CONVIVÊNCIA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL

UM ESTUDO DE CASO SOBRE O BULLYING

  • Gabriela Maria Susin Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC).
  • Mônica Tessaro Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC).

Resumo

Compreendemos o fenômeno bullying como uma manifestação de violência que afeta os aspectos cognitivos e emocionais das crianças e, em consequência, prejudica as relações de convivência interpessoal na escolar, pois, refere-se uma ação de violência envolvendo aspectos físicos e psicológicos, de natureza intencional e repetitiva, sem aparente motivação. É praticado de forma individual ou coletiva, com o objetivo de intimidar e até mesmo agredir, causando dor, sofrimento e angústia às vítimas, em uma relação desequilibrada de poder entre os envolvidos (Brasil, 2015).

 Em razão das particularidades desta problemática, surge a necessidade da construção de práticas capazes de minimizar seus impactos. Uma das estratégias consideradas nesta pesquisa é a promoção da convivência escolar por meio da inserção do psicólogo escolar auxiliando na mediação e prevenção do bullying. Sob essa perspectiva com a finalidade de contribuir com o aprimoramento dos conhecimentos associados a importância da promoção da convivência escolar como uma ação de prevenção do fenômeno bullying, este estudo objetivou analisar os impactos de uma intervenção sobre a promoção da convivência escolar entre os alunos matriculados no 5º ano do Ensino Fundamental (EF) de uma escola pública, localizada no meio-oeste catarinense.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso. Análises desse tipo são compreendidas como um arranjo entre aspectos associados à observação, à reflexão e à interpretação. Conforme a investigação avança, o desenvolvimento de ações de embasamento para o estudo se torna necessárias, como: natureza de dados coletados, extensão da amostra, instrumentos de pesquisa e pressupostos teóricos (Gil, 2002).

O desenvolvimento da pesquisa ocorreu em uma escola de educação básica de um município situado no meio-oeste catarinense que atende aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Todos os participantes estavam matriculados na turma do 5º ano do período vespertino e com idades entre 9 e 12 anos. É válido destacar que este estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Oeste de Santa Catarina e aprovado sob parecer: Nº 6.021.453.

A justificativa de escolha em trabalhar com os alunos de 9 a 12 (5º ano do EF) se deu em decorrência de que crianças nesse período encontram-se em processo de desenvolvimento de consciência moral e social. Assim, é importante que as estratégias pedagógicas sejam capazes de estimulá-las a compreenderem-se como protagonistas dos processos, decidindo e escolhendo a forma de como manifestar o que sentem, buscando tornar-se capacitados para estabelecer equilíbrio nas relações interpessoais presentes no contexto escolar (Tognetta; Rosário, 2013).

Com relação aos encontros destinados a intervenção, esses foram realizados de maneira presencial, no período vespertino, organizados em 16 horas aulas, divididas entre observação e encontros formativos, tendo duração aproximada de dois meses. Portanto, nossos instrumentos de coleta de dados estão descritos no Quadro 1.

Quadro 1 – Instrumentos de coleta de dados

Etapa

Instrumento

Objetivo

Diagnóstico

1. Observação da turma, adaptação e análise do Clima Escolar  (Tognetta, 2022).

Entender e conhecer a organização das relações de convivência da turma. Duração de Observação: 8 horas-aula, em dias alternados da semana, sem aviso prévio.

2. Aplicação de Questionário adaptado das pesquisas de Hasper (2016) e Vinha e Tognetta (2010).

Compreender os conhecimentos prévios dos estudantes sobre a problemática bullying. Iniciar diálogo partindo destas concepções e adaptação do conteúdo e dos instrumentos a serem trabalhados em sala de aula.

Intervenção

3. Diário do Bullying, material adaptado do livro Autocompaixão, da autora Kristin Neff (2017).

Fornecer base teórica, registros escritos sobre experiências de bullying, espaço para diálogo e construção de atividades em sala de aula.

4. Dinâmica Autorrelato, adaptada de atividades propostas no site - Somos todos contra o bullying (2021).

Oportunizar reconhecimento e entendimento de semelhanças e diferenças entre o eu, o outro e o nós, assim como, diferentes manifestações de sentimentos, concepções, memórias, preferências e crenças.

5. Dinâmica de fixação conteúdo adaptado da apostila Cartoon Network (2013).

Proporcionar exercícios para assimilação e acomodação de conceitos teóricos através de situações vivenciadas no ambiente escolar.

6. Dinâmica: Como podemos cuidar dos valores que queremos? Adaptada de atividades propostas no site Somos todos contra o bullying (2021).

