PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS: REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE A SUA INFLUÊNCIA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO
Resumo
Introdução
Este resumo refere-se a uma pesquisa de mestrado em andamento que aborda as reflexões críticas sobre a Pedagogia das Competências. Esse modelo educacional emergiu como uma abordagem inovadora, voltada para o desenvolvimento prático de habilidades essenciais para enfrentar os desafios do mercado de trabalho contemporâneo. Focando na formação de competências específicas, como a resolução de problemas, a comunicação eficaz, o trabalho em equipe e a adaptação a diferentes contextos, essa pedagogia tem gerado debates intensos e opiniões divergentes. Embora suas origens remontem à década de 1980, foi a partir dos anos 1990 que suas influências se tornaram mais evidentes nos âmbitos profissional e educacional.
A pesquisa nesse campo é significativa, pois proporciona compreensão sobre como as tendências pedagógicas impactam as práticas educativas e a formação dos alunos diante dos desafios. Igualmente relevante é o entendimento de como a abordagem da Pedagogia das Competências pode estar vinculada à lógica mercadológica, influenciando os estudantes a se integrarem ao ambiente profissional, muitas vezes em detrimento de suas habilidades individuais e restringindo a possibilidade da visão de uma educação mais democrática e emancipatória.
Desse modo, o objetivo geral é realizar uma análise teórica para compreender a origem da Pedagogia das Competências e a sua influência no contexto contemporâneo.
Para alcançar o objetivo geral, os objetivos específicos deste estudo foram delineados da seguinte forma: inicialmente, apresentar os fundamentos da Pedagogia das Competências por meio de uma análise histórica, investigando as suas interações nos âmbitos do trabalho e da Educação; em seguida, compreender a Pedagogia das Competências sob a ótica de autores brasileiros que se posicionam de forma crítica a essa abordagem; o objetivo final é verificar os contrapontos à Pedagogia das Competências, destacando a Pedagogia Histórico-Crítica. Diante dos objetivos elencados, somos levados a refletir sobre uma questão central de pesquisa: A Pedagogia das Competências corrobora para a descaracterização da escola pública, e, em caso afirmativo, como isso ocorre?
Desenvolvimento
Para compreender o surgimento da Pedagogia das Competências no Brasil, é relevante analisar o contexto histórico que a antecede, que engloba os métodos de organização da produção industrial durante a segunda revolução industrial, influenciados pelo Taylorismo-Fordismo.
O Taylorismo, caracterizado pelo controle rígido do tempo de trabalho, aumentou a produção, mas limitou os trabalhadores a funções específicas, causando insatisfação. Já o Fordismo, associado ao Taylorismo, utilizou tecnologia mecânica para aumentar a produtividade, demandando trabalhadores qualificados. Nos anos 1980, o Toyotismo se destacou, enfatizando a produção adaptável e o trabalho em equipe, exigindo habilidades diversificadas. Em resposta às demandas do capitalismo, houve mudanças educacionais com base no construtivismo, uma base teórica relevante na formação de competências contemporâneas na Educação.
Outro ponto abordado refere-se sobre os aspectos gerais do construtivismo, com destaque para as contribuições do teórico espanhol César Coll na formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O próprio referencial inclui elementos das Pedagogias das Competências, revelando seu propósito de capacitar os estudantes para adquirir e desenvolver novas habilidades em resposta às demandas emergentes, a fim de prepará-los para lidar com novas tecnologias, linguagens e processos.
Diante desse cenário, é relevante destacar as contribuições do sociólogo suíço Philippe Perrenoud (2000) para a Pedagogia das Competências. Para Perrenoud, competência é a habilidade de uma pessoa para agir de maneira eficaz em situações específicas, mostrando adaptabilidade a diferentes contextos.
Diante disso, é relevante explorar as concepções e perspectivas divergentes em relação às ideias de Perrenoud. Essa parte da pesquisa foca nas contribuições de quatro importantes autores brasileiros, organizados na seguinte ordem: Ramos (2001, 2002, 2003), Duarte (2006, 2008, 2010), Kuenzer (2002, 2005) e Paiva (1989, 1999, 2001).
Newton Duarte levanta críticas às teorias pedagógicas contemporâneas, identificando-as como pedagogias do “aprender a aprender”. O seu argumento é que a Pedagogia das Competências se enquadra nesse paradigma e que essas tendências refletem o contexto ideológico do capitalismo. Diante disso, ele faz indagações sobre a descaracterização da escola, o papel do professor e a neutralização das análises críticas diante das ideologias dominantes. Outro aspecto ao qual o autor chama atenção é com relação aos PCNs por sua abordagem eclética, destacando seu alinhamento com as demandas econômicas e a visão utilitarista do “aprender a aprender”. A sua crítica volta-se para a formação com o objetivo de atender e adaptar-se ao sistema capitalista. Na tentativa de superar essas questões, o autor promove a PHC como alternativa, enfatizando a socialização do conhecimento historicamente produzido como papel central da escola.
