Promoção da Saúde da População LGBTQIAPN+ no Brasil – Relato de Experiência de Ensino- Aprendizagem

Autores

  • Diego Gabriel Santos de Oliveira UFFS - Campus Chapecó
  • Marcela Martins Furlan de Leo UFFS - Campus Chapecó
  • Cláudio Claudino da Silva Filho UFFS - Campus Chapecó

Resumo



Promoção da Saúde da População LGBTQIAPN+ no Brasil – Relato de Experiência de Ensino- Aprendizagem

Diego Gabriel Santos de Oliveira

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e bolsista da CAPES 

Cláudio Claudino da Silva Filho

Professor do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

Marcela Martins Furlan de Léo

Professora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) marcela.leo@uffs.edu.br 



  1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 e o Sistema Único de Saúde (SUS) pretendem assegurar o direito à saúde universal e equânime no Brasil. No entanto, as necessidades de saúde da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans/ travestis, Queer, Interssexuais, Assexuais, Pansexuais, Gênero Não Binário e outras posicionalidades sexuais e de gênero (LGBTQIAPN+), minoria social de origem sexual e de gênero, são frequentemente negligenciadas devido a barreiras estruturais, como discriminação, falta de preparo dos profissionais de saúde e LGBTfobia institucional (Miskolci et al., 2022). Diante das desvantagens históricas, sociais e de saúde que os vulnerabilizam, a Política Nacional de Saúde Integral LGBT (PNSI-LGBT), instituída em 2011, representa um marco ao reconhecer as especificidades desse grupo e propor diretrizes para garantir seu acesso à saúde integral (Brasil, 2011). 

Apesar dos avanços que asseguram os direitos do grupo, o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans (ANTRA, 2025) e a população LGBTQIAPN+ enfrenta maiores riscos de adoecimento mental, suicídio e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), em comparação com a população geral (Brasil, 2024; OMS, 2022), refletindo determinantes sociais como exclusão familiar, desemprego e estigma, que limitam o acesso a saúde e perpetuam ciclos de vulnerabilidade (Ayres, 2000; Rocon et al., 2020). Nesse contexto, a formação em saúde emerge como ferramenta central para transformar práticas profissionais e sociais que possam contribuir com um modelo equitativo de promoção de saúde que responda às necessidades do grupo. 

Este estudo objetiva relatar a experiência de ensino sobre promoção da saúde LGBTQIAPN + para enfermeiros pós graduandos em Enfermagem, realizada no formato de seminário proposto pelo Programa de Pós Graduação em Enfermagem (Mestrado Acadêmico) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).

 

  1. Metodologia

Trata-se de um relato de experiência de ensino baseada na estratégia metodológica da roda de conversa (Melo et al., 2016) sobre promoção da saúde LGBTQIAPN+, conduzida por um enfermeiro, integrante da comunidade LGBTQIAPN+, estudante do curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem (Mestrado Acadêmico), área de concentração Enfermagem em Saúde Coletiva, do Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus Chapecó-SC, enquanto requisito para aprovação na disciplina Promoção da Saúde a Grupos Vulneráveis em Região de Fronteira. O público alvo foi composto por enfermeiros mestrandos do mesmo Programa. 

A roda de conversa foi eleita diante de sua proposta de  construção dialógica, democrática e coletiva (Sampaio et al., 2014), pautada nas construções pedagógicas progressistas de natureza freiriana, que ao afirmar que “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam em comunhão” (Freire, 1970, p. 67), desconstrói a educação bancária, tradicionalista e apresenta a partir da comunhão entre saberes, uma educação problematizadora a partir do diálogo, em que educandos interagem com seus facilitadores. Esta metodologia assegura vez e voz aos participantes e sua conotação circular permite que os olhos se atravessem e oportuniza revisitações a experiências pessoais, enriquecendo suas reflexões, elucidando a força formativa das expressões da fala, do fazer e do pensar, tornando o que poderia ser uma simples conversa um conjunto de atributos culturais, históricos e políticos do coletivo (Oliveira; Gama, 2024),particularmente desejável para problematizar a complexidade da promoção da saúde de grupos minoritários, atravessados por representações sociais. 

