GOVERNAMENTALIDADE E AS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA

EFEITOS NA QUALIDADE DE VIDA DOS PROFESSORES

  • Douglas Branco de Camargo Universidade do Oeste de Santa Catarina

Resumo

Esta pesquisa em andamento investiga os efeitos das avaliações externas em larga escala na qualidade de vida (QV) dos professores da educação básica catarinense no período de 2007 a 2022. O objetivo é explorar e analisar as consequências dessas avaliações sobre a QV dos docentes, dada a crescente relevância dessas práticas no contexto educacional brasileiro.

Inserida no campo da produção do conhecimento científico, a pesquisa busca não apenas descrever os fenômenos observados, mas também compreender as implicações mais profundas das práticas avaliativas na vida dos professores. Conforme argumenta Gaston Bachelard (1996), a ciência avança ao questionar o senso comum e ao reformular constantemente seus objetos de estudo. Nesse sentido, esta investigação pretende questionar as premissas subjacentes às políticas de avaliação em larga escala, avaliando se tais práticas, em vez de promoverem a melhoria da qualidade educacional, acabam por impactar negativamente a QV dos docentes.

Além disso, a pesquisa alinha-se às reflexões de Boaventura de Sousa Santos (2006) sobre a sociologia das ausências e das emergências, enfatizando a necessidade de dar visibilidade a experiências e saberes habitualmente marginalizados. Busca-se ouvir um grupo frequentemente silenciado nas discussões sobre políticas educacionais: os professores. Também dialoga com Charlot (2000), que discute a relação entre o trabalho docente e o sentido do trabalho, indicando que a satisfação e a motivação dos professores estão vinculadas ao reconhecimento e às condições de trabalho. Igualmente, ao procurar as consequências das avaliações externas em larga escala, a pesquisa contribui para um debate mais amplo sobre a valorização do magistério e a constituição de um espaço educacional mais justo e equitativo.

A abordagem adotada nesta pesquisa é qualitativa, fundamentada na premissa de que ‘há uma relação dinâmica e indissociável entre o mundo real e o sujeito’, conforme argumenta Chizzotti (1995, p. 79). Na concepção de Denzin e Lincoln (2018), a pesquisa qualitativa distingue-se pela ênfase na compreensão das perspectivas dos participantes, na análise de processos sociais e na interpretação dos significados que eles atribuem às suas vivências.

Essa perspectiva considera a interdependência existente entre o sujeito e o objeto, reconhecendo que ambos se influenciam reciprocamente. Este movimento entre sujeito e objeto visa propiciar o exercício da crítica e a obtenção de um conhecimento crítico, com vistas à transformação da realidade anterior (Frigoto, 1997). A escolha pela abordagem qualitativa justifica-se pela necessidade de compreender os efeitos das avaliações externas em larga escala na QV dos professores, considerando tanto as dimensões objetivas quanto subjetivas dessa realidade.

Do ponto de vista epistemológico, a investigação utiliza como suporte teórico-metodológico a literatura pós-estruturalista, com aporte na perspectiva do pós-estruturalismo. Essa perspectiva é frequentemente conexa a um heterogêneo conjugado de pensadores, em meio aos quais se destacam Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Jean Baudrillard, Jean-François Lyotard, entre outros. De acordo com Michael Peters:

 

“O  pós-estruturalismo  deve  ser  visto  como  um  movimento que, sob a inspiração de Friedrich Nietzsche, Martin  Heidegger  e  outros,  buscou  descentrar  as  ‘estruturas’, a sistematicidade e a pretensão científica do  estruturalismo,  criticando  a  metafísica  que  lhe  estava  subjacente  e  estendendo-o  em  uma  série  de  diferentes  direções,  preservando,  ao  mesmo  tempo,  os  elementos  centrais  da  crítica  que  o  estruturalismo  fazia  ao  sujeito  humanista”  de análise do objeto. Essa abordagem é particularmente adequada para estudar a política pública como um processo dinâmico e contínuo, marcado pela negociação, contestação e luta entre diferentes grupos e projetos. (2001, p.10).

