EDUCAÇÃO BÁSICA E TECNOLOGIAS

REFLEXÕES SOBRE A MODERNIZAÇÃO DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS NO ESTADO DO PARANÁ

  • Fabrício Duim Rufato Universidade Estadual do Oeste do Paraná
  • Geovane dos Santos da Rocha Universidade Estadual do Oeste do Paraná
  • Nandra Martins Soares Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Resumo

Com as reformas na educação, especialmente a do ensino médio, sancionada pela Lei nº 13.415/2017 e a subsequente implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2018, o Brasil passou a adotar uma divisão curricular em duas partes: (a) uma comum e (b) uma diversificada, organizada em itinerários formativos. Além disso, as novas diretrizes do ensino médio permitiram que parte do currículo seja oferecido na modalidade à distância, além de estabelecer a possibilidade de parcerias com o setor privado.

Entre os aspectos mais notáveis, destaca-se a implementação do novo ensino médio, que acompanha a crescente adoção de plataformas digitais no processo educacional. Essa tendência é particularmente evidente na rede pública do Estado do Paraná, onde a integração de tecnologias digitais tem se consolidado de forma significativa. Segundo a SEED-PR, o investimento em tecnologia foi a responsável pela melhoria nos índices de desempenho acadêmico dos estudantes, propiciando inovação e maior nível de qualidade para o processo de ensino e aprendizagem (Barbosa; Alves, 2023).

O Estado do Paraná investiu milhões em tecnologias educacionais. Entre os exemplos de dispêndio, destacam-se 38,4 milhões de reais para aulas à distância da UNICESUMAR, 6,3 milhões para a plataforma de quizzes “Desafio Paraná” e 12,9 milhões para a plataforma “Inglês Paraná”. Além disso, foram adquiridos computadores, tablets e televisores, entre outros recursos tecnológicos. Como resultado, divulgou-se que as salas de aula paranaenses estão mais dinâmicas e interativas, com auxílio de plataformas digitais, recursos eletrônicos e conteúdos multimídia para o ensino de temas como cultura digital e organização financeira (Paraná, 2022).

Diante desse cenário, o fetichismo da inovação tecnológica parece assumir um papel central nas políticas pedagógicas adotadas pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Esse fenômeno pode ser comparado ao conceito de fetichismo da mercadoria de Marx (Marx, 2014), onde o valor das mercadorias é atribuído a atributos que obscurecem suas reais funções e relações sociais. Além disso, a busca pela inovação tecnológica está se expandindo para outros estados, como São Paulo, que tem utilizado as iniciativas do Paraná como referência para melhorar a qualidade educacional (Barbosa; Alves, 2023).

Selwyn (2017) destaca a importância de reconhecer a natureza política da tecnologia e de questionar a crença de que a tecnologia pode, por si só, melhorar a educação. É fundamental revelar os interesses ocultos envolvidos na promoção do uso intensivo da tecnologia na educação. Por exemplo, durante a gestão da SEED-PR (2019-2022), que implementou amplamente tecnologias nas escolas, o secretário de Educação e outros políticos estavam envolvidos em interesses próprios relacionados às licitações para a compra desses recursos. Nesse contexto, a UNICESUMAR, que contribuiu para a campanha eleitoral do governador Ratinho Júnior, e a empresa de tecnologia Positivo, pertencente ao próprio secretário de Educação, Renato Feder, forneceram computadores e tablets em contratos milionários.

Nesse sentido, nosso objetivo é analisar criticamente o processo de modernização da educação, com foco nas práticas educativas a partir da reforma do novo ensino médio e da implementação de recursos tecnológicos e/ou plataformas digitais no Estado do Paraná. Para isso, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, do tipo teórica e exploratória, fundamentando-nos nos aportes teóricos do Marxismo, corrente de pensamento desenvolvida por Karl-Marx (1818-1883) e, posteriormente, aprofundada por autores variados.

