A PROFILAXIA PRÉ-EXPOSIÇÃO AO VÍRUS HIV (PrEP) EA PREVENÇÃO COMO PILAR DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA
Palavras-chave:
Profilaxia Pré-Exposição, HIV, Pessoal de Saúde, Prevenção de DoençasResumo
- Introdução
No ano de 2024, no território brasileiro, foram notificados 19.928 novos casos de HIV, segundo o Boletim Epidemiológico, sendo que 73,3% dos novos casos ocorreram em homens, com maior incidência na faixa etária de 25 a 29 anos em ambos os sexos (Brasil, 2024a). Frente a esse cenário, o Brasil pactuou ações que visam o enfrentamento da epidemia por meio de novas metodologias de cuidado e gestão, sendo uma dessas estratégias a disponibilização pelo Sistema Único de Saúde (SUS) da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP, do inglês Pre-Exposure Prophylaxis) que consiste no uso combinado de dois antirretrovirais orais que atuam reduzindo o risco de adquirir a infecção. A PrEP foi instituída no SUS em 2017, e foi incorporada de forma gradativa nos Serviços de Atenção Especializada (SAE) em HIV e AIDS (Brasil, 2022).
Em relação à PrEP, a população LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros/Transexuais/Travestis, Queer, Intersexo, Assexuais, Pansexuais, Não binário, e outras possibilidades de orientação sexual e identidade de gênero) ainda é a que mais utiliza desse serviço apesar da estratégia estar indicada para todas as pessoas em situação de vulnerabilidade para o HIV (Brasil, 2022).
Ainda, é fundamental discutirmos a assistência à pessoa que faz uso da PrEP, promovendo um cuidado integral, contínuo e humanizado (Brasil, 2022). Entretanto, diversos estudos apontam a fragilidade desta assistência, seja pelo abandono do uso de outros métodos de prevenção, interrupção do protocolo, e também assistência profissional fragilizada (Barbosa et al, 2022; Cruz Filho, 2021).
Portanto, o objetivo geral do estudo é analisar, a partir da literatura científica, como a PrEP vem sendo compreendida e utilizada no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), à luz do conceito de prevenção como pilar para sua consolidação.
- Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, em uma abordagem qualitativa. A busca foi realizada no primeiro semestre de 2025 no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), e PubMed (base de dados e sistema de pesquisa online para literatura biomédica e de ciências da vida), por meio dos descritores “Profilaxia Pré-Exposição”, “HIV”, “Pessoal de Saúde” e “Prevenção de Doenças”.
Como critério de inclusão, foram selecionados apenas artigos e documentos oficiais dos órgãos brasileiros publicados nos últimos 10 anos, a fim de garantir a atualidade e a relevância das informações, em língua portuguesa e inglesa. Os dados foram interpretados com base em uma perspectiva crítica e reflexiva, guiada pelos fundamentos teóricos, filosóficos e epistemológicos que sustentam tanto o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira quanto o SUS. A organização dos achados se deu pela identificação de convergências entre os autores e pela articulação das ideias em torno do eixo temático principal do estudo.
- Resultados e discussão
Frente a esse cenário, a PrEP surge como uma estratégia no âmbito da prevenção combinada, a qual configura-se como um conjunto de ações biomédicas, comportamentais e socioestruturais que buscam adequar ações de prevenção junto às possibilidades e perfil de cada indivíduo (Pimenta et al., 2022; Brasil, 2022). Além disso também podem ser utilizadas diversas outras estratégias, como a testagem regular, uso habitual e correto de preservativos, diagnóstico oportuno e tratamento de IST, estratégias de redução de danos, entre outros, sem hierarquização entre as estratégias, devendo ser centradas à realidade e desejo de cada usuário e grupo social (Brasil, 2022). Ainda, a PrEP surge como uma estratégia que fortalece também a gestão individual do risco, uma vez que não depende do parceiro, e sim do indivíduo que escolhe fazer o uso (Pimenta et al., 2022).
