FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESORES NO CONTEXTO DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (2014-2024)
Resumo
Busca-se, no presente trabalho, apresentar aspectos que envolvem a elaboração da Resolução CNE/CP N.º 1, de 27 de Outubro de 2020, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada), e o cumprimento da meta 16 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), que objetiva a formação em nível de pós-graduação de 50% dos professores da educação básica e a garantia de formação continuada para os profissionais da educação em sua área de atuação (Brasil, 2014).
Os procedimentos metodológicos estão fundamentados na pesquisa documental e bibliográfica, com abordagem qualitativa. Enquanto documentos primários destacamos a Resolução CNE/CP Nº 1/2020, também chamada BNC-Formação Continuada, e a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que estabelece o PNE 2014-2024. Na revisão bibliográfica, parte-se da base em dados e categorias decorrentes de trabalhos registrados anteriormente por outros autores (Severino, 2007), como a formação continuada de professores e aspectos do trabalho docente.
A partir do anos 1990 com o avanço neoliberal, as reformas ocorridas no aparelho estatal brasileiro e a reestruturação produtiva do trabalho, assim como os ciclos de crise instaurados nas esferas econômicas e financeiras, compõem mais intensamente o campo de disputa do qual também fazem parte interesses de mercado e instituições representantes da iniciativa privada que desejam negociar sua participação em prol do discurso pelo desenvolvimento do país.
Nesse contexto, as demandas estabelecidas por uma agenda de nível mundial defendida por Organismos Internacionais (OIs), como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), representantes do capitalismo central na articulação e fortalecimento de seus interesses econômicos na promoção das reformas educacionais, articulam a orientação de políticas de formação docente e fornecem condições para a manutenção do consenso em prol da ‘qualidade’ da educação. No mesmo sentido,
A lógica neoliberal assegura que a sociedade, os professores, são culpados pelos problemas da educação e essa ideia é infiltrada na mente desses sujeitos, a ponto de a adotarem como verdade. Desse modo, os professores têm sido conduzidos à frustação, diante do controle e precarização a que têm sido submetidos (Nogueira e Borges, 2021, p. 13)
A construção e aprovação do texto da Resolução CNE/CP Nº 1/2020, permeada por embates teórico e metodológicos, se efetiva por meio de intencionalidades e do estabelecimento de medidas capazes de regular e condicionar o docente, já com formação inicial encaminhada nos mesmos moldes, no trabalhador flexível adequado para o atendimento das necessidades que envolvem a formação humana e as esferas da produção do capital.
A formação continuada para os professores da educação básica, de acordo com a BNC-Formação Continuada, é
[...] entendida como componente essencial da sua profissionalização, na condição de agentes formativos de conhecimentos e culturas, bem como orientadores de seus educandos nas trilhas da aprendizagem, para a constituição de competências, visando o complexo desempenho da sua prática social e da qualificação para o trabalho (Brasil, 2020, p. 2).
Alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a concepção de formação apresentada enfatiza a prática educativa voltada para saberes práticos, que objetivam resultados e metas, ao passo que expropriam a condição intelectual no desenvolvimento do trabalho docente (Sandri; Gonçalves; Deitos, 2024).
Na definição das atuais diretrizes que orientam a formação continuada de professores da educação básica, tem-se observado a determinação de mecanismos de controle voltados para a materialização de resultados, responsabilizando os sujeitos pelo impulsionamento técnico da qualidade da educação, com a definição da lógica mercadológica enquanto parâmetro de eficiência. Segundo Shiroma e Evangelista (2011, p. 144),
A política educacional de resultados toma os “resultados” isoladamente, descolados da realidade que os produziram, sendo apresentados como fetiche. São percentuais, médias, índices, indicadores tomados “em si”. Não se discutem as condições objetivas de produção desses resultados, pois é da essência das estratégias dos reformadores velar a materialidade, produzindo sobre ela informações “científicas”, por métodos “científicos” que, envoltos em números, parecem corresponder à objetividade e explicá-la.
