POC'S - GRUPO DE PESQUISA POLÍTICAS DOS CORPOS, COTIDIANOS E CURRÍCULOS

  • MARCIO RODRIGO VALE CAETANO Universidade Federal de Pelotas

Resumo

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fica na região sul do Rio Grande do Sul (RS), no município de Pelotas fundado em 1835. Do início à atualidade, essa região (re)produz uma diversidade que perpassa os povos indígenas e uruguaios, o dia a dia da vida no campo e a urbanização de cidades interioranas – Pelotas fica a 250Km da capital Porto Alegre, sendo constituída e vivida sob os símbolos socioculturais do ‘pampa gaúcho’, da colonização europeia, da diáspora africana e com a interlocução de outras regiões do Brasil. Nesse contexto multifacetado, foi criado a UFPel, em 1969 (há 134 anos depois de Pelotas, apenas), unindo instituições públicas e privadas de formação acadêmica-profissional que atuavam desde 1957, com o destaque da área agrária e/ou do campo, mas que também formavam professoras(es) para escolas da época – a formação de professoras(es) acontecia, inicialmente, no curso de Ciências Domésticas que, encerrado em 1997, origina a Faculdade de Educação, o Curso de Química de Alimentos e a Faculdade de Administração e Turismo atuais da Universidade (UFPel, 2023). Assim a região sul do RS e a UFPel foram e são constituídas e vividas com diferenças sociais marcantes, incluindo as tensões e as contradições que isso (re)produz. A exemplo, num estado brasileiro com população autodeclara branca, Pelotas tem um quantitativo importante de pessoas negras do RS (15%); o que atribui grande influência da diáspora africana e/ou cultura afro-brasileira (MOREIRA et al., 2022) em suas referencias. Como as histórias da cidade e da Universidade se entrelaçam, a Universidade tem grande influência no cotidiano do município, com a chegada do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) propiciando o aumento da diversidade na região – a chegada e o intercâmbio de pessoas de diferentes cidades, estados brasileiros e outros países potencializou a diversidade de ser, fazer e viver em Pelotas, acirrando, também, as tensões e as contradições que a vida pluralizada pode (re)produzir (a chegada-permanência de estudantes e profissionais de diferentes culturas, classes, etnias, raças, sexualidades e gênero transformam os cotidianos do lugar). Assim, a pluralização das diferenças sociais, juntamente com as tensões, resistências, tradições e posições conservadoras (re)constituíram os cotidianos de Pelotas e da UFPel: uma universidade que enriquece as contradições e ambivalências que, de alguma forma, sinalizam a pluralidade que envolve as atuais transformações culturais e institucionais na sua estrutura – o jogo entre a tradição que marca um sentido nostálgico  e a atualização da vida acadêmica, entre a padronização e a diversificação dos seus sujeitos). A exemplo, a UFPel foi uma das últimas universidades que aderiu ao sistema de cotas etnicorraciais no Brasil, mas hoje ela possui uma efetividade na reserva de 20% das vagas de concurso público com este fim, possui um processo seletivo especial e exclusivo para indígenas e quilombolas, institui turmas especiais para estudantes de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) nos seus cursos agrários e, mais recentemente, discute a abertura de turmas especiais no curso de medicina com este fim, sem falar da implementação de cota para travestis e transexuais em todos os cursos de mestrado e doutorado, em 2021, além do expressivo aumento de vagas para pessoas com deficiência. Ainda que vitórias populares sejam significativas nas últimas décadas, são sentidas as posturas reacionárias marcadas pela ascensão de discursos conservadores e perspectivas políticas que buscam determinar o fim, não sem resistência, de conquistas de minorias sociais e/ou políticas que refletiram em agendas nos campos curriculares. A gramática político-pedagógica mobilizada pelos setores conservadores nas escolas envolve operações que interviem diretamente no núcleo da ação docente, a motivação e luta política. A estratégia do pânico moral busca, no âmbito da emoção docente, desde o golpe contra a Presidenta Dilma Roussef, a paralisia de agendas progressistas dos direitos humanos. Neste cenário de intensa disputa política que surgiu o POC’s: Grupo de Pesquisa Políticas dos Corpos, Cotidianos e Currículos na Faculdade de Educação da UFPel.

Ao considerar o corpo como um lócus de inscrição e significação da cultura, referenciados pelos Estudos nosdoscom os cotidianos, o Grupo tem por intenção repercutir pesquisas que busquem problematizar as políticas do corpo e seus efeitos na produção de marcadores sociais de diferença. Com isso, pretende-se examinar as tecnologias e conhecimentos engendrados pelo Estado, Movimentos Sociais e a Educação esperando contribuir com o aprimoramento de políticas cidadãs e da democracia. (CNPq, 2023).