Partimos do princípio de que é essencial reconhecer a natureza política e ideológica que permeia o campo da tecnologia na cultura digital para investigar as relações de poder envolvidas e os projetos formativos e interesses que elas subordinam. A crescente presença das tecnologias digitais nas escolas e as mudanças resultantes nos processos pedagógicos revelam como essas tecnologias, com seus algoritmos, mapeiam e orientam as práticas educacionais em direção aos interesses daqueles que as controlam. Essa dinâmica é crucial para compreender a realidade da educação no século XXI.

Portanto, torna-se necessário realizar uma análise sociológica e crítica da inovação tecnológica, adotando uma postura reflexiva para compreender a complexidade dessa realidade. É urgente promover um debate ideológico e ético sobre o foco da educação e os interesses que ela deveria servir, conforme enfatizado por Selwyn (2017).

Nesse contexto, Herbert Mascure (1973) retoma as bases da crítica frankfurtiana à racionalidade instrumental, empreendendo uma análise da racionalidade tecnológica que permeia a sociedade contemporânea. Mascure argumenta que essa racionalidade contribui para o refinamento das relações de dominação e para o surgimento de novas formas de controle e integração política e cultural. Segundo Mascure, o que poderia ser um potencial de liberdade para a humanidade acaba se transformando em um mecanismo de dominação. Ele afirma que a visão da tecnologia como uma ferramenta neutra não é mais sustentável: “A sociedade tecnológica é um sistema de dominação que já opera no conceito e na elaboração das técnicas” (Mascure, 1973, p.19).

Em outras palavras, a tecnologia possibilita formas mais sofisticadas de controle social, que tornam mais difícil identificar e resistir à dominação que ela impõe. Sob o pretexto de neutralidade, essa tecnologia oculta as relações de poder, promovendo uma ressignificação da ordem existente — a dominação. Isso resulta em uma consciência conformista, na qual a realidade de exploração é aceita sem questionamentos.

Nesse contexto, forma-se um sistema de controle progressivo sobre a natureza, que se generaliza e se transforma em uma racionalidade política que orienta todas as decisões da vida, tornando-se um modo social hegemônico. Esse quadro de alienação, voltado para a hegemonia, reprime a diversidade de pensamentos e comportamentos, assumindo um caráter quase totalitário. Segundo Barbosa e Alves (2023), na cultura digital contemporânea, as relações sociais mediadas por algoritmos em plataformas digitais estabelecem padrões de comportamento, pensamentos e desejos, os quais, na lógica capitalista, se convertem em mercadorias, por definição, vendáveis.

Concomitantemente, Zuboff (2020) argumenta que a atual arquitetura digital introduz mudanças que aumentam a complexidade e sofisticação na lógica de acumulação e dominação, intensificando e reconfigurando as relações de poder, controle e vigilância, o que ameaça a própria democracia e as liberdades humanas. Para a autora, as ferramentas digitais permitem aos capitalistas obter cada vez mais dados preditivos sobre comportamentos, como vozes, personalidades e emoções. Esse processo resulta em uma normalização que nos aprisiona enquanto nos dá uma sensação ilusória de felicidade. Trata-se de um controle quase totalitário das massas, no qual os proprietários dos meios de produção atuam como ditadores do funcionamento social, promovendo seus próprios interesses socioeconômicos.

Pesquisas de Van Dijck e Thomas Poell (2018) abordam o fenômeno da plataformização da educação, que se refere à implementação de plataformas digitais com fins pedagógicos nas atividades escolares e acadêmicas. Os autores afirmam que, seguindo a lógica descrita por Mascure (1973), essas plataformas facilitam a captura de dados e algoritmos sobre professores e estudantes. Muitos desses dados são coletados gratuitamente de grandes empresas de tecnologia e podem ser utilizados como excedentes lucrativos.