 

 

Adotando essa perspectiva, a pesquisa não se limita a descrever os fenômenos observados, mas busca compreender as forças sociais e históricas que moldam a realidade dos professores da educação básica catarinense.

Nesta investigação, são enfatizadas as abordagens teóricas pós-estruturalistas, considerando que o pós-estruturalismo – vertente teórica que estimulou e impulsionou a teoria pós-crítica na pedagogia – oferece contribuições teórico-metodológicas essenciais para conduzir uma investigação interrogativa. Essas correntes de pensamento auxiliam na desmistificação de concepções essencializadoras de sujeitos, orientando-se pela multiplicidade de perspectivas e interpretações, enriquecendo as discussões teóricas sobre a qualidade de vida (QV). Assim, esta pesquisa se aprofunda na abordagem pós-estruturalista, especialmente pelo período genealógico, segunda fase de Michel Foucault, com o entendimento de que os sujeitos se constituem na relação de forma contínua e ininterrupta.

Richard Harland (1987) cunhou o termo “superestruturalismo” para englobar diversas correntes teóricas, como estruturalistas, pós-estruturalistas e marxistas althusserianos, entre outras. Essas correntes, embora distintas, mantêm uma proximidade histórica e teórica com o estruturalismo, diferenciando-se apenas pelo contexto temporal e algumas nuances conceituais.

Outro autor de destaque é Michel Foucault (2013), por suas contribuições sobre saberes, poderes e a formação do sujeito moderno. Veiga-Neto (2007) enfatiza que Foucault revelou como práticas e saberes moldaram a modernidade e o sujeito moderno, especialmente através da escola, que articula poderes e sapiência pedagógica.

Ademais, Santos (2019, p. 20) expande essa discussão ao explorar como as tecnologias do eu, conforme discutidas por Foucault, são aplicadas no contexto educacional. Ele argumenta que “a escola não apenas ensina conteúdos acadêmicos, mas também atua como um espaço onde os indivíduos são submetidos a práticas disciplinares” que regulam comportamentos e moldam subjetividades de acordo com normas sociais e culturais predominantes.

Além disso, Silva (2020, p. 50) enfatiza que as análises de Foucault sobre o poder e o saber na escola têm implicações profundas para a compreensão das dinâmicas educacionais contemporâneas. Para ele, “a escola não é apenas um ambiente de aprendizagem, mas um campo onde se entrelaçam relações complexas de poder, conhecimento e subjetivação”.

O pós-estruturalismo, embora parta do estruturalismo, critica sua visão universalizante e binária. Ao contrário do estruturalismo, que se concentra em estruturas estáticas, o pós-estruturalismo questiona verdades absolutas e a lógica binária, focando na construção e interpretação ativa dos significados.

O estruturalismo, originado das teorias linguísticas de Saussure, foi expandido para outras ciências humanas e se tornou uma abordagem interdisciplinar dominante nas décadas de 1950 e 1960. Aplicado a fenômenos sociais, permitiu a análise das estruturas sociais e culturais de diversas sociedades.

Surgido como uma reação ao estruturalismo, o pós-estruturalismo ganhou destaque na França entre as décadas de 1960 e 1980, influenciado por Nietzsche, Freud e Marx. Esta corrente rejeita visões universalizantes e enfatiza a construção ativa dos significados, a multiplicidade de identidades e a crítica das estruturas de poder.

O pós-estruturalismo questiona a universalidade das “asserções de verdade” e a autonomia do sujeito humanista, propondo que as narrativas são instrumentos de poder. Critica a visão estruturalista de estruturas universais e se concentra na análise das relações de poder e saber, desconstruindo noções hegemônicas de identidade.

