EDUCAÇÃO ESPECIAL E TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
Resumo
EDUCAÇÃO ESPECIAL E TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
Gilmar Ferreira dos Anjos[1]
Andréia Alves Berto de Moura[2]
André Luís de Souza Lima[3]
Eixo temático: Processos de pesquisa em educação
A pesquisa científica desempenha um papel crucial no avanço do conhecimento, especialmente em áreas desafiadoras como a educação especial. A teoria histórico-cultural, desenvolvida por Vygotsky, enfatiza o papel do ambiente social no desenvolvimento cognitivo, e sua aplicação na educação especial oferece uma perspectiva rica para a inclusão escolar. Este resumo expandido explora a interseção entre a teoria histórico-cultural e a educação especial, a partir de uma análise de publicações acadêmicas, destacando tendências, lacunas e relevâncias identificadas.
A Educação Especial refere-se a uma modalidade educacional que visa atender às necessidades específicas de alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, garantindo-lhes acesso à educação e promovendo seu desenvolvimento integral.
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais." - LDB nº 9.394/96
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB/96), a Educação Especial foi oficialmente reconhecida como uma modalidade de ensino que se estende por diversos níveis, etapas e modalidades educacionais. Segundo a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, essa modalidade é responsável por fornecer atendimento educacional especializado, disponibilizar os serviços e recursos específicos necessários, além de oferecer orientações sobre o uso desses recursos nas salas de aula do ensino regular (BRASIL, 2008, p. 19).
Neste contexto, essa modalidade visa contribuir para o desenvolvimento humano desse sujeito com necessidades educacionais por meio de abordagens que proporcione igualdade e equidade no ambiente escolar. Assim, cabe destacar a importância da interação social, da mediação e da valorização das potencialidades de cada indivíduo por meio da educação especial baseada na teoria histórico-cultural.
A teoria histórico-cultural, desenvolvida por Lev Vygotsky, é uma abordagem psicológica que atribui fundamental importância ao contexto cultural e às interações sociais no desenvolvimento humano e na construção do conhecimento. O conceito central desta teoria é que a cognição humana se desenvolve por meio da interação com o ambiente social e cultural, e não é apenas um produto das capacidades inatas do indivíduo.
A teoria histórico-cultural supera a concepção de que a criança traz, ao nascer, o conjunto de aptidões e capacidades - que vai apresentar quando adulta - dadas como potencialidades ela vai desenvolver mais ou desenvolver menos à que medida que cresce e de acordo com o meio em que vive, mas sempre dentro do conjunto de possibilidades que tem no nascimento. Para a teoria histórico-cultural, a criança nasce com uma única potencialidade, a potencialidade para aprender potencialidades; com uma única aptidão, a aptidão para aprender aptidões; com uma única capacidade, a capacidade ilimitada de aprender e, nesse processo, desenvolver sua inteligência - que se constitui mediante a linguagem oral, a atenção, a memória, o pensamento, o controle da própria conduta, alinhe sua personalidade a auto-linguagem escrita, o desenho, o cálculo estima, os valores morais e éticos, a afetividade. Em outras palavras, o ser humano não nasce humano, mas aprende a ser humano com as outras pessoas, com as gerações adultas e com as crianças mais velhas -, com as situações que vive, no momento histórico em que vive e com a cultura a que tem acesso. O ser humano é, pois, um ser histórico-cultural. As habilidades, capacidades e aptidões humanas criadas e necessárias à vida eram umas na Pré-História, outras na Idade Média, outras ainda no início da Revolução Industrial e são outras neste momento da nossa história. (Carrara, 2004, p.136)
No Brasil, a teoria histórico-cultural, frequentemente referida como Escola de Vygotsky, emergiu como uma vertente influente da psicologia nas primeiras décadas do século XX. Os estudiosos dessa corrente sustentavam que, ao contrário dos animais, que são regidos por instintos, os humanos são definidos por sua capacidade de formar inteligência, personalidade e consciência através da interação social e cultural. Como ressalta Carrara (2004), a teoria se baseia na ideia de que, enquanto os humanos compartilham aspectos biológicos com outras espécies, sua cognição, comportamento e identidade são formados por processos sociais e culturais que os tornam únicos.