Entende-se que o movimento de plataformização na educação envolve a capacidade de moldar comportamentos e expectativas sociais e educativas, alimentados e ampliados pelo discurso fetichizado que vê a inovação tecnológica como uma garantia de melhor escolarização. Esse movimento, associado a ações pragmáticas e à perspectiva neotecnista da educação, atribui ao aparato tecnológico a responsabilidade pela melhoria dos processos educacionais. Adota-se, de maneira abrupta e pouco refletida, instrumentos digitais que operam através do controle e da padronização, sem uma análise crítica do substrato político e ideológico subjacente (Van Dijck; Poell, 2018; Barbosa; Alves, 2023).

Com base nos autores mencionados, a discussão sobre as possíveis implicações nos processos educacionais e formativos decorrentes do monitoramento por tecnologias algorítmicas se concentra nas formas operacionais impostas por essas ferramentas. Essas tecnologias transformam os indivíduos em executores de tarefas padronizadas, registrando tempo, estágios cognitivos na resolução de problemas e níveis de instrução, entre outros aspectos. Esse monitoramento pode gerar estresse e resultar em um processo de ensino fragmentado e desprovido de significado.

Tais instrumentos digitais transferem a avaliação do conteúdo didático-pedagógico e os valores dos professores e salas de aula para plataformas online, diminuindo a autonomia docente e o desenvolvimento dos estudantes por meio da mediação. A mediação, por sua vez, passa a ser controlada e padronizada pelas plataformas digitais. A relação entre professor e aluno é reconfigurada em função de estímulos de recompensas e punições, buscando alcançar o máximo controle e domínio dos processos pedagógicos (Zuin, 2020).

Assim, o fetichismo de que a tecnologia é a solução para os processos de ensino, considerando as práticas educacionais tradicionais da relação professor-aluno como obsoletas, também reflete o interesse lucrativo das empresas privadas envolvidas com essas ferramentas digitais. Essas empresas influenciam o financiamento, a organização e a oferta da educação, especialmente a pública (Selwyn, 2017). O fenômeno da plataformização, caracterizado pela adoção de plataformas digitais operadas por corporações privadas no campo educacional, não só promove controle e vigilância sobre as massas, mas também representa uma nova forma de privatização da gestão educacional (Barbosa e Alves, 2023).

Dentro desse contexto, Forattini e Lucena (2015) analisam a presença de um certo glamour associado ao trabalho e à vida das pessoas. Eles observam que essa percepção se manifesta em ações cada vez mais intelectualizadas e fetichizadas, marcadas pela influência das tecnologias e realizadas em ambientes virtuais.

 

A maquinaria, apropriada da inteligência artificial, faz do desenvolvimento tecnológico o meio de intensificação do trabalho em escala social [...]. Mecanismos sofisticados de formulação do comportamento e desenvolvimento estão cada vez mais apoiados nas ciências, embora não considerem a parcela vulnerável do ser humano em seus sentimentos e abstrações. Pesquisas científicas para desenvolvimento de técnicas e métodos [...] são direcionadas exclusivamente para desenvolverem adaptações do homem para o trabalho, sendo ainda largamente subsidiadas pelo capital mundial (Forattini; Lucena, 2015, p. 44).

 

Assim, reconhecer a natureza política da tecnologia aponta para a necessidade de desmistificar a crença subjacente na capacidade da tecnologia de alguma forma, melhorar a educação. Essa forma de pensamento “expressa a aparente esperança de que novas tecnologias solucionarão problemas e limitações profundamente enraizados na educação de forma melhor do que os esforços anteriores” (Selwyn, 2017, p.92). Portanto, “é preciso resistir a tentação de associar, sem reflexão, as tecnologias digitais a uma noção de inevitabilidade de progresso e mudança na educação” (Barbosa; Alves, 2023 apud Selwyn, 2017, p.101).

