IMPACTO DA CONTENÇÃO FISICA SOB A VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDIACA NO ELETROCARDIOGRAMA CONVENCIONAL EM CÃES
Palavras-chave:
Atividade simpatovagal, Bem-estar animal, Eletrocardiografia, Frequencímetro, Sistema Nervoso AutônomoResumo
- Introdução
A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) quantifica as flutuações temporais entre batimentos cardíacos consecutivos, sendo um indicador não invasivo da modulação do Sistema Nervoso Autônomo (SNA) (MCCRATY; SHAFFER, 2015). A dinâmica de um coração saudável não exibe regularidade fixa, mas oscilações complexas que refletem a capacidade adaptativa do organismo para manter a homeostase frente a desafios (SHAFFER; GINSBERG, 2017).
Na medicina veterinária, a VFC consolidou-se como um marcador quantitativo da dinâmica autonômica para avaliar estresse e bem-estar (VON BORELL et al., 2007; VANDERLEI et al., 2009). Sua aplicação é particularmente relevante na cardiologia, onde o desequilíbrio autonômico, com aumento do tônus simpático e redução da atividade parassimpática (vagal), está associado à progressão de cardiopatias como a Doença Valvar Degenerativa Mitral, a mais prevalente em cães (KEENE et al., 2019; BAISAN et al., 2021).
A problemática da pesquisa emerge das limitações dos métodos de aferição padrão. O eletrocardiograma (ECG) convencional e o Holter, considerados padrão-ouro, requerem contenção física em ambiente clínico, fatores que atuam como estressores agudos (JONCKHEER-SHEEHY et al., 2012; BIDOLI et al., 2022). O estresse ativa o ramo simpático do SNA, elevando a frequência cardíaca e alterando os índices de VFC, o que pode mascarar o estado autonômico basal e conduzir a interpretações equivocadas (BEERDA et al., 1998). Esta análise deve ser considerada em cães com hiperatividade simpática crônica, comuns em cardiopatias (BAISAN et al., 2021).
Postula-se que um sensor cardíaco portátil (Polar H10), aplicado sem contenção física, pode fornecer medições da VFC com acurácia comparável ao ECG, minimizando o estresse iatrogênico. A justificativa do estudo reside na necessidade de validar métodos diagnósticos precisos, acessíveis e alinhados ao bem-estar animal. A contribuição acadêmica consiste na comparação de uma tecnologia vestível com o padrão-ouro, focando na variável crítica do estresse de contenção. Clinicamente, a validação de um método portátil e de menor custo (JONCKHEER-SHEEHY et al., 2012) pode democratizar a análise da VFC para um monitoramento prognóstico mais refinado, enquanto o impacto social reside na promoção de práticas veterinárias menos estressantes.
O objetivo geral é validar o uso do sensor Polar H10 como método alternativo para aferir a VFC em cães, comparando seus resultados aos do ECG, com foco em sua aplicabilidade em cães com DVDM e na influência da contenção. Os objetivos específicos incluem: (a) validar a acurácia do Polar H10 contra o ECG em cães saudáveis; (b) avaliar a viabilidade do método sem contenção para reduzir o estresse; (c) analisar e comparar os parâmetros de VFC (Frequência Cardíaca, SDNN, pNN50, RMSSD, Índice cardiovagal e entropia aproximada) em cães cardiopatas; e (d) investigar o efeito da contenção física sobre esses índices nos mesmos pacientes.
- Metodologia
O presente estudo, a ser conduzido após aprovação pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA), avaliará cada cão em dois momentos distintos para atender aos objetivos propostos e consistirá em duas fases principais. O tamanho amostral, calculado pelo software G*Power 3.1, foi estimado em 23 cães, considerando um teste de correlação bivariada com poder estatístico (1–β) de 95%, nível de significância (α) de 0,05 e tamanho de efeito (ρ) de 0,70 (bicaudal).
Serão incluídos cães hígidos, com idade até 6 anos e peso entre 3 e 15 kg. Para garantir melhor fixação e conforto, a adaptação do monitor Polar H10 utilizará eletrodos adesivos fixados na região torácica do animal, após tricotomia e assepsia.
A primeira fase será a de validação, na qual serão utilizados os 23 animais hígidos. Nela, a coleta de dados ocorrerá em dois momentos: primeiro, uma aferição isolada, na qual o animal, equipado apenas com o sensor de frequência cardíaca, permanecerá por 5 minutos em um ambiente controlado e sem contenção física, visando avaliar a viabilidade do método e obter os parâmetros de VFC em um cenário de mínimo estresse.
Em seguida, ocorrerá a aferição simultânea, onde cada cão será equipado com o Polar H10 e, ao mesmo tempo, com os eletrodos do eletrocardiógrafo InCardio X em decúbito lateral por 5 minutos, permitindo uma comparação direta. A análise estatística para esta validação comparará os dados simultâneos pelo método de Bland-Altman e pelo teste de correlação de Pearson ou Spearman.