Uma das citações mais emblemáticas de Foucault (2013, p. 90) sobre poder e conhecimento pode ser encontrada em sua obra ‘Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão’, ao afirmar que “o poder não é uma instituição, e não é uma estrutura; não é certo poder que se detém; é o nome que se empresta a uma situação estratégica complexa numa sociedade dada”.

Conforme a teoria foucaultiana, o poder é uma convenção social constituída historicamente, manifestando-se em formas díspares, heterogêneas e em contínua transformação. Portanto, trata-se de uma relação assimétrica que estabelece a autoridade e a obediência, e não de um elemento preexistente em um subordinador. Trata-se de uma visão do poder que se irradia da periferia para o núcleo, de baixo para cima, exercendo-se permanentemente e dando sustentação à autoridade.

Um conceito chave no pensamento de Foucault é a governamentalidade, que ele define como “a maneira pela qual se conduz a conduta dos indivíduos ou dos grupos por meio de uma série de práticas que organizam, hierarquizam e dirigem suas ações” (Foucault, 2008, p. 186). A governamentalidade, portanto, refere-se não apenas ao governo no sentido político, mas também às muitas maneiras pelas quais os indivíduos são impelidos a se comportar de adequadas maneiras e atitudes.

Para o autor, a governamentalidade engloba as práticas e racionalidades pelas quais o poder é exercido na governança das populações. Foucault (1979) explora como, ao longo da história, emergiram diferentes formas de governar, que combinam técnicas de dominação com formas de subjetivação, moldando a conduta dos indivíduos de maneira a internalizar as normas e valores predominantes. Assim, a hegemonia se perpetua através da internalização de padrões de comportamento e pensamento que favorecem a manutenção do status quo.

Na educação, o pós-estruturalismo promoveu uma crítica às pedagogias tradicionais e enfatizou a função da linguagem na construção e constituição das realidades. A teoria pós-crítica, derivada do pós-estruturalismo, desafia a neutralidade das teorias pedagógicas e destaca a influência do poder nas práticas educacionais, propondo uma abordagem mais reflexiva e questionadora.

As teorias pós abordam temas como as relações de poder na educação, a artificialidade da produção de saberes e a construção das identidades e subjetividades. Estas discussões influenciam debates sobre gênero, raça, etnia, sexualidade e outras diferenças culturais e sociais.

Esta síntese destaca as principais ideias e contribuições dos movimentos estruturalista e pós-estruturalista, com ênfase nas críticas, influências e impactos dessas correntes teóricas, sobretudo na educação e na análise das relações entre o poder e o saber.

Para concluir, a análise das teorias estruturalistas e pós-estruturalistas, especialmente através das contribuições de Michel Foucault, evidencia a complexidade das relações de poder e saber que permeiam as práticas educacionais. A governamentalidade, como conceito central, ilumina a maneira pela qual o poder é exercido de forma sutil e contínua, moldando comportamentos e subjetividades. Essa perspectiva crítica permite uma compreensão mais profunda das dinâmicas educacionais, desafiando as concepções tradicionais e promovendo uma reflexão sobre a influência das estruturas de poder na formação dos indivíduos.

Dessa forma, ao considerar as contribuições teóricas discutidas, torna-se evidente a necessidade de uma abordagem educacional que reconheça e questione as práticas de poder subjacentes das Avaliações em Larga Escala, em especial na QV dos professores. A teoria pós-crítica, derivada do pós-estruturalismo, oferece um caminho para essa reflexão, incentivando uma pedagogia que valorize a multiplicidade de perspectivas e a construção ativa dos significados. Assim, a educação pode se transformar em um espaço de emancipação e transformação, onde as relações de poder são constantemente interrogadas e reconfiguradas em prol de uma sociedade mais justa e equitativa.

 

Palavras-chave: Avaliações Externas Em Larga Escala; Qualidade De Vida Dos Professores; Pós-Estruturalismo; Michel Foucault; Governamentalidade;

Publicado
03-10-2024
Seção
Políticas Educacionais Políticas Curriculares