A organização dessas políticas, sob o aspecto gerencial, evidencia as disputas entre classes e as ações que visam a instituição de um projeto societário hegemônico, de valorização do mercado e do processo de acumulação do capital. Nesse sentido, pode-se afirmar que,
[...] se ainda estamos vivendo as estratégias neoliberais na formação continuada, elas apenas refletem o grau de seriedade e compromisso com a qualidade da educação de nossos dirigentes, inclusive, parece bastante confortável que se inverta a responsabilização pela qualidade da educação e pela qualificação dos professores, de um dever do Estado e de instituições públicas na condição de contratantes e direitos dos docentes, para se priorizar a responsabilização individual pela formação em serviço, criando mais um dever aos professores, ao mesmo tempo em que se desvaloriza gradativamente a sua função social no nosso contexto social (Magalhães, 2019, p. 191 – 192).
No que cabe a definição da BNC-Formação Continuada, é possível afirmar que “[...] nenhum documento curricular possui pureza epistemológica ou está ausente de processos de lutas e múltiplas colagens; ele é interdiscursivo e intertextual” (Albino e Silva, 2019, p. 141).
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado por meio da Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014, com vigência inicial prevista em 10 anos, estabeleceu um conjunto de 10 diretrizes e 20 metas que abrangem diferente áreas da educação no Brasil. Com a aproximação do fim desse período e encaminhamentos de um novo documento em tramitação, a Lei Nº 14.934, de 25 de julho de 2024, prorrogou até 31 de dezembro de 2025 a vigência do atual PNE (Brasil, 2024a), com ciência do não cumprimento da maior parte das metas apresentadas.
A meta 16 do PNE, na articulação das estratégias 16.1 e 16.2, enfatiza um regime de colaboração ao realizar “[...] o planejamento estratégico para dimensionamento da demanda por formação continuada e fomentar a respectiva oferta por parte das instituições públicas de educação superior [...]” (Brasil, 2014, n.p.) e propõe a consolidação de uma “[...] política nacional de formação de professores e professoras da educação básica, definindo diretrizes nacionais, áreas prioritárias, instituições formadoras e processos de certificação das atividades formativas” (Brasil, 2014, n. p.).
De acordo com o Relatório do 5º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação (PNE), o “[...] percentual de professores com titulação em nível de pós-graduação aumentou, no período de 2013 a 2023, de 30,2% para 48,1%, sem ter alcançado a meta de 50%” (Brasil, 2024b, p. 369), crescimento que se deve, em particular, ao percentual de professores que obtiveram titulação em nível de especialização. Conforme apontado no relatório, no ano de 2023 “[...] 43,7% dos docentes na educação básica possuíam o nível de especialização, 3,3%, de mestrado e 1,0%, de doutorado” (Brasil, 2024b, p. 369).
Magalhães (2019, p. 197), no entanto, aponta para a existência de
[...] aspectos asfixiantes no PNE: o primeiro diz respeito à questão da carreira, do piso salarial, da jornada de trabalho; a segunda diz respeito ao lócus da formação docente, pois não indica a necessidade de se criarem condições para que seja feita nas universidades públicas, fortalecendo a ideologia do ensino privado, de caráter mercantil.
A relação estabelecida entre o PNE e os entes federados para o cumprimento de suas metas, deve se articular com as diferentes realidades regionais e superar as disputas políticas que se sobressaem no estabelecimento do diálogo. Quanto ao objetivo de realizar a formação docente em nível de pós-graduação, no entanto, é
[..] significativo número de docentes que atuam na educação básica e que muitas vezes não conseguem ingressar em cursos de pós-graduação no Brasil, seja por falta de oportunidades, seja por falta de apoio institucional ou até mesmo pela oferta de cursos dessa modalidade em número suficiente capaz de atender a esse tipo de demanda (Costa; Silva; Junior, 2021, p. 13-14)
A luta pela formação docente, inserida no contexto de crise da educação brasileira parte de uma problemática ampla, que expressa condições econômicas políticas e sociais de uma sociedade marcada por relações desiguais (Freitas, 2002). O crescimento da inserção do setor privado e de suas instituições representativas estruturam um projeto formativo para determinado tipo de indivíduo.
A definição de políticas, assim como diretrizes, para formação inicial e continuada de professores, no cumprimento dos objetivos do mercado para a formação de capital humano, esvazia a prática docente e o afasta de seu caráter de classe. Com a responsabilização dos sujeitos pela produção dos resultados almejados e como este definem a qualidade educacional, focaliza o currículo a ser cumprido nunca abordando as diferentes condições diversificadas encontradas nos espaços escolares.