A segunda fase consistirá na avaliação do estresse de contenção na Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) em 24 cães com diagnóstico de doença valvar degenerativa. Estes animais passarão por um protocolo sequencial: uma aferição de 5 minutos com o frequencímetro sem contenção, seguida por outra de 5 minutos com o ECG convencional, que exige contenção.
A análise desta etapa comparará os parâmetros de VFC obtidos nos dois momentos (sem e com contenção) por meio de testes para amostras pareadas, a fim de inferir os efeitos do estresse sobre o sistema nervoso autônomo. As variáveis analisadas em todas as etapas serão: frequência cardíaca, SDNN, RMSSD, pNN50, índice cardiovagal e Entropia Aproximada.
- Resultados e discussão
O principal resultado esperado é a validação do sensor frequencímetro, adaptado com eletrodos adesivos, como um método acurado e confiável para a aferição da VFC em cães, demonstrando uma forte correlação estatística com os parâmetros obtidos pelo ECG convencional. Adicionalmente, espera-se observar uma diferença significativa nos perfis autonômicos registrados pelos dois métodos. A hipótese central é que os registros realizados com o frequencímetro vestível, na ausência de contenção física, revelarão um estado de menor estresse, caracterizado por uma frequência cardíaca mais baixa e valores de VFC indicativos de maior atividade parassimpática (maior RMSSD e pNN50) em comparação com os registros do ECG, que envolvem contenção.
Prevê-se que essa distinção seja ainda mais pronunciada no grupo de cães cardiopatas. Nesses pacientes, a ativação simpática crônica decorrente da doença poderia ser exacerbada pelo estresse da contenção durante o ECG, enquanto o método com o frequencímetro, permitiria uma avaliação mais fidedigna de seu estado autonômico basal. Caso os resultados confirmem essas expectativas, o estudo poderá estabelecer o uso do frequencímetro vestível como uma alternativa metodológica superior, não apenas por sua portabilidade e menor custo, mas principalmente por minimizar o viés do estresse iatrogênico, representando uma evolução significativa para a prática clínica e para a pesquisa em cardiologia e bem-estar animal na medicina veterinária.
- Considerações finais
Este projeto de pesquisa busca resolver o desafio de obter dados fisiológicos precisos de cães com o mínimo de estresse, validando uma tecnologia vestível (Polar H10) como alternativa aos métodos que exigem contenção física. Por meio de uma análise comparativa com o ECG convencional, o estudo pretende não só confirmar a acurácia do novo dispositivo, mas também medir o impacto que o estresse do manejo causa nos próprios resultados.
A pesquisa espera demonstrar que um método com contenção mínima pode fornecer dados mais acurados sobre o estado autonômico, o que beneficiaria especialmente pacientes vulneráveis, como os cardiopatas, melhorando a qualidade do diagnóstico e do acompanhamento. O objetivo final é fornecer bases científicas para a incorporação de tecnologias mais inteligentes e empáticas na rotina veterinária, avançando o conhecimento na área e reforçando o compromisso com o bem-estar animal por meio de práticas menos estressantes.
Referências
BAISAN, R. et al. Heart rate variability in different stages of myxomatous mitral valve disease in dogs. Animals, v. 11, n. 9, p. 2724, 2021.
BEERDA, B. et al. Behavioural, saliva cortisol and heart rate responses to different types of stimuli in dogs. Applied Animal Behaviour Science, v. 58, n. 3-4, p. 365-381, 1998.
BIDOLI, E. et al. The dog’s-eye view of the world: a study on the correlation between dog behaviour and heart rate in an animal-assisted intervention. Animals, v. 12, n. 3, p. 331, 2022.
JONCKHEER-SHEEHY, V. S. et al. Validation of a heart rate monitor for measuring heart rate and heart rate variability in adult dogs under stationary conditions. Journal of Veterinary Behavior, v. 7, n. 4, p. 205-212, 2012.
KEENE, B. W. et al. ACVIM consensus guidelines for the diagnosis and treatment of myxomatous mitral valve disease in dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 33, n. 3, p. 1127-1140, 2019.
MCCRATY, R.; SHAFFER, F. Heart rate variability: new perspectives on physiological mechanisms, assessment of self-regulatory capacity, and health risk. Global Advances in Health and Medicine, v. 4, n. 1, p. 46-61, 2015.
SHAFFER, F.; GINSBERG, J. P. An overview of heart rate variability metrics and norms. Frontiers in Public Health, v. 5, p. 258, 2017.
VANDERLEI, L. C. M. et al. Basic notions of heart rate variability and its clinical applicability. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery, v. 24, n. 2, p. 205-217, 2009.
VON BORELL, E. et al. Heart rate variability as a measure of autonomic regulation of cardiac activity for assessing stress and welfare in farm animals—a review. Physiology & Behavior, v. 92, n. 3, p. 293-316, 2007.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