Possibilitar momentos de troca de experiências e conhecimentos assimilados, bem como, observação concreta dos impactos das atitudes de bullying sobre as outras pessoas, os sentimentos e os comportamentos relacionados.

7. Dinâmica: Passa ou Repassa do bullying. Conteúdo adaptado Cartoon Network (2013).

Oportunizar momentos de troca sobre conhecimentos significados e visualizar de forma concreta (imagens/perguntas e respostas) os impactos do bullying, os sentimentos e os comportamentos a ele associados.

8. Dinâmica: Post-It com conceito.

Favorecer registro escrito e construção individual de conceito partindo de conteúdos aprendidos em sala de aula sobre a problemática.

Fechamento

9. Dinâmica de troca de experiências (familiares) sobre bullying e construção Acróstico.

Incentivar o início de conversa sobre o bullying com os familiares, externar conceitos assimilados em sala de aula para o contexto familiar.

10. Dinâmica: Bloco de Recados.

 

 

Possibilitar a continuação dos trabalhos desenvolvidos, atuando como material de uso individual para mensagens silenciosas de desabafo pessoal ou conforto/apoio para colegas.

11. Construção de Portfólio para a escola.

Desenvolvimento de material teórico-prático com as atividades desenvolvidas durante intervenção com a finalidade de fornecer suporte à instituição para continuidade das práticas.

Fonte: elaborado pelas autoras.

 

Por meio do quadro 1, é possível observar que o processo da pesquisa foi organizado em três etapas, sendo elas: diagnóstico, intervenção e fechamento. Cada fase compreendeu instrumentos e objetivos específicos. Para análise dos dados, buscamos fazer uso da análise de conteúdo de Bardin (1977). Nesse sentido, a investigação seguiu o passo-a-passo: a) pré-análise; b)  exploração do material; c) tratamento dos resultados (a inferência e a interpretação).

Deste processo de exploração do material e tratamento dos resultados (Bardin, 1977). emergiram três categorias, a saber: i) Conhecendo as relações de convivência entre alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I; ii) Intervenções baseadas nos pressupostos da Psicologia Moral para a promoção da convivência na escola; iii) Possibilidades de promoção da convivência construídas a partir da intervenção.

Vamos apresentar brevemente as reflexões de cada uma das categorias. Iniciamos com a categoria intitulada: i) Conhecendo as relações de convivência entre alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I. Esta categoria compreende as duas primeiras etapas da pesquisa: o diagnóstico e o processo de intervenção, uma vez que Vinha e Tognetta (2010), alertam sobre a importância de se conhecer e realizar um diagnóstico sobre a realidade da escola/turma antes de iniciar um processo interventivo.

Através da observação foi possível identificar questões pontuais relativas à convivência interpessoal, como: estabelecimentos de grupos de compatibilidade, afastamento entre meninos e meninas, atribuição de apelidos e piadas depreciativas conferidas com significado de “brincadeiras”. Notou-se, por conseguinte, que essas maneiras de se relacionar incluíam conflitos leves (Tognetta, 2022), que fazem parte do cotidiano escolar. Contudo, não podemos perder de vista que a escola necessita favorecer aos meninos e meninas práticas de convivência de qualidade (Vinha; Tognetta, 2010), ou seja, ações que possibilitem o respeito e a compreensão da diferença como elemento fundamental do processo responsável pelo ensino-aprendizagem.

Com a finalização do período de observação, as atividades de diagnóstico continuaram com a realização de questionário aplicado. Por meio da análise das respostas identificamos práticas relacionadas ao bullying, presentes na turma do 5º ano do EF. Sendo possível, assim, comprovar que, apesar de apresentarem argumentos característicos da linguagem de senso comum, as crianças já detinham conhecimentos prévios acerca do fenômeno. Em decorrência desse resultado, organizamos os próximos passos da pesquisa com as práticas pedagógicas capazes de operar tanto na prevenção quanto no reconhecimento da ocorrência da problemática (Tognetta, 2020b).

Portanto, o passo seguinte iniciou o processo de intervenção, e a partir disso, criamos a segunda categoria, sendo essa denominada: ii) Intervenções baseadas nos pressupostos da Psicologia Moral para a promoção da convivência na escola. A prática interventiva ocorreu nos meses de Maio/Junho de 2023.

Para desenvolvimento das atividades buscamos combinar diferentes estratégias e instrumentos. Iniciamos apresentando o material nomeado “Diário do bullying”, visando ampliar conhecimentos e conferir significado aos acontecimentos inadequados ao contexto da boa convivência, que erroneamente são nomeados de “brincadeiras”.

