CIEP
UMA ANÁLISE DA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE DARCY RIBEIRO
Resumo
Este resumo apresenta a pesquisa em andamento a respeito da concepção de educação de Darcy Ribeiro (1922-1997). Tal pesquisa tem como foco, a discussão sobre o entendimento do autor quanto ao papel e as possibilidades desempenhadas pela educação no processo de transformação social. Nesse sentido, a pesquisa analisa a crítica da expansão da educação escolar no Brasil, realizada na segunda metade do século passado por Darcy Ribeiro, e como o CIEP, projeto educacional do qual foi o principal idealizador, continha em grande medida, respostas à crítica por ele realizada à educação escolar, bem como refletia em larga medida a concepção de educação por ele almejada.
Darcy Ribeiro se destacou em sua atuação como antropólogo, educador, analista social e político no Brasil, entre as décadas de 1950/90. Tendo deixado vasta produção teórica e analítica sobre o Brasil, seu povo e a educação[1]. Ao longo de sua atuação pública, teve como principais influências o Marechal Cândido Rondon e o educador Anísio Teixeira. Teve destacada importância na idealização e construção da Universidade de Brasília, e nos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), além de atuar como secretário e ministro de Estado e Senador da República.
Esta pesquisa se justifica pelo fato da necessidade de aprofundar o exame de sua concepção de educação em relação ao papel da educação no processo de transformação social.
Sobre essa questão, com base em Bomeny (2001, p. 221) observa que na proposição e na implementação do CIEP, Darcy Ribeiro expressa herança e influências recebidas de Anísio Teixeira, o que coloca a necessidade de investigar como Darcy Ribeiro se apropria do projeto idealizado por Anísio Teixeira, um defensor do escolanovismo.
Esta questão aqui é retomada com o objetivo de verificar qual era o ideal de educação transformadora proposta por Darcy Ribeiro, buscando compreender o significado histórico desse conceito. Por fim, objetiva-se responder se a concepção de educação de Darcy Ribeiro tinha como pressuposto realizar a transformação da sociedade ou mudanças sociais e quais eram os caminhos propostos pelo autor para a realização deste objetivo. Nesse percurso, observamos como o CIEP, enquanto projeto do qual foi idealizador, ajuda a compreender seu entendimento do papel da educação no processo de transformação social.
A concepção de educação de Darcy Ribeiro, relaciona-se à forma como compreende o processo de constituição da sociedade brasileira e a forma que se constitui a escola no Brasil. Nesse sentido, o livro Nossa escola é uma calamidade, publicado em 1984, é um exemplo. Nesta obra, Darcy Ribeiro faz uma síntese analítica sobre o estado da educação brasileira, pontuando principalmente, as contradições contidas no processo de massificação da escola pública no Brasil e o discurso de democratização da sociedade.
Neste caso, ele aponta que a escola pública brasileira não educava as crianças empobrecidas, mesmo quando seu acesso se tornou mais amplo. De acordo com Ribeiro (1984, p. 12):
O que se obteve com esse crescimento meramente quantitativo foi uma escola de mentira, incapaz de atender à clientela popular que a ela acorre. Com efeito, simulamos ter uma escola de primeiro grau capacitada a ministrar um curso elementar de oito séries. A verdade é que a escola acessível a nosso povo não o educa e nem quer educá-lo.
De acordo com Ribeiro (1984, p. 20), a escola se manifestava como uma instituição seletiva, tomando como padrão de alunos, aqueles que traziam um tipo específico de socialização familiar, presente principalmente nas camadas médias e abastadas da sociedade, geralmente caracterizadas pela presença e constância da cultura letrada desde a tenra idade, pelo acompanhamento constante de pelo menos um adulto que incentivava e refletia o reforço positivo em relação ao estudo escolar.
Darcy Ribeiro afirmava que a escola deveria reconhecer seu pendor “elitista”, no sentido de que propunha como inato, saberes desenvolvidos somente em socializações específicas. Diante da exposição desta problemática, como passo para a superação dos entraves apontados, Ribeiro (1984, p. 19) observa que:
precisamos começar a reconhecer e proclamar que temos uma escola primária não só seletiva, mas elitista. Com efeito, ela recebe as crianças populares massivamente, mas, tratando-as como se fossem iguais às oriundas dos setores privilegiados, assim as peneira e exclui da escola. Vale dizer que nosso pendor elitista começa na escola primária. Ela, de fato, se estrutura para educar as classes abonadas e não o povo, que constitui a imensa maioria de sua clientela.
Para ele, a escola em seu processo de massificação após a década de 1970, era uma instituição organizada de forma hostil às crianças empobrecidas e destituída de capacidade de estabelecer diálogo com elas, ou nas palavras de Darcy Ribeiro, de sua “clientela”. Uma característica, que segundo ele, se manteve também na década de 1980.