Essa perspectiva sublinha que a inteligência, a personalidade e a consciência são produtos da experiência social e cultural. Em vez de ver a criança como alguém que nasce com um conjunto fixo de aptidões, a teoria histórico-cultural propõe que o ser humano nasce com a potencialidade para aprender e desenvolver habilidades ao longo da vida. A capacidade para aprender e se desenvolver é ilimitada e está intrinsecamente ligada às interações sociais e à exposição cultural.
Vygotsky introduziu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que descreve a diferença entre o que um aprendiz pode fazer de forma independente e o que pode realizar com assistência. Esse conceito é fundamental na prática educativa, pois sugere que o ensino deve focar nas capacidades em desenvolvimento dos alunos, oferecendo suporte para que eles possam alcançar tarefas mais complexas com a ajuda de adultos ou colegas mais experientes (Vygotsky, 2007).
No contexto da Educação Especial, a teoria histórico-cultural oferece uma base sólida para práticas pedagógicas inclusivas. Vygotsky argumenta que o desenvolvimento cognitivo e social é profundamente influenciado por interações sociais e mediação cultural, o que enfatiza a importância de um ambiente educacional que promova a participação ativa e a interação social (Vygotsky, 2007). Para estudantes com necessidades educacionais especiais, a teoria sugere que a aprendizagem e o desenvolvimento são facilitados por práticas que reconhecem e valorizam suas necessidades individuais, adaptando o ensino às suas capacidades emergentes.
Marshall (1967) e Faleiros (2006) discutem a desigualdade social e suas implicações para a educação. A desigualdade é uma característica inerente de muitas sociedades e afeta a forma como os recursos educacionais são distribuídos. Faleiros destaca que a desigualdade é uma condição do capitalismo e se manifesta em várias formas, incluindo a concentração de poder e recursos. A teoria histórico-cultural é relevante para a inclusão porque reconhece que a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem por meio de processos sociais que devem ser adaptados para promover a equidade (BRASIL, 2009).
No cenário educacional contemporâneo, a busca por abordagens eficazes para a educação especial é incessante. A teoria histórico-cultural de Vygotsky destaca que a aprendizagem é potencializada por interações sociais. Vygotsky (2005) defendia que a educação inclusiva é essencial, promovendo a convivência de alunos com e sem deficiências em ambientes escolares regulares.
Este estudo visa mapear a importância da teoria histórico-cultural na educação especial, analisando as publicações recentes sobre o tema. A pesquisa abrange dissertações e teses disponíveis na CAPES e na BDTD, com foco no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2023. Este intervalo é suficientemente recente para refletir as tendências atuais e o interesse dos pesquisadores na área.
Os critérios de filtragem incluíram ano de publicação, tipo de documento, assunto, área de conhecimento e idioma, com ênfase nos termos "educação especial", "teoria histórico-cultural", "Vygotsky" e "Escola de Vygotsky". A análise buscou identificar os objetos de estudo e a relevância da teoria histórico-cultural na prática da educação especial, bem como mapear as áreas mais e menos exploradas.
Assim, foram investigadas dissertações e teses na CAPES e na BDTD, focando na interseção entre educação especial e teoria histórico-cultural. O objetivo foi identificar quais tópicos têm maior relevância e mapear áreas exploradas e negligenciadas na pesquisa atual. Foram encontradas 30 publicações pertinentes: 11 na CAPES e 19 na BDTD, distribuídas entre 11 teses e 19 dissertações. Os dados foram apresentados em gráficos para melhor visualização.
Observou-se um aumento no número de pesquisas combinando teoria histórico-cultural e educação especial. Contudo, o período pandêmico pode ter influenciado a diminuição das pesquisas, devido a fatores como isolamento social e questões logísticas (Elsevier-Bori, 2023).
A distribuição dos temas de pesquisa revelou:
Práticas pedagógicas: 04
Atendimento Educacional Especializado: 04
Instrumentos de avaliação: 02
Deficiências específicas: 17
Políticas públicas da Educação Especial: 03
A maioria das pesquisas foca em deficiências específicas, como deficiência intelectual e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Dados do Censo Escolar 2023 indicam que 53,7% das matrículas em educação especial são de alunos com deficiência intelectual e 35,9% com TEA (INEP, 2024). As pesquisas também abordam práticas pedagógicas e atendimento especializado, mas há uma lacuna na pesquisa sobre o papel dos profissionais de apoio.
