SER PROFESSOR

O PAPEL DESTA PROFISSÃO À FORMAÇÃO HUMANA

  • Naira Tamioso Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó
  • Adriana Richit Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

Resumo

O tema em pauta é oriundo da pesquisa em desenvolvimento no âmbito do programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Chapecó e possui apoio/financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O fragmento dessa pesquisa em curso, apresenta-se neste resumo expandido a seguinte indagação: qual é o papel que marca o ser professor? Assim, o que se propõe é a problematização acerca do trabalho do professor assentado nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural em aportes principais da Escola de Vigotski. A escolha dessa abordagem decorreu da proximidade que a referida Escola tem no cotidiano escolar, bem como sua forte importância nos concernentes compromissos com a formação humana.

Para tanto, apresenta-se neste ensaio uma discussão teórica atenta ao problema erguido. E, para dar guarida a busca em destaque, tem-se como objetivo geral: Compreender qual é o papel que marca o ser professor. E como objetivos específicos: 1) Identificar os princípios da THC que versam sobre o trabalho como atividade; 2) Identificar o movimento do ensino e o desenvolvimento humano. Por conseguinte, traçamos as seguintes questões de pesquisa: 1) Quais princípios da THC versam sobre o trabalho como atividade? 2) Qual o movimento do ensino e o desenvolvimento humano? Disso decorre este pesquisa.

Tendo em vista a metodologia como um caminho cognitivo do pensamento para apreender o objeto, tem-se em sua composição: a concepção teórico-metodológica basilar. Assim, esta tem caráter materialista histórico-dialético. De filiação no materialismo, concebe primeiro a matéria, em que a realidade cria sujeitos capazes de ter ideias e a própria realidade cria o pensamento. À vista disso, “[...] o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de vida no seu conjunto.” (Simionado; Soares, 2014, p. 29).

Desse modo, não é suficiente apenas descrever um fenômeno com base em sua aparência; é necessário entendê-lo e compreendê-lo profundamente. Isso requer estudar o objeto em seu desenvolvimento, revelando sua origem e criando uma síntese sobre ele, explicando-o na sua historicidade. As discussões dar-se-ão pela mediação teórica, que tem como ordem sequencial: iniciar pelo concreto empírico, realizar a abstração (por meio da mediação), passar ao concreto pensado, e realizar a reconstrução da realidade no pensamento (Simionado; Soares, 2014). Assim, a pesquisa na perspectiva materialista (Neto, 2011) vê o mundo do ponto de vista da materialidade das relações sociais.

Comporão a base teórica os estudos de Leontiev (1978) para pensar o trabalho como atividade criadora e o desenvolvimento humano, Newton Duarte (2023) e Marilda Facci (2011) para problematizar o esvaziamento do trabalho do professor; e Saviani (2007) para pensar a complexidade do ensino e os saberes docentes que vão ao encontro da perspectiva teórico-epistemológica abordada neste estudo.

O que difere o psiquismo animal e o psiquismo humano é a categoria trabalho, proveniente nas bases marxistas e vigotskianas. Na Teoria da Atividade (Leontiev, 1978), é elucidado o papel da atividade como antecessora da ação, em que o objeto dessa atividade advém de uma necessidade, de um motivo. Trata-se de uma orientação psíquica da atividade, guiada por um sentido, por uma finalidade. É essa consciência do fim da ação que opera a especificidade humana. Denominada pré-ideação como sendo a capacidade de antecipar, planejar, é típico da consciência humana. Consciência, essa, como sendo o reflexo refratado da realidade, o reflexo subjetivo. (Leontiev, 1978).

Na perspectiva dessa vertente teórica, cada indivíduo aprende e desenvolve aptidões humanas em que a atividade é dirigida por motivo, a ação é orientada por objetivos, e a operação é regulada por condições. Assim, o homem tendo questões de ordem biológica, é socialmente constituído ao mesmo tempo em que constrói a si mesmo conscientemente, por sua ação na realidade. Advindo dessas mudanças, desenvolvem-se as Funções Psicológicas Superiores (tipicamente humana) em um processo relacional estabelecido com o contexto social. Trata-se, portanto, da natureza sócio-histórica do psiquismo humano. (Leontiev, 1978).

