HISTORICIDADE DO FEMININO
UMA ABORDAGEM DE GÊNERO EM NARRATIVAS DA GRÉCIA ANTIGA
Palavras-chave:
HISTORICIDADE DO FEMININO, GRÉCIA ANTIGAResumo
A proposta pesquisa de gênero em História Antiga tem como interesse perceber o uso de fórmulas mágicas a partir das feiticeiras Circe e Medeia (personagens descritas em Homero e Eurípedes) em comparação ao saber utilizado por mulheres estrangeiras que circulavam pelo espaço da Atenas clássica. Assim, objetivando uma análise historiográfica das fontes literárias, busca-se debater sobre gênero e alteridade.
A fonte do trabalho corresponde a dois livros: Odisseia, de Homero (750-650 a.C.) dentre os Cantos que se obtém informações sobre Circe mais detalhadamente no X; e a tragédia intitulada Medeia, de Eurípides (480-406 a. C.). Ambos os livros são versões bilíngue (grego-português) da Editora 34, com tradução de Trajano Vieira. Considerando as obras e as figuras femininas representadas, a análise compara às mulheres estrangeiras na pólis ateniense entre os séculos V e IV a.C., recorte espacial e temporal do tema.
Diante disso, a problemática de pesquisa está em como lidar com as feiticeiras Circe e Medeia por intermédio da aplicação do conceito de gênero e buscando compara-las com as mulheres estrangeiras, em relação à Atenas. Algumas questões que norteiam o problema central, seriam: como essas narrativas contribuem para a construção das relações de gênero na antiguidade grega? Isto é, considerando as complexidades da aplicação do conceito de gênero para uma civilização anterior à criação do termo, e os desafios de lidar com representações femininas fictícias, somando a isso o silenciamento de fontes, como seria possível trabalhar com as representações femininas neste cenário?
Para lidar com a questão, o trabalho parte do objetivo geral de analisar a relação existente entre mulheres míticas de fontes literárias e estrangeiras da Atenas clássica, para compreender a realização das práticas mágicas, assim como seu uso e necessidades. Para isso, a pesquisa objetiva apresentar e analisar as personagens Circe e Medeia, conforme descritas nas fontes, destacando suas características e simbolismo. Igualmente, discutir a prática de fórmulas mágicas entre as mulheres estrangeiras na relação com o corpo feminino e as necessidades medicinais, aplicar o conceito de gênero para o feminino antigo dentro das suas possibilidades, assim como identificar e analisar implicações das práticas mágicas realizadas por mulheres estrangeiras, percebendo tipos femininos.
Portanto, o estudo se justifica principalmente a partir do que coloca a historiadora Joan Scott após apresentar sua definição do conceito de gênero, ao final do texto, quando aponta como "a exploração dessas questões fará emergir uma história que oferecerá novas perspectivas sobre velhas questões [...], redefinirá velhas questões em novos termos" (Scott, 2017, p. 93). Assim, ela chama atenção para a importância do esforço envolvido em trabalhos que se dedicam para a contribuição dessa nova história, possibilitando uma outra reflexão. Redefinir antigas questões em novos termos se propõe a presente pesquisa ao refletir acerca do gênero feminino enquanto um participante ativo, vide as relações de poder e, justifica-se ainda, na compreensão da influência que os mitos possuem ao moldar percepções na civilização antiga, especialmente sobre papéis atribuídos ao feminino.
Em suma, a pesquisa de gênero que privilegia o feminino é um campo de pesquisa que permanece recente e a aplicação para as sociedades pré-modernas é ainda um campo mais desafiador e pouco explorado. Assim como recorda Pinsky (2019, p. 11): “No século XX, descobriu-se que as mulheres têm uma história e, algum tempo depois, que podem conscientemente tentar tomá-la nas mãos, com seus movimentos e reivindicações”, num contexto em que afinal deu-se conta que a história das mulheres podia ser escrita, afirmando a consolidação da área acadêmica em sua época. Entretanto, em meio a outros domínios da historicidade e frente a cronologia de inferiorização do feminino, o estudo de gênero permanece um campo recente e desafiador – especialmente quando aplicado em temporalidades longínquas – de modo que Perrot (1995, p. 9), em uma Conferência de 1994, expressa como "escrever uma história das mulheres é um empreendimento relativamente novo e revelador de uma profunda transformação".
Enfim, em Pimentel (2014, p. 205) acerca da pluralidade que implica admitir que sociedades diferentes teriam dessemelhantes concepções de homem e mulher, no interior de uma mesma sociedade, as concepções variam por interseccionalidade e, “além disso, implicaria admitir que os conceitos de masculino e feminino se transformam ao longo do tempo, ou seja, o gênero se transforma”. Desse modo, a presente pesquisa apresenta sua função social pela emergência da história escrita através do estudo de gênero, este, que se constitui historicamente e é identificado pela construção social.