Em termos de localização, o Paraná e São Paulo lideram com 9 publicações cada, seguidos por Rio de Janeiro com 6, Goiás com 3, e Pará, Paraíba e Bahia com 1 cada. Essa variação regional pode refletir a taxa de inclusão na educação infantil, que varia de 100% em alguns estados a 78% no Paraná (INEP, 2024).
O aumento nas matrículas de estudantes da educação especial em classes comuns, de 94,2% em 2022 para 95% em 2023, sublinha a importância de pesquisas científicas para aprimorar práticas inclusivas e fornecer ferramentas para educadores.
A ciência, com sua capacidade de oferecer respostas verificáveis e fundamentadas, é essencial para aprimorar práticas pedagógicas e criar ambientes inclusivos. Vygotsky destacou a importância da educação social para desenvolver as potencialidades das crianças com deficiência, e a pesquisa científica continua a fortalecer esse conhecimento, contribuindo para a melhoria contínua da educação especial (Ruppel, Hansel, Ribeiro, 2021).
A pesquisa científica é fundamental para o avanço da prática pedagógica, proporcionando um embasamento sólido para a criação de ambientes educacionais mais inclusivos e eficazes. No entanto, foi observada uma queda na produção acadêmica durante o período pandêmico, possivelmente devido às restrições impostas pela pandemia de COVID-19.
Os dados levantados indicam que, embora haja um crescente interesse na aplicação da teoria histórico-cultural à educação especial, ainda existem áreas subexploradas. O foco predominante em deficiências específicas reflete as demandas atuais das escolas, mas há uma necessidade urgente de ampliar as pesquisas para incluir outros aspectos importantes, como o papel dos profissionais de apoio.
Esses profissionais, muitas vezes denominados de diferentes formas (como auxiliares de ensino ou segundos professores), desempenham um papel crucial na inclusão escolar, mas são pouco abordados na literatura acadêmica. A falta de estudos sobre esse grupo reflete uma lacuna significativa na pesquisa, o que pode impactar a qualidade da educação inclusiva.
Além disso, a distribuição desigual das pesquisas entre os estados aponta para a necessidade de políticas públicas que incentivem a produção acadêmica em regiões com menor número de publicações.
Por fim, os estudos demonstram que, embora tenha havido progresso significativo, ainda há muito a ser feito para garantir que todos os estudantes, independentemente de suas capacidades, tenham acesso a uma educação inclusiva e de qualidade.
Palavras-chave: Teoria Histórico-Cultural. Educação Inclusiva. Deficiências Específicas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 30 de março de 2007. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008; e Decreto Executivo nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica 2023: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep, 2024.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833.
CAPES. Portal de Periódicos CAPES. disponível em:https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em julho de 2024.
CARRARA, Kester. Introdução à psicologia da educação: seis abordagens. Avercamp, 2004. São Paulo. p.135
Censo da Educação Básica 2023: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep, 2024.
ELSEVIER-BORI. 2022: um ano de queda na produção científica para 23 países, inclusive o Brasil. Relatório técnico. Disponível em: https://abori.com.br/publicacoes/. Acesso em: 26 jun. 2024.
FALEIROS, Vicente de Paula. Inclusão social e cidadania. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL, 32., 2006, Brasília, DF. Anais...Brasília, DF, 2006. p. 1-15. Disponível em: <http://www.icsw.org/globalconferences/Brazil2006/papers/vicente_faleiros.pdf>. Acesso em: junho de 2024
MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes,2007
VYGOTSKY, L.S. Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar. In: LEONTIEV, A.N.et al.(org) Psicologia e pedagogia. Bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. Tradução: Rubens Eduardo Frias. São Paulo: centauro, 2005
CRISTIANE; RUPPEL, Ana Flavia; HANSEL, Lucimare; RIBEIRO. Vygotsky e a defectologia: contribuições para a educação dos estudantes com deficiência nos dias atuais. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/dialogoseperspectivas/article/view/10599. Acesso em: junho de 2024.
[1]Mestrando em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. E-mail: giltecnologia@gmail.com.
[2] Mestranda em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. E-mail: berto.andreia@gmail.com
[3] Doutor e mestre em Educação. Licenciado em Filosofia. Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Email:andrelslima82@gmail.com.