No Paraná, a aprovação da Lei nº 13.415/2017, que institui o novo ensino médio, ocorreu em um contexto de instabilidade e fragilidade democrática. Essa lei introduziu mudanças significativas na organização do ensino médio brasileiro, incluindo novos elementos no currículo e no financiamento. Entre as principais mudanças estão a divisão curricular em uma parte de conhecimento básico comum e outra diversificada, além das possibilidades de convênios e parcerias com o setor privado (Brasil, 2017). O Estado tem investido consideravelmente em uma educação padronizada e fragmentada através de plataformas como “Redação Paraná”, “Inglês Paraná”, “Desafio Paraná”, “Robótica Paraná” e “Registro de Classe Online (RCO)”, entre outras.

O Estado do Paraná se destaca como referência na implementação da Lei nº 13.415/2017, estabelecendo rapidamente o novo ensino médio e, consequentemente, integrando plataformas digitais e recursos tecnológicos nas escolas como apoio para o sucesso acadêmico. Nesse contexto, é possível identificar vários aspectos em evidência, tais como:

1) a inserção e protagonismo do setor privado nas ações de implementação, ligados ao empresariado, estabelecendo um novo nicho de mercado com destinação de recursos públicos para inserção de plataformas, materiais prontos e currículos;

2) a fragmentação curricular e a introdução de componentes e arranjos curriculares sem base cientifica e com objetos difusos, que naturaliza as formas de sobrevivência financeira das classes mais baixas brasileira, como por exemplo, aulas de brigadeiro caseiro como forma de empreendedorismo, que expressa o esvaziamento do currículo; e

3) a intensificação e controle do trabalho docente, que é subordinado à utilização das plataformas e materiais e processos avaliativos padronizados, tirando a autonomia e o valor do professor em sala de aula (Cássio; Goulart, 2022).

A realidade vivida nas escolas do Paraná evidencia que a implementação do novo ensino médio tem servido como uma janela de oportunidades para a plataformização, bem como para a mercantilização e padronização da educação. Assim, o presente estudo destaca um cenário em que a tecnologia, ao invés de ser uma mera ferramenta de apoio, torna-se central nas políticas pedagógicas, trazendo consigo desafios e reflexões essenciais para a compreensão do papel da educação na contemporaneidade.

A reforma do ensino médio (Lei nº 13.415/2017), com sua estrutura curricular dividida entre componentes comuns e diversificados, e a autorização para aulas a distância e parcerias com o setor privado, criou um ambiente favorável à introdução massiva de tecnologias nas escolas do Paraná. Esse fenômeno é claramente evidenciado pelos investimentos significativos realizados pelo Estado, incluindo a aquisição de plataformas digitais e dispositivos eletrônicos.

O controle social exercido pelas tecnologias na educação levanta preocupações sobre a natureza política e ideológica dessas ferramentas. Ao analisar as implicações das plataformas digitais no processo educativo, destacamos o risco de uma educação fragmentada e padronizada, com a transferência da autonomia docente para plataformas online. A crítica à crença ingênua de que a tecnologia pode salvar a educação sublinha a importância de resistir à tentação de associar inovações digitais a um progresso inevitável na educação (Barbosa; Alves, 2023).

Em última análise, a interação complexa entre educação, tecnologias, ensino e aprendizagem exige uma abordagem equilibrada e crítica, que reconheça tanto os benefícios potenciais das inovações quanto os riscos de instrumentalização e mercantilização. O desafio é construir uma educação genuinamente centrada no desenvolvimento humano, crítica e reflexiva, enquanto utiliza as tecnologias como aliadas. É fundamental não perder de vista os valores éticos e democráticos que devem orientar o processo educativo.

Biografia do Autor

Fabrício Duim Rufato, Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Doutor em Educação pela UNIOESTE. Professor do ensino superior pela UNIMEO.

Geovane dos Santos da Rocha, Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Doutorando em Educação pela UNIOESTE.

Nandra Martins Soares, Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Doutoranda em Educação pela UNIOESTE.

Publicado
01-10-2024
Seção
Organização e Práticas Educativas na Educação Básica