O trabalho possui um papel no desenvolvimento psíquico humano, que é o próprio desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores de Pensamento. Trata-se de um ato criador para suprir a necessidade da espécie (valor ontológico da espécie), e ato pelo qual nós provocamos mudanças concomitantemente em que uma mudança também nos é provocada. Neste contexto é possível elucidar que o ser humano não é determinado, e que o desenvolvimento educacional por exemplo, altera o psiquismo. Neste ato por ele realizado, há a capacidade de gerar tecnologias, incluindo as laborais com pedra até os aparelhos tecnológicos mais sofisticados. E, neste ato que é criador, criam-se ferramentas para a mediação. (Leontiev, 1978).

É importante salientar que no aspecto explicitado, encontram-se uma noção fundante: os instrumentos como meio de ação e como objeto social. Em decorrência da impossibilidade relacional direta entre objeto e mundo, essa relação vem a ocorrer por meio de instrumentos (mediada) os quais podem ser fabricados ou já existentes. Entretanto o que difere essa atividade é a forma como nós, gênero humano, utilizamo-nos deles. Além dos instrumentos, os signos formam também a consciência tanto pela forma simbólica quanto pela forma internalizada. (Leontiev, 1978).

Assim, a atividade humana é sempre mediada culturalmente. Para tanto, o trabalho é social: nós produzimos no gênero humano tudo aquilo que produzimos nas relações sociais e culturais. E, dentro do gênero, temos as Funções Psicológicas Superiores de Pensamento (generalização, abstração, percepção, criação, imaginação, projeção), produto das relações de troca, que ocorre por meio da linguagem. A própria educação é esse trabalho, que é social, que exige planejamento, intencionalidade, projeção e que, ao se propor a criar (através do pensamento complexo, da fala e da linguagem), desenvolve o humano (hominização). (Leontiev, 1978).

No saber professoral, a atividade é o trabalho criador. Nas contribuições da Teoria da Atividade, Leontiev (1978) que foi um dos autores da primeira geração da Escola de Vigotski, descreve a estrutura (apesar da etimologia remeter, não é fixa) da atividade, contendo motivo, ações, operações. Não é fixa pois no percurso do desenvolvimento vai ocorrendo mudanças. E, a consciência como sendo aquela que movimenta essa atividade, tem uma intencionalidade. O ensino nesta perspectiva tem sentido quando cria condições para o desenvolvimento.

O esvaziamento do trabalho do professor é um fenômeno complexo e multifacetado que tem preocupado estudiosos da educação. Newton Duarte (2023), ao estudar sobre a função social da escola diante da socialização do conhecimento objetivo, destaca que esse processo ocorre à medida que as tarefas do professor são fragmentadas e descontextualizadas, também esvaziadas de elaborações conceituais e que não mobilizam no estudante o desenvolvimento (Duarte, 2023). Essa fragmentação afeta negativamente sua identidade profissional e seu trabalho enquanto criador de ferramentas para o desenvolvimento psíquico. Desprovido de elaborações conceituais, o processo educacional resulta na não mobilização do desenvolvimento dos alunos.

Duarte (2023) também destaca que essa fragmentação prejudica a identidade profissional dos professores. Quando as funções são reduzidas a tarefas isoladas e técnicas, os professores a criatividade (trabalho criador, visto em Leontiev nos tópicos anteriores) inexiste. Aqui encontra-se a discussão nuclear deste ensaio. O resultado é uma desvalorização da função docente e uma limitação da capacidade do professor de afetar de forma positiva o desenvolvimento dos alunos.

Nesse sentido, Marilda Facci (2011) contribui com seus estudos acerca desse esvaziamento, se contrapondo a teoria do “aprender-a-aprender”, em que essas teorias colocam uma ênfase excessiva na responsabilidade individual do aluno pelo seu aprendizado, desconsiderando os contextos sociais, econômicos e institucionais que moldam as condições de ensino e aprendizagem. Para a autora, essa teoria falha em reconhecer que o aprendizado é profundamente afetado por fatores contextuais, e que a responsabilidade pelo aprendizado não pode ser atribuída exclusivamente ao aluno sem considerar o papel fundamental do ambiente educativo e das práticas pedagógicas.