O descompasso entre as necessidades dos estudantes provenientes de classes populares e as possibilidades oferecidas pela escola pública primária acabou por criar um não atendimento de expectativas recíprocas, no qual o irremediável desfecho acabaria por se constituir no que Darcy Ribeiro classificou como o “fracasso deliberado da educação das crianças pobres”.
Ribeiro (1986, p. 47) reivindicou a possibilidade de que através da disponibilização de uma educação de qualidade, voltada principalmente para as crianças das camadas populares - a maioria de seu público – seria possível mobilizar os estudantes para a aprendizagem, independentemente de sua origem socioeconômica, integrando dessa forma toda a população ao “domínio do código culto” e à possibilidade de inserção de todos os estudantes ao “conhecimento formal exigido pela sociedade letrada”, compreendido como ponto de partida para que os estudantes provenientes das camadas populares pudessem ter condições mais qualificadas de inserção no mercado de trabalho, de forma a possibilitar que a longo prazo, cada estudante pudesse realizar um efetivo processo de mobilidade social ascendente.
Para Darcy Ribeiro, mesmo no escopo da sociedade capitalista, seria possível proporcionar maior grau de democratização e inclusão - tanto pela via do mercado de trabalho, quanto pela cobertura de políticas sociais -, sem necessariamente precisar realizar uma revolução social. Neste sentido, conforme citado acima, Ribeiro (1984, p.67) aponta como exemplo alguns países que, naquele momento histórico indicavam relativo grau de desenvolvimento econômico e social.
Em diversos momentos o autor se refere ao desenvolvimento da educação que o “mundo” - sem nomear ou apontar especificamente qual seria esse “mundo” - teria criado e funcionado com relativo sucesso. De acordo com Ribeiro (1984, p. 67):
estamos urgidos a fazer, aqui, tão só a escola pública universal que o mundo já fez e faz, antes de alcançar o grau de desenvolvimento econômico que atingimos (…). Creio haver provado que só há uma solução para os problemas brasileiros da educação (…). Enfrentar a tarefa de criar, aqui e agora, para todas as crianças, a escola primária universal e gratuita que o mundo criou.
Dessa forma, o autor traz para a educação escolar pública, a tarefa de mitigar a estrutural desigualdade presente na sociedade capitalista, reivindicando a possibilidade da esfera cultural – por meio da educação – efetivar mudanças econômicas e políticas, promovendo mobilidade social para as crianças oriundas das camadas populares.
Ribeiro (1986, p. 48) afirma que diante da assimetria entre o “universo cultural dos estudantes pobres” e as exigências da “sociedade letrada”, cabe à educação “introduzir a criança no domínio do código culto”, sem desvalorizar, entretanto, suas experiências já adquiridas. Esta foi a premissa fundamental que orientou o projeto de Darcy Ribeiro para os CIEPs.
Ribeiro (2018, p.62) apresenta o CIEP como projeto com objetivo de: “oferecer pela primeira vez, uma solução real ao problema da criança das classes populares”, que, segundo o autor, encontravam-se em situação de vulnerabilidade, enquanto os pais necessitavam buscar a subsistência econômica em um mercado de trabalho periférico, muitas vezes desregulamentado e desassistido pelo Estado.
Nos CIEPs, de acordo com Ribeiro (1986, p.17) e Maurício (2004, p. 41) os estudantes, além das atividades educacionais convencionais, teriam acesso a recreação, ginástica, higiene pessoal e alimentação, atendendo a cerca de 1.000 estudantes, sendo 600 crianças no período diurno e 400 jovens no período noturno, ofertando ensino fundamental em horário integral - das 08 às 17 horas -, além de atender no período noturno a adolescentes e jovens de 14 a 20 anos, na Educação de Jovens e Adultos.
De acordo com Darcy Ribeiro, o CIEP seria uma escola “honesta” com sua “clientela”, porque se propunha a efetivamente compreender o universo da criança oriunda das camadas populares, para a partir dele, conduzi-lo à aprendizagem dos códigos formais valorizados socialmente.
O CIEP deveria constituir-se em uma escola de excelência de ensino elementar, garantindo a todas as crianças o “pleno domínio da escrita, leitura e aritmética”, de forma geral, da plena alfabetização, reivindicados pelo autor como elementos imprescindíveis para uma adequada inserção na cultura letrada, espaço que as crianças empobrecidas se encontravam excluídas. De acordo com Ribeiro (1995, p.21)
A concepção pedagógica que orienta a ação educativa dos CIEPs tem como norma central assegurar a cada criança um bom domínio da escrita, da leitura e da aritmética, como instrumentos fundamentais que são para atuar eficazmente dentro da civilização letrada. Com base nesses elementos ela pode não só prosseguir estudando em regime escolar, como continuar aprendendo por si própria.