 

Atualmente, o POCs atua em parceria com outras instituições, como a Universidade Federal do Tocantins, Universidade Federal do Oeste da Bahia e a Universidade da República de Uruguay, sendo um grupo interinstitucional e interdisciplinar vinculado. Como o objetivo geral, investiga as políticas que atravessam os territórios do corpo, os efeitos que essas políticas produzem sobre e sob as diferenças que constituem e/ou podem constituir a vida social, considerando os significados e os símbolos que são e/ou podem ser construídos na e pela cultura nosdoscom os cotidianos de praticantespensantesdissidentes (VITAL, 2022), considerando a análise e a interrogação de tecnologias e saberes que são e/ou podem ser (re)produzidos sobre e para os diferentes corpos na e com diferentes culturas; o que inclui as coletividades e as singularidades de quem vive-experimenta os cotidianos, sobretudo na Área da Educação (CAETANO, 2020).

Até aqui, o POC já produziu pesquisas e/ou estudos de relevância política e social na Área de Educação e/ou multidisciplinar, como:

  • A interrogação das heterotopias vivenciadas com uma escola de educação básica em Pelotas, problematizando os acontecimentos inesperados que podem ser e/ou são vividos por praticantespensantes na (re)significação de práticas docentes;
  • A interrogação, por pesquisa narrativa, de experiências e acontecimentos que se (re)constituem como parte da vida (constituem subjetividades e/ou produzem sentidos de vida) de jovens lésbicas e bissexuais que estudam em escolas públicas;
  • Estudo do/com cotidianos que, apoiado na pesquisa narrativa, evidenciou táticas e estratégias com que estudantes gays se constituem e permanecem na vida acadêmica da UFPel;
  • A interrogação de modos com que jovens, que vivem e/ou se constituem com/em favelas cariocas constroem outras redes mediantes as de perda, morte e ausência, bem como essas e esses jovens constroem táticas de reconhecimentoexistência por meio de espaços educativos;
  • Pesquisa que, utilizando o ensaio como forma, explorou o valor da experiência nas dinâmicas de ensino nas artes visuais em espaços acadêmicos, propiciando o alcance de um real profundo e/ou os modos como as emoções afetam a subjetividade em espaços educativos;
  • A investigação, por meio das escrevivências, de como a interseccionalidade entre marcadores de raça, gênero, classe e geração incidem nas trajetórias de vida de mulheres negras em Pelotas;
  • Estudo das formações de professoras e professores na perspectiva de um curso sobre ensino e gênero que, apoiado na pesquisa narrativa e fundamentado nos estudos dos/com cotidianos, evidenciou como saberesfazeres de professoras e professores podem reposicionar verdades no cotidiano das práticas pedagógicas.

No presente, o POC realiza pesquisas (trabalhos em andamento) com diversos temas e problemas, como:

  • A literatura virtual lésbica no ciberespaço na compreensão de como mulheres vivenciam o amor lésbico nos cotidianos;
  • Os modos com que instituições de guarda, preservação, valorização e divulgação das memórias LGBTI+ (re)constroem, disputam e educam sobre as identidades político-sexuais no atual contexto de recrudescimento e neoconservadorismo no mundo;
  • O possível impacto de experiências afetivo-familiares na composição de vivências e na construção de identidades raciais em pessoas que compõem famílias interraciais;
  • A interrogação de expectativas com que mães de filhas e filhos transexuais experimentam no interior das regulações de gênero, e os desdobramentos disso na constituição do dispositivo mãe.

Considerando o cenário de emergência do grupo de pesquisa POCs e a articulação das suas pesquisas nosdoscom os cotidianos e diversidade, sobretudo, com/na Área de Educação, nós podemos entender que a sua produção de saberes e conhecimentos mantém um pacto político e epistemológico com a pluralidade dos modos de ser, fazer, sentir e existir na vida social, privilegiando as sociabilidades que acontecem com/nas chamadas dissidências marcadas pelos atravessamentos de classe, raça/etnia, gênero e sexualidade. Sabendo disso, colocamos que a expansão temática e metodológica das pesquisas nosdoscom os cotidianos do POC, enquanto proposta e ação, questiona por princípios éticos (e até combate por posição política) projetos que são ultraconservadores e neoliberais – projetos que, sendo assim, apoiam e/ou produzem a violência, a subordinação, a exclusão e a aniquilação da diversidade e/ou existências ditas dissidentes que constituem o grupo de pesquisa e, ao mesmo tempo, constitui os seus meios e fins de trabalho. Não só pela atuante negligência sobre a Área de Educação, promovida por golpes que levaram ao governo anterior, mas pelo que as agendas reformistas que foram produzidas, manipuladas e impostas incidiram, também, nas escolas e universidades, sobretudo, aquelas que são públicas e gratuitas, aludindo ao desmonte de instituições que, além de constituição democrática, têm servido à democratização das vidas social e política no Brasil, na medida em que escolas e universidades têm sido meios de (trans)formar de classe, raça/etnia e gênero, por exemplo, operacionalizando a pluralidade de ser/existir no mundo. Nesse sentido, é possível concluir que o POCs privilegia os debates que consideram as correntes teórico-metodológicas que se voltam epistemologicamente, e praticamente (com práticas), aos cotidianos a partir do que vem sendo feito pelas mobilizações populares, sobretudo, em defesa da Educação pública e suas resistências contra as desigualdades com que o POC, direta ou indiretamente, evidencia, compreende e combate nas suas produções.

Publicado
31-10-2023
Seção
Movimentos Sociais e Práticas Transformadoras