EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA EM CONSTRUÇÃO
CAMINHOS E DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/2003
Palavras-chave:
Educação Antirracista, Relações Étnico-Raciais, Políticas públicas, Lei 10.639/2003Resumo
- Introdução
A trajetória de vida da população negra no Brasil é composta por tráfico, comércio, trabalho forçado, castigos físicos e nenhum direito. A abolição da escravatura no Brasil foi concretizada com a assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, contudo, a vida do negro egresso do cativeiro, tomou caminhos de busca pela sobrevivência, já que por parte governamental, inexistiam leis que os beneficiassem. Conforme Munanga (1999, p. 63) “desde a abolição, os pretos tinham ficado expostos a toda espécie de agentes de destruição e sem recursos suficientes para se manter”. Assim, o negro permaneceu nas fazendas ou foi para periferias urbanas, mas nas duas possibilidades, não tinha como se subsistir e tornou-se marginalizado.
Como resultados da luta do povo negro pela conquista de reconhecimento e direitos, nas últimas décadas, leis e decretos são promulgados, datas comemorativas instituídas e campanhas contra o racismo realizadas. No contexto educacional, normativas orientadoras e legais instituíram a obrigatoriedade da promoção da educação para as relações étnico-raciais nas escolas brasileiras, com a revisão das Matrizes Curriculares Educacionais. No entanto, mesmo após mais de vinte anos da Lei 10.639/2003, que incluiu o ensino da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, observamos que a educação antirracista caminha a pequenos passos.
Percebendo a relevância deste tema, verificando resultados de pesquisas, dissertações e teses, constata-se que há ainda uma longa caminhada para que as políticas públicas de educação para as relações étnico raciais se efetivem. Assim sendo, este resumo expandido visa apresentar uma pesquisa em andamento que tem como objetivo analisar a implementação da Lei 10.639/2003, no contexto educacional dos 11 municípios de abrangência da 32ªCRE São Luiz Gonzaga, localizada no estado do Rio Grande do Sul, a fim de compreender como a Educação das Relações Étnico-raciais pode promover uma Educação Antirracista. A problemática que motiva esta pesquisa é: como a Lei 10.639/2003 vem sendo implementada nas escolas públicas da 32ª CRE e em que medida essa implementação tem contribuído para a construção de uma Educação Antirracista, frente aos desafios históricos, institucionais e pedagógicos, impostos pelo racismo estrutural?
Desta forma, a relevância do estudo deste tema é verificar a implantação de uma política pública em construção no país em um contexto regional, mapear o trabalho pedagógico desenvolvido e compreender as potencialidades da educação escolar para as relações étnico-raciais produzirem uma educação antirracista.
- Metodologia
Este trabalho será desenvolvido por meio de uma abordagem qualitativa, ancorada no Ciclo de Políticas de Steffen Ball, que constitui-se em um referencial analítico útil para a análise de programas e políticas educacionais (Mainardes, 2006). Embora o modelo contemple cinco contextos distintos, esta pesquisa concentrar-se-á em três: o contexto de influência, o contexto da produção do texto e o contexto da prática.
A pesquisa bibliográfica se baseará em obras de autores que abordam as políticas raciais e educacionais como, Fernandes (1972), Munanga (2005), Almeida (2019), Gomes (2012), bem como em teses e dissertações consultadas nas bases de dados da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e da BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações).
Para aprofundar a compreensão do tema será realizada uma pesquisa documental, com análise da Lei nº 10.639/03, do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/10), do Parecer CNE/CP nº3/2004, do Plano estadual de implementação das DCN’s para a educação das relações étnico-raciais, entre outros. Isso proporcionará uma visão mais clara sobre o contexto de influência e contexto da produção do texto.
Para a análise do contexto da prática (terceiro contexto segundo a proposta de Ball), realizar-se-á a pesquisa de campo em onze escolas públicas pertencentes à 32ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), uma de cada município. A coleta de dados será feita por meio da aplicação de questionários semiestruturados em formulário eletrônico, com estudantes das turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º, 7º, 8º e 9º anos), professores dos componentes curriculares de História, Arte e Língua Portuguesa, além dos supervisores. Ainda, para análise do contexto da prática, poderão ser incluídos planejamentos trimestrais/anuais dos professores entrevistados ou registros da escola sobre atividades relevantes.
