A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
CAMINHOS E DESAFIOS PARA INTEGRAÇÃO
Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde (SUS), Serviço Social, formação profissional em saúde, currículoResumo
- Introdução
A atuação do assistente social no Sistema Único de Saúde (SUS) é fundamental para efetivar os princípios de integralidade, equidade e controle social. Conforme Sousa et al. (2020), na Atenção Básica este profissional atua na mediação entre as necessidades dos usuários e os recursos do SUS, sendo peça-chave para a concretização de práticas multiprofissionais e comprometidas com determinantes sociais da saúde. Yazbek (2009) e Iamamoto (2008) reforçam que sua presença contribui para fortalecimento de vínculos comunitários e promoção de saúde preventiva, substituindo abordagens puramente biomédicas por uma escuta qualificada (Sousa et al., 2020; Yazbek, 2009; Iamamoto, 2008).
A formação continuada e a atualização profissional são apontadas como estratégias essenciais para qualificar a atuação no SUS. Conforme estudo sobre a dimensão investigativa no Serviço Social, muitos assistentes sociais não possuem capacitação adequada para enfrentar dilemas ético-políticos e operacionais, comprometendo a leitura crítica da realidade (Iamamoto, 2008; Silva et al., 2014). A capacitação contínua, aliada ao projeto ético‑político profissional, permite a construção de mediações democráticas e emancipadoras, fortalecendo a intervenção coletiva e a defesa dos direitos sociais (Iamamoto, 2008; Benevides & Lima, 2023).
O aspecto ético-político constitui núcleo da identidade profissional no contexto do SUS. Bellato (2004) destaca que cada ato do assistente social deve configurar-se como prática emancipatória, orientada para a humanização e garantia de direitos. A pesquisa sobre contextos hospitalares enfatiza que a dimensão ética profissional articula-se de modo inseparável aos saberes técnico-metodológicos e à intervenção social, evidenciando a vocação da profissão para o fortalecimento da autonomia dos usuários (Munhoz, 2018).
O objetivo geral é analisar, a partir da literatura científica, como o Sistema Único de Saúde (SUS) é incorporado nos currículos para formação profissional em Serviço Social no Brasil, apontando caminhos e desafios para essa integração.
- Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, em uma abordagem qualitativa. A busca foi realizada no primeiro semestre de 2025, através dos descritores “Sistema Único de Saúde (SUS)”, “Serviço Social”, “formação profissional em saúde” e “currículo”, nos seguintes buscadores e/ou bases de dados: Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), e PubMed (base de dados e sistema de pesquisa online para literatura biomédica e de ciências da vida, desenvolvido e mantido pelo National Center for Biotechnology Information - NCBI da National Library of Medicine - NLM nos Estados Unidos da América - EUA).
Como critério de inclusão, foram selecionados apenas artigos publicados nos últimos 10 anos (com exceção para documentos/políticas atemporais e/ou com valor histórico), a fim de garantir a atualidade e a relevância das informações, em língua portuguesa, inglesa ou espanhola. A análise dos dados ocorreu de maneira crítico-reflexiva, a partir dos de referenciais teóricos, filosóficos e epistemológicos que ancoram o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e o SUS, e a organização dos resultados ocorreu com a identificação dos principais pontos em comum entre os autores e a sistematização das ideias em torno do tema central do estudo.
- Resultados e discussão
A formação do assistente social no Brasil deveria envolver necessariamente a incorporação do Sistema Único de Saúde (SUS) no currículo, a fim de promover uma atuação generalista, crítica e transformadora, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) (Brasil, 2002; Zarpelon et al., 2020).
As DCNs para cursos da área da saúde definem um profissional humanista, crítico, reflexivo e apto a exercer papéis no SUS, com competências como integralidade, equidade, gestão e educação permanente (Brasil, 2002; Campos et al., 2020). Segundo Zarpelon et al. (2020), o desenho curricular deve ser orientado pela integração ensino‑serviço‑comunidade, eliminando a dicotomia entre ensino e assistência. A integração ensino-serviço-comunidade (IESC) aparece como central para cumprir esse perfil.
Krawczyk, Schneider & Silveira (2018) mostram que, a partir das DCNs e da Política Nacional de Humanização, a IESC configura-se como promotora de práticas dialógicas, emancipatórias e protagonismo dos atores envolvidos, incluindo docentes, estudantes, profissionais do SUS e usuários. Essa articulação fortalece a humanização e a corresponsabilidade no cuidado.
Algumas experiências exitosas no Brasil merecem destaque, como em Bragança Paulista (SP), onde o modelo de Unidade de Saúde Escola Família (São Francisco de Assis) atendeu 2.646 usuários e 183 acadêmicos entre janeiro e junho de 2017, realizando 3.620 atendimentos. O projeto enfatizou acolhimento, discussão coletiva de casos e continuidade do cuidado, apontando avanços, como compreensão conceitual da IESC, e desafios quanto ao engajamento dos gestores (Negrini et al., 2017). Na FURB em Blumenau (SC), uma experiência de IESC vinculada à Política Nacional de Humanização utilizou vídeos como ferramenta de desenvolvimento participativo e vivência de experiências comunitárias. Os resultados reforçaram a educação dialógica e o protagonismo coletivo (Krawczyk et al., 2018). Já na UnB em Brasília (DF), as Faculdades de Saúde e Medicina estruturaram a partir de 2016, articulando disciplinas e cursos (incluindo Serviço Social), estágios interprofissionais, acolhimento e mostras de estágio. O sistema envolveu educação permanente, Núcleo Docente Estruturante (NDE) e preceptoria compartilhada com o SUS (Souza et al., 2017). Sobre possíveis caminhos para reflexão crítica no currículo de Serviço Social, pode-se cogitar a inserção contínua da IESC, com estágios e extensão desde o início do curso, com preceptoria compartilhada e ambientes de aprendizagem real (Zarpelon et al., 2020; Krawczyk et al., 2018); a formação docente, com capacitação em metodologias críticas e dialógicas, inspiradas na Política de Humanização (Krawczyk et al., 2018); o Projeto Ético‑Político da profissão, integrando debates sobre direitos sociais, controle social e determinantes sociais da saúde, na teoria e na prática; e avaliação participativa, com Comissões interinstitucionais (IES, SUS, usuários) para monitoramento e adequação das práticas formativas ( Campos et al., 2020).- Considerações finais
Persistem barreiras como o modelo biomédico técnico, fragmentação curricular, e dissenso entre planejamento acadêmico e operacionalização prática nos serviços de saúde. A consolidação do SUS como lócus formativo requer superar resistências institucionais e fortalecer a articulação entre ensino, serviço e comunidade. Embora experiências locais demonstrem potencial transformador, é necessário expandir, sustentar e aprofundar essas práticas para garantir uma formação crítica e integral do assistente social comprometido com o SUS.
Referências
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ZARPELON, F. et al. Integração ensino-serviço-comunidade: perspectivas do Comitê Gestor Local do Contrato Organizativo. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, 2020.
Agradecimentos: À Bolsa de Pós-Doutorado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), Edital 20/2024, pelo fomento à pesquisa, e à Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó-SC, e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Campus Florianópolis-SC, pelo apoio acadêmico e incentivo à ciência com qualidade.