É válido relacionar que, por meio da análise das atividades propostas, tivemos a oportunidade de observar o conhecimento dos estudantes relacionados a problemática, a exemplo, por meio dos relatos de experiência que compunham o instrumento, nele todos os alunos relataram já terem vivenciado alguma situação de bullying, assumindo o papel de vítima ou testemunha, servindo de ilustração para a afirmação de Chalita (2008), que relaciona: todos nós, em alguma fase da vida, testemunhamos “brincadeiras de mau gosto”,  consideradas práticas de bullying, seja no papel de vítima, testemunha ou autor.

As ponderações dos alunos demonstraram entendimento e a percepção particular sobre o papel de cada um quando expostos a uma situação em que a problemática se manifesta, tal como o entendimento sobre a importância e a necessidade de partilhar essas vivências com adultos ao invés de silenciar-se. Segundo Tognetta (2020b), escola alguma está isenta de conflitos, a mudança encontra-se na percepção de como eles serão compreendidos nesse ambiente. Por conseguinte, é válido que quando as crianças tomem a iniciativa de buscar apoio nessas situações elas encontrem profissionais aptos para realizar o manejo adequado.

Pretendendo informar, sensibilizar e conscientizar a respeito do conceito do bullying, foram explorados, através de diálogo coletivo, as normativas das leis: 13.185/15; 13.227/16 e 13.663/18 (Brasil, 2015; 2016; 2018), também, pelo material elaborado e disponibilizado, bem e combinação de atividades lúdicas que atuou como suporte para reflexão sobre possíveis atitudes e resolução acerca das problemáticas apresentadas. À medida que a teoria era apresentada, os estudantes assimilaram seus significados e conseguiram contribuir, relembrando acontecimentos e fornecendo exemplos.

Foram desenvolvidas práticas que tiveram por objetivo favorecer o reconhecimento do eu, do outro e do nós, buscando através delas colocar as singularidades como protagonistas no processo de ensino e aprendizagem. Oportunizando a percepção das individualidades como características que complementam a história pessoal que assegura a particularidade e servem como alimento para o bem-estar comum (Chalita, 2008).

No intuito de continuar o trabalho, algumas das atividades foram construídas de modo a favorecer a integração dos pais na realização, sob a justificativa de que por vezes, não sabem como conversar ou orientar os filhos sobre questões que envolvem o bullying (Tognetta, 2020a) assim, necessitamos, enquanto profissionais comprometidos com a educação, servir como base para às famílias, oferecendo-lhes instrumentos capazes de inseri-las no desenvolvimento de ações que desincentivam condutas agressivas e preconceituosas, incentivando comportamentos de cooperação e respeito (Leal, 2023), visando melhorar as relações de convivência, não apenas escolar, mas na tríade: escola, aluno e família.

Para Vinha et al. (2017), refletir sobre a maneira de construir uma escola de diálogo e transformação pessoal e coletiva, a fim de oportunizar ferramentas para que as crianças saibam pensar e agir diante de conflitos é necessário. As ações desenvolvidas na pesquisa vieram a fortalecer trocas de experiências e aprendizagem, contribuindo com o aprimoramento das relações de convivência no ambiente de sala de aula.

Aprendemos e ensinamos o tempo todo, podendo esse ser um movimento negativo ou positivo (Chalita, 2008), a depender do seu caráter e intencionalidade. Observando o cenário atual, é evidente a urgência de a escola transformar-se buscando incorporar ao currículo práticas pedagógicas que tornem o ambiente um espaço capaz de introduzir, explicar e acolher o trabalho com as diferenças. É importante fornecer ferramentas para que as crianças, quando em contexto de convivência externo à escola, tenham condições de repassar aquilo que aprenderam.

E por fim, apresentamos a última categoria desenvolvida neste trabalho, denominada: iii) Possibilidades de promoção da convivência construídas a partir da intervenção, procurando enfatizar a afirmação de Tognetta (2020a), de que as famílias, muitas vezes, não encontram a forma adequada de conversar com os filhos sobre o bullying, as atividades de fechamento buscaram dar continuidade ao trabalho iniciado em sala de aula, não só em casa, mas na própria escola, no intuito de favorecer a aproximação dos pais e demais profissionais da educação, ao conteúdo explorado na intervenção.