- Resultados e discussão
A história brasileira nos mostra que, no período pós-abolição, o estado brasileiro não assumiu qualquer responsabilidade em reparar os séculos de escravidão. Parafraseando Fernandes (1978), a abolição ocorreu sem um projeto de integração social da população negra, o que permitiu a reprodução das desigualdades sob novas formas no regime republicano. Essa omissão institucional contribuiu para perpetuar um racismo estrutural e institucional que ainda marca profundamente a sociedade brasileira. Somente décadas após a abolição é que parte da população negra foi incorporada a determinados setores do trabalho formal, como o exército, as guardas municipais e as ferrovias, em funções que, apesar de oferecerem alguma estabilidade, ainda reproduziam hierarquias sociais racializadas e limitavam a ascensão social.
Diante desse cenário de exclusão e silenciamento, a população negra construiu formas próprias de resistência. Reuniram-se em associações culturais, clubes recreativos, sociedades de leitura, espaços de convivência, além de jornais e divulgações de suas questões nos meios de comunicação. Iniciaram-se assim, os primeiros movimentos em prol da causa negra. Mesmo com todos os obstáculos históricos, os movimentos negros (Gomes, 2017), desempenharam papel fundamental na construção de uma consciência política antirracista, pressionando o Estado a reconhecer a centralidade da questão racial nas políticas educacionais, culturais e sociais.
Durante a ditadura militar em 1978, surgiu o movimento negro que lutou para o fim do preconceito e a discriminação, mas devido às repressões, são excluídos das discussões governamentais. Todavia, no período pós-ditadura, Munanga (1999) enfatiza que o movimento ganha força estando em pauta nas discussões de rua, na mídia e que atinge grande número de simpatizantes, conseguindo enfim chamar a atenção do governo para suas reivindicações e adquirir um lugar na agenda governamental. Isto resultou em avanços da questão racial em lei, posta na Constituição Federal de 1988 e daí em diante, intensificam-se os movimentos para valorização da população negra.
A partir de 1996, criam-se grupos de trabalho, participação de conferências, implementação de políticas de cotas, criação de secretarias para o cumprimento de políticas de combate ao preconceito, assim como, a instituição oficial do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, entre outras políticas afirmativas.
No campo educacional, a Lei 10.639 foi sancionada em 2003 e instituiu o ensino da cultura e história afro-brasileiras e africanas, alterando a Lei 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A partir desta lei, mudanças no ensino precisam ser implantadas e vários estudos buscam analisar e qualificar estas práticas. Gomes (2012, p. 23), reflete que “do papel para a vida social, há uma grande distância a ser transposta e o desencadeamento desse processo não significa sua efetiva adoção, tampouco seu completo enraizamento no chão das escolas públicas e privadas do país”.
Neste sentido, esta pesquisa parte do entendimento de que a implementação da Lei 10.639/2003 representa uma conquista histórica do movimento negro brasileiro. No entanto, apesar dos avanços normativos e das diretrizes estabelecidas pelo Estado, ainda persistem desafios e lacunas entre o plano legal e a realidade escolar, para que essa legislação seja efetivamente incorporada às práticas pedagógicas cotidianas; o que evidencia a necessidade de aprofundar o debate sobre os fatores que dificultam ou potencializam a efetivação da educação das relações étnico-raciais.
- Considerações finais
Frente ao problema de pesquisa e com base nos estudos bibliográficos e documentais realizados até o momento, constata-se que, mesmo após mais de duas décadas da promulgação da Lei 10.639/2003, a educação para as relações étnico-raciais ainda encontra obstáculos para sua efetivação. A análise da produção acadêmica demonstra que, apesar da existência de políticas públicas voltadas ao enfrentamento do racismo e à valorização da história e cultura afro-brasileira, ainda há resistências institucionais, lacunas na formação docente e falta de continuidade nas ações implementadas.
Com o andamento do trabalho, nos próximos semestres e com o início da pesquisa de campo nas escolas da 32ª Coordenadoria Regional de Educação, espera-se obter dados mais aprofundados que possibilitem ampliar essa análise. Entretanto, o que já se pode afirmar é que ainda são necessárias mudanças estruturais e culturais dentro do ambiente escolar. É preciso garantir tempo e espaço para estudos, rodas de conversa, grupos de formação continuada e práticas pedagógicas reflexivas, que favoreçam a compreensão da relevância da educação das relações étnico-raciais, para que assim, possamos construir em nossas escolas uma educação antirracista.
Referências
BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 jan. 2003;
COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 9.ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2010;
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972;
GOMES, Nilma Lino. (org.) Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei nº 10.639/03. Brasília: MEC; Unesco, 2012;
GOMES, Nilma Lino. O Movimento negro educador: saberes construídos na luta por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017;
MAINARDES. Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 47-69, jan./abr. 2006;
MUNANGA. Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999;
Agradecimentos UFFS E CNPq