Atualmente no Brasil, há 108.878 usuários da profilaxia, sendo que do total de usuários, 81,3% identificam-se como homens cis gays ou outros homens que fazem sexo com homens (HSH), 7,2% como homens cis heterossexuais, 6,2% como mulheres cis, 2,9% como mulheres trans, 1,6% como homens trans, 0,5% como não bináries e 0,2% como travestis (Brasil, 2024b). Entretanto, apesar do uso da PrEP ser maior entre a população LGBTQIAPN+, a indicação do uso dos medicamentos perpassa também outros critérios, principalmente relacionados aos comportamentos sexuais de risco, como alta frequência de relações sem uso de preservativo, histórico de IST frequentes, recorrente uso de PEP, prática de relações sexuais como moeda de troca para moradia, drogas ou outros, e uso de drogas psicoativas durante a relação (Brasil, 2022).
Diante disso, a análise perpassa não apenas critérios protocolares, mas também uma escuta ativa, acolhimento e confiança entre paciente e profissional de saúde, de forma a criar vínculos que possibilitem o reconhecimento de potencialidades e vulnerabilidades. Ainda, é imprescindível a identificação de quais são as percepções de risco que o indivíduo compreende, orientando-o de forma individualizada, focado na pessoa e em suas práticas sexuais, visando ajudá-la a reconhecer e gerenciar seu risco de forma mais eficaz (Brasil, 2022).
No que diz respeito às evidências científicas que comprovam a eficácia do uso da profilaxia, foi realizado um ensaio randomizado aberto em 13 clínicas de saúde sexual na Inglaterra, entre os anos de 2012 a 2014 no qual foi identificado que a PrEP conferiu proteção ainda maior contra o HIV do que em ensaios controlados por placebo, refutando preocupações de que a eficácia seria menor num mundo real (McCormack et al., 2016). Em 2015, outro estudo fundamental foi realizado na França e Canadá, com objetivo de avaliar a eficácia e segurança da PrEP sob demanda, no qual foi concluído que a PrEP sob demanda reduz o risco de infecção por HIV entre HSH (Molina et al, 2015). Após, os pesquisadores convidaram 361 indivíduos previamente inscritos no estudo anterior para participar de uma extensão aberta entre 2014 e 2015, e ao final, foi observada uma redução de 97% na incidência de soroconversão quando comparada ao estudo anterior. Portanto, os autores concluem que a PrEP sob demanda possui uma alta eficácia entre HSH em alto risco de adquirir HIV (Molina et al., 2015).
Ademais, no que tange à atuação dos profissionais de saúde na assistência ao usuário da PrEP, é fundamental que os profissionais estejam preparados para realizar um aconselhamento adequado, abordando questões relacionadas às sexualidades, vulnerabilidades e riscos, além de estimular a reflexão do usuário (Pimenta et al., 2022). Para que isso aconteça faz-se necessário, além do acolhimento ao usuário, também a escuta qualificada, de forma a identificar as vulnerabilidades e necessidades dos indivíduos, garantindo assim que as estratégias recomendadas estejam de acordo com as necessidades e desejo do usuário, o engajando nas condutas.
Portanto, a introdução da PrEP como uma estratégia de prevenção no SUS, traz à luz também a readequação dos processos de trabalho dos profissionais e serviços, além da necessidade de avanço nas práticas no que diz respeito às recomendações normativas por parte dos profissionais de saúde, sendo fundamental portanto uma prática e abordagem dialógica com o usuário.
- Considerações finais
Diante do exposto, é possível inferir que a PrEP possui um papel fundamental no controle da epidemia de HIV/AIDS, não só no Brasil, como também no cenário internacional, além de ser uma estratégia muito eficaz para grupos sociais marginalizados que possuem maior dificuldade em negociar o uso do preservativo, ou também para aqueles que não o utilizam pelos mais diversos motivos.
Para isso, é fundamental que os profissionais estejam seguros ao abordar questões preventivas e sexuais, e compreendam a PrEP como uma estratégia fundamental na redução dos novos casos de infecção pelo HIV, por meio de formações e capacitações aliadas à busca de conhecimento e aprimoramento individual, de forma a promover uma assistência integral aos usuários.
Referências
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