O foco do trabalho de Acácia Zeneida Kuenzer no campo educacional está na análise da “Pedagogia das Competências” e suas implicações nas interações entre Educação e trabalho no contexto brasileiro. Por meio de pesquisas de campo e análises das políticas públicas, a autora investiga o impacto do regime de acumulação flexível na estrutura social e nas relações entre Estado, Educação e trabalho. Essa dinâmica estabelece uma nova perspectiva de mundo que justifica a crescente alienação do trabalhador, ao mesmo tempo em que satisfaz as necessidades do capital por comportamentos que correspondam às suas demandas de valorização. Tal situação é denominada pela autora como “inclusão excludente”, que se refere a estratégias no mercado de trabalho e na Educação que incluem os indivíduos, mas sem oferecer condições adequadas de qualidade. No trabalho, isso envolve formas precárias de emprego, demissões e recontratações com salários mais baixos. Na Educação, significa envolver os alunos em diversas modalidades educacionais, sem garantir uma formação integral, crítica e autônoma, priorizando, assim, a capacidade de adaptação rápida às demandas do mercado.
As análises dessa autora enfatizam a necessidade de uma reflexão sobre a Educação, destacando que o papel da escola é desenvolver habilidades cognitivas, afetivas e motoras dos alunos, não se limitando apenas ao preparo para o mundo do trabalho. Embora contribua para o desenvolvimento de competências sociais e produtivas, atribuir-lhe essa função é ignorar a sua verdadeira natureza como espaço de aprendizado do conhecimento social (Kuenzer, 2002).
Marise Nogueira Ramos, em sua pesquisa sobre educação profissional nos anos 1990, destaca a mudança do conceito de qualificação para competência, abordando que o impacto da “desespecialização” se refere ao processo pelo qual os operários profissionais são transformados em trabalhadores multifuncionais. Isso implica uma redução do conhecimento especializado que os operários qualificados possuíam, visando a diminuir seu controle sobre a produção e aumentar a intensidade do trabalho.
Ramos (2010), em seu estudo, identificou a presença da Pedagogia Escolanovista, concomitante à Pedagogia Libertadora e à Pedagogia das Competências nas escolas técnicas do Sistema Único de Saúde (SUS) na área da saúde. Essa abordagem simplifica a formação dos profissionais de enfermagem para um mero treinamento técnico, enfatizando a repetição de procedimentos. Ao término da pesquisa, concluiu-se que as escolas adotaram a Pedagogia das Competências, porém, segundo os organizadores, com uma vertente crítica. A autora afirma que tal abordagem não é viável, como discutido em sua obra anterior (Ramos, 2003), na qual questiona essa perspectiva e defende que não é possível redefinir o conceito de competência para atender aos interesses da classe trabalhadora. Para finalizar, destaca como a perspectiva pós-moderna da Pedagogia das Competências pode ser conservadora ao se limitar ao pragmatismo e ao senso comum, enfraquecendo espaços coletivos de unificação social e política.
Para finalizar a análise, Vanilda Paiva desponta nos estudos educacionais, abordando temas relevantes como Educação, trabalho, qualificação e a contemporaneidade. Com uma análise crítica, a autora revela a relação entre o processo de capitalização, as exigências do mercado de trabalho e suas implicações. Em um cenário mais atual, ressalta a crescente ênfase no conceito de competência, anteriormente denominado à noção de qualificação. Esse deslocamento conceitual não apenas enfatiza a capacidade de aplicar conhecimentos, mas também carrega consigo a ideia de empregabilidade, transferindo aos indivíduos a responsabilidade por sua inclusão no mercado de trabalho. Assim, as obras de Vanilda Paiva evidenciam como as transformações no mercado de trabalho estão interligadas à Educação e à dinâmica da sociedade moderna, ressaltando a importância da qualificação intelectual e abstrata para se adaptar a novos desafios.
Diante disso, é relevante analisar os contrapontos à Pedagogia das Competências, explorando alternativas à essa abordagem. Essa análise investiga a viabilidade de uma teoria crítica e contra-hegemônica fundamentada no Materialismo Histórico e Dialético (MHD). Segundo Duarte (2018), a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) oferece uma visão educacional que busca a emancipação humana, indo além da mera acumulação de conhecimento. Dessa forma, destacamos a importância de alternativas pedagógicas críticas e contra-hegemônicas como forma de desafiar o modelo educacional contemporâneo. A PHC, desenvolvida por Demerval Saviani, surge como uma resposta necessária às tensões atuais. Além disso, a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire é incluída nesta análise, pois busca promover a conscientização e a transformação social, visando superar a alienação e a opressão.
Como exemplo das influencias a pesquisa traz um breve uma breve análise histórica sobre a implantação e elaboração dos currículos da Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (AMOP) e da cidade de Cascavel- PR, juntamente com as predominâncias teóricas.
Conclusão
Considerando os pontos abordados, podemos afirmar que as análises levantadas pelos autores mencionados nesta pesquisa revelaram sérias preocupações quanto à possível descaracterização da escola pública, pois a visão mercadológica predominante impõe a priorização da formação de habilidades específicas. Esse enfoque, ao buscar preparar os alunos para o mercado e priorizar conteúdos pragmáticos, resulta na secundarização da transmissão do conhecimento sistematizado, o qual que é essencial para a formação integral do indivíduo e para a promoção de uma Educação emancipadora e transformadora.
A tentativa de descaracterização da base teórica é evidenciada na proposta curricular da região Oeste do Paraná, em que a redação dos documentos explicita a predominância da pedagogia contra-hegemônica, baseada no MHD e na PHC. No entanto, ao seguir a obrigatoriedade das orientações da BNCC, que contém elementos destoantes, surgem contradições e indícios da influência da pedagogia das competências.
Palavras - chave: Educação Escolar; Críticas ao Aprender a aprender; Pedagogia Histórico-Crítica.
REFERÊNCIAS
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