Observa-se como Darcy Ribeiro parecia compreender o processo educacional. Diante do exposto acima, parece que para o autor, o oferecimento desses requisitos - domínio da leitura, escrita formal e aritmética - seria suficiente para incorporar e integrar os estudantes pobres aos espaços sociais legitimados.
De acordo com Ribeiro (1995) a proposta educacional do CIEP, trazia três requisitos diferenciais à efetivação de uma educação de qualidade. A primeira delas, o tempo, em que através da ampliação da jornada de aprendizagem diária possibilitaria a realização de outras atividades educativas. Aspecto importante na concepção de educação proposta por Darcy Ribeiro, em que o fator tempo implica na qualidade do atendimento escolar, destacando a hipossuficiência de tempo como um fator que explicaria o baixo rendimento escolar para o autor.
O segundo requisito o espaço, visto que o amplo e multifacetado espaço físico do CIEP possibilitaria também a vivência de experiências educativas de caráter recreativo e prático, elemento que faltava na maioria das escolas convencionais. O terceiro requisito seria a formação dos educadores, que seriam não apenas profissionais mais qualificados, mas também engajados com a proposta pedagógica desta nova escola.
No entendimento sugerido pelo autor, uma vez encontrando-se o conjunto da população efetivamente inserida na cultura letrada por meio da educação escolar, automaticamente os indivíduos – independentemente de sua origem socioeconômica - teriam chances efetivas de uma inserção mais qualificada no mundo do trabalho e nos espaços sociais de forma geral, ainda que reconhecesse a desigualdade como elemento fundante e estrutural dessa sociedade.
A partir dessas evidências, afirmamos que o CIEP enquanto projeto político e educacional materializa a concepção de educação de Darcy Ribeiro, uma vez que este projeto – ao menos da forma como foi idealizado -, buscava constituir-se como contraponto do que teria sido a escola pública para as crianças pobres até então, à luz do diagnóstico de Darcy Ribeiro.
Além de constituir-se como resposta aos problemas apontados por Ribeiro (1984) ao funcionamento da escola e a forma como havia se popularizado, o CIEP, por meio da educação, pretendia possibilitar a transformação da configuração da sociedade – tornando-a mais inclusiva na medida que possibilitava a efetiva aprendizagem e inclusão na cultura letrada da maioria da população até então excluída desta condição – sem causar qualquer espécie de transformação de caráter estrutural.
Podemos afirmar que um dos elementos mais significativos da concepção de educação de Darcy Ribeiro é a busca para que a educação escolar integrasse a todos – sobretudo os grupos sociais até então marginalizados – à civilização letrada, como se este fator, por si só, resolvesse os demais problemas advindos de uma estrutura societária profundamente desigual como constata-se no caso do Brasil. Apresentando dessa forma, o CIEP como a escola que redimiria os graves problemas de nossa estrutura social desigual.
Darcy Ribeiro a exemplo de outros intelectuais Escolanovistas acreditou na democratização - quantitativa e qualitativa – da educação escolar como principal caminho para a atingir a consolidação das reformas sociais em curso no Brasil a partir do fim do regime militar e da efetivação da Constituição de 1988.
Ribeiro (1986, p. 47) reivindicou a possibilidade de que através da disponibilização de uma escola de qualidade, seria possível mobilizar os estudantes para a aprendizagem, independentemente de sua origem socioeconômica, integrando dessa forma toda a população ao “domínio do código culto” e à possibilidade de inserção de todos os estudantes ao “conhecimento formal exigido pela sociedade letrada”, compreendido como ponto de partida para que os estudantes provenientes das camadas populares pudessem ter melhores condições de inserção no mercado de trabalho, de forma a possibilitar que todos pudessem realizar uma mobilidade social ascendente.
Para ele, mesmo nos marcos da sociedade capitalista seria possível o desenvolvimento de democratização e inclusão - tanto pela via do mercado de trabalho, quanto pela cobertura de políticas sociais -, sem necessariamente realizar uma revolução social
Darcy Ribeiro como homem de seu tempo e expoente do pensamento escolanovista, como observou Bomeny (2001, p. 221) apostou na reforma social que percebia como necessária à sociedade brasileira, por meio da educação, pela universalização qualitativa da educação, por uma escola que, em sua visão, se apresentasse com a mesma disposição de educar a criança pobre, como já havia sido capaz de educar a criança dos estratos abastados da sociedade, e dessa forma, se tornasse de fato, uma escola para todos.