As contribuições abordadas por Facci (2011) fazem-se relevantes para a discussão sobre o esvaziamento do trabalho docente, pois destaca como a referida perspectiva teórica que ocasiona um deslocamento acarreta marginalização do papel do professor. Se a responsabilidade pelo aprendizado é colocada predominantemente nas mãos dos alunos, o papel do professor se reduz a um mero facilitador, desconsiderando a importância de uma abordagem pedagógica que considere o desenvolvimento humano.

À vista disso, o esvaziamento do trabalho do professor é um fenômeno que afeta tanto a prática pedagógica como a identidade profissional. A fragmentação das tarefas e a ênfase excessiva na responsabilidade individual dos alunos podem desvalorizar o papel do professor e limitar sua capacidade de oferecer uma educação capaz de desenvolver o humano. Um trabalho complexo e repleto de desafios no contexto atual.

Em consonância com o explicitado, é possível buscar em Saviani (2007) os saberes docentes para pensar o trabalho professoral, sendo constituídos por um conjunto complexo e inter-relacionado de conhecimentos que os professores utilizam em sua prática, de modo a analisar a formação dos professores e as dimensões do conhecimento necessário o exercício docente (Richit, 2021). Ao apresentar uma abordagem multifacetada da prática pedagógica, o autor nos convida a pensarmos a complexidade dessa profissão.

No que tange ao conhecimento disciplinar, Saviani (2007) evidencia a importância de saber do conteúdo específico da disciplina, sendo a base sobre a qual o ensino é construído. No entanto, ele destaca que apenas esse conhecimento não é suficiente para uma prática docente eficaz. Assim, ele destaca também os saberes pedagógicos, que versam a didática e a metodologia. Esse saber, por sua vez, inclui o conhecimento sobre métodos e técnicas de ensino, planejamento de aulas, estratégias de avaliação e gestão da sala de aula.

Além desses, Saviani (2007) traz nesta abordagem as práticas de ensino como sendo os saberes relacionados à aplicação prática do conhecimento pedagógico em situações reais de ensino. Isso envolve a capacidade de adaptar o ensino às necessidades dos alunos e ao contexto escolar. Não obstante, também situa os saberes relacionais em dois âmbitos: com os alunos: envolvendo a interação no ambiente de aprendizagem; e com a comunidade escolar: envolvendo o conhecimento sobre o contexto socioeconômico e cultural dos alunos e à capacidade de envolver a comunidade escolar no processo educativo. Assim, busca-se entender o contexto social e cultural para adaptar as práticas pedagógicas e atender às necessidades específicas.

Por fim, Saviani (2007) destaca os saberes críticos e reflexivos que incluem a capacidade do professor de refletir criticamente sobre suas práticas, enfatizando a importância desse saber para o desenvolvimento profissional e para as mudanças e desafios educacionais. Desse modo, o autor explora aspectos da formação docente e dos saberes necessários para a prática pedagógica, proporcionando olharmos não só para a profissão como também para a formação dos professores.

Contido, nesta busca vem se trazendo em tela as discussões que versam o papel que marca a existência do professor, objetivando compreender qual é esse papel. As contribuições advindas desse estudo evidenciam o trabalho docente como uma atividade essencial para o desenvolvimento. Cria-se condições para que os alunos se apropriem dos conhecimentos e desenvolvam as Funções Psicológicas Superiores de modo a contribui para a formação de processos psíquicos mais complexos. Entretanto, o desenvolvimento cognitivo não ocorre de forma isolada, mas em interação com o ambiente e com as práticas pedagógicas dos professores. Estudos futuros poderão aprofundar esses conceitos e trazer discussões acerca da formação docente.

À guisa de conclusão, o ser professor está em seu papel à formação humana, oferecendo acesso ao conhecimento historicamente elaborado, para compreender, analisar e interagir com o mundo. A apropriação teórica implica em uma compreensão profunda e crítica dos princípios e teorias que fundamentam diversas áreas do conhecimento. Ao proporcionar aos alunos a oportunidade de se apropriarem teoricamente de conteúdos, o professor contribui para o desenvolvimento de atividades psíquicas superiores, como a capacidade de análise, síntese e avaliação crítica. Isso implica no desenvolvimento humano.

Publicado
03-10-2024
Seção
Trabalho Docente e Formação de Professores