É importante oportunizar às famílias e à comunidade escolar, diálogo, participação e envolvimento com a cultura antibullying, uma vez que, em muitas situações, as atitudes que inviabilizam e dificultam as relações interpessoais na escola refletem os comportamentos agressivos aprendidos e/ou incentivados no ambiente familiar e escolar, representando, desdobramentos de experiências dos adultos (Leal, 2023). Com as respostas obtidas foi possível constatar que alguns pais também passaram por essas experiências relacionadas ao bullying na infância ou adolescência.

Ademais, aproximar a família das práticas de sala de aula pode contribuir para a melhora na relação entre os pares. Aprender a conviver é intrínseco aos seres humanos, logo, é responsabilidade da escola, em juntamente com a família, ajudar as crianças na consolidação de seus processos de convivência, visto que toda a relação humana denota de padrões de convivência que dependem da estrutura cultural de cada relação (Tessaro, 2022).

Por fim, a última atividade da intervenção, consistiu em um bloco destinado a mensagens silenciosas, no qual os estudantes foram orientados a utilizá-lo para momentos de desabafo ou apoio aos colegas, com a intenção de oportunizar continuidade às práticas trabalhadas durante a intervenção. O desenvolvimento do material se justifica, em razão de Tognetta (2022), enfatizar que as escolas precisam continuamente favorecer a compreensão, a acolhida, a escuta e o diálogo.

Com a finalização do processo interventivo percebemos a evolução dos estudantes sobre a compreensão da problemática, uma vez que, na conclusão das práticas eles trouxeram conceitos mais profundos somados a exemplos significados, que não só conceituam o bullying, mas denota o desenvolvimento de competência de identificação e intervenção frente a esse problema. Por consequência, obtiveram melhora nas relações de convivência, sendo que, durante a realização conseguiram dialogar abertamente a respeito de acontecimentos experienciados, relatando sentimentos e motivações relacionados às situações experienciadas.

A fim de fornecer à escola registro escrito, base teórica e novas oportunidades de desenvolver a problemática em sala de aula, construímos um material, denominado Portfólio, composto pela combinação de atividades desenvolvidas durante a intervenção, bem como cópia das atividades e pesquisa, juntamente com resultados, no intuito de disponibilizar “bagagem metodológica” (Tessaro, 2022), para que o trabalho da intervenção possa ter continuidade na instituição e que de acordo com as particularidades do contexto de inserção possa vir a ser adaptado.

Por meio das reflexões tecidas nesta pesquisa, entendemos que a construção de práticas pedagógicas intencionais, planejadas e sistematizadas são importantes para a promoção de convivência entre e com os estudantes (Tessaro, 2022). Assim como, estudos sobre a Psicologia Moral podem auxiliar, uma vez que compreendem a necessidade do desenvolvimento global do estudante através de práticas sociointeracionistas. Além disso, a discussão e problematização de situações comuns à realidade escolar, como o bullying, necessita ser realizada com e entre os estudantes, a fim de favorecer o protagonismo desses indivíduos e possibilitar a convivência ética e democrática.

Diante do exposto e do nosso objetivo de pesquisa, entendemos que a incorporação de estratégias pedagógicas embasadas no conhecimento da turma (diagnóstico), favoreceu a ampliação dos conhecimentos acerca do significado da problemática, além de oportunizar relação entre pais e filhos, englobando, dessa forma, aquilo que consideramos essencial no enfrentamento desse fenômeno: participação dos estudantes, famílias e escola.

Compreendemos o caráter embrionário desta pesquisa, em função de que as intervenções ocorreram em uma única turma, em período temporal determinado. Também, entendemos a importância da continuidade de práticas desse caráter no contexto escolar. Segundo o que Tognetta afirma (2020b), com toda a certeza não existe uma forma de garantir que para o resto da vida o autor de bullying possa vir a modificar seus comportamentos, ou desenvolver senso de empatia em déficit. Mas, é atribuição da escola oportunizar condições para o desenvolvimento de práticas mais assertivas que viabilizem a melhora nas relações de convivência.

Por intermédio da construção da presente pesquisa, foi possível concluir que, ao ofertar às crianças instrumentos psicopedagógicos, teórico-práticos, no intuito de oportunizar condições para o desenvolvimento de capacidades morais, esses têm as potencialidades fundamentais para melhorar suas relações de convivência, assim como entender a natureza do conflito e realizar escolhas mais conscientes acerca de que postura adotar ou a quem procurar.

Biografia do Autor

Gabriela Maria Susin, Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC).

É graduanda do curso de Psicologia (10ª fase) da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Graduada em Pedagogia pela mesma Universidade. Atualmente é professora da Educação Básica.

Publicado
01-10-2024
Seção
Organização e Práticas Educativas na Educação Básica