação Infantil, partimos do pressuposto vigotskiano de que “[...] a criança, cujo desenvolvimento foi complicado por um defeito, não é simplesmente menos desenvolvida que suas contemporâneas normais; é uma criança, porém, desenvolvida de outro modo.” (Vigotski, 2019, p. 31). Essa premissa demonstra que a Educação Infantil torna-se imprescindível para o desenvolvimento inicial da vida de todos os alunos, desde os três primeiros anos de vida dessas crianças.
Assim, reiteramos, de forma mais enfática, que o processo educativo de crianças com deficiência/NEE precisa considerar, de acordo com Vigotski (2019), que “[...] simultaneamente ao defeito, estão dadas também as tendências psicológicas de orientação oposta; estão dadas as possibilidades de compensação para superar o defeito” (p. 78) e, nessa perspectiva teórica que trata sobre a compensação do defeito ou deficiência, como preceitua Vigotski, o processo educativo precisa “[...] seguindo a linha das tendências naturais à supercompensação [...] não atenuar as dificuldades que surgem do defeito, mas tensionar todas as forças para sua compensação” (Vigotski, 2019, p. 78). Para tanto, faz-se necessária uma prática pedagógica consistente, intencional e planejada com vistas ao desenvolvimento do aluno e à compensação de sua deficiência/NEE na direção do desenvolvimento de suas máximas potencialidades, por intermédio do ensino.
Defendemos a importância da universalização da matrícula na Educação Infantil para todas as crianças, incluindo as crianças com deficiência/NEE, pois esse nível de ensino disponibilizará as mediações e as condições necessárias para que todos os alunos se desenvolvam cognitivamente e socialmente.
Palavras-chave: novo plano nacional de educação; meta 4; educação infantil inclusiva; educação especial.
REFERÊNCIAS
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