Quando os presentes se organizaram em roda, foram utilizadas três estratégias, em torno das quais foram provocados a verbalizar suas experiências com o grupo LGBTQIAPN+, percepções, indagações e crenças: 1. Pergunta disparadora; 2. Explanação estruturada e 3. Exibição de documentário temático. A pergunta disparadora foi: “Como promover saúde para a população LGBTQIAPN+?”, deflagrando o início da discussão a partir dos saberes pertencentes e das experiências de cada participante, permitindo o diálogo guiado (Melo et al., 2016). Prosseguiu-se com uma explanação estruturada, com recurso áudio visual, que buscou sistematizar o conhecimento sobre o processo saúde doença e promoção da saúde LGBTQIAPN+. Em seguida foi exibido o documentário Rainha da Lapa*, que retrata a vida de Luana Muniz, travesti e ativista pelos direitos LGBTQIAPN+, para ampliar a discussão sobre atravessamentos de suas vivências práticas, como enfermeiros de diferentes níveis de atenção em saúde. 



  1. Resultados e discussão

 A história das políticas públicas para a população LGBTQIA+, desde os anos de 1980, quando a epidemia de HIV/Aids levou à criação de programas focados no controle da doença e na estigmatização de seus corpos, até a consolidação da PNSI-LGBT, implica avanços significativos, como a oferta do processo transexualizador pelo SUS para pessoas trans. No entanto, a implementação dessas políticas ainda esbarra em resistências culturais e descontinuidades administrativas. A extinção de comitês de participação social em 2017, por exemplo, fragilizou o monitoramento das ações, enquanto a falta de financiamento e a rotatividade de gestores limitam a efetividade das iniciativas existentes (Pelucio; Miskolci 2009; Miskolci et al., 2022).

Foi possível inferir, a partir do que foi apreendido durante a atividade relatada e a partir do reconhecimento dos participantes, um déficit no conhecimento dos enfermeiros sobre a história, as lutas, a estigmatização, privação de direitos e barreiras de acesso à saúde LGBTQIAPN+, que repercutem em práticas de saúde focadas em sintomas, alienadas das particularidades do processo saúde doença de pessoas LGBTQIAPN+, destituídas de equidade, já que negligenciam sua diversidade. Na roda de conversa um dos pontos centrais debatidos foi o impacto da LGBTfobia na saúde mental dessa população. Pessoas LGBTQIAPN+ têm risco 50% maior de automutilação e suicídio em comparação à população geral e esse cenário é agravado por fatores como a rejeição familiar, o desemprego, a pobreza e a violência de natureza LGBTfóbica, que estigmatizam, marginalizam e tornam esse grupo mais vulnerável ao adoecimento psíquico e ao uso abusivo de substâncias. O documentário ilustrou essas questões ao mostrar a realidade de travestis que são empurradas para a prostituição e enfrentam exclusão social e dificuldades de acesso a direitos básicos, como moradia e saúde (Scheim et al., 2022; BRASIL, 2024). 

Diante desses desafios, os participantes identificaram estratégias prioritárias para a promoção da saúde LGBTQIAPN+, como a inclusão da temática no processo formativo desde a educação básica, transversalizando o currículo profissional, com enfoque em direitos humanos e humanização do cuidado, pois nos distintos serviços, as peculiaridades da produção social da saúde da população LGBT bem como a sua promoção são desconhecidas por boa parte dos profissionais. A falta de informação, bem como a desinformação estigmatizante, e a lgbtfobia são alguns dos fatores que podem colaborar com as ações discriminatórias no cenário da saúde acentuando vulnerabilidades impostas sob este público (Melo et al., 2020). 

A transversalização da temática sobre processo saúde doença e promoção da saúde LGBTQIAPN+ na formação em saúde a partir da perspectiva da produção social da saúde e de uma Clínica Ampliada é uma proposta necessária e sine qua non no processo de promoção de saúde desta população, porque pode favorecer, potencializar ou limitar e inviabilizar o cuidado e porque coloca em questão o que é esse cuidado, no contexto dos determinantes sociais de saúde. Além disso é necessário que os espaços institucionais sejam ocupados por pessoas pertencentes a esta população para que possam utilizar de suas experiências e fomentar ações que reduzam as violências provocadas pelas vulnerabilidades impostas historicamente (Melo et al., 2020; Miskolci et al., 2022; Costa-Val et al., 2022). 

 

  1. Considerações finais

A produção social da saúde da população LGBT é multidimensional e exige que a temática seja priorizada na educação básica, na formação em saúde e nas agendas públicas de saúde e de pesquisa em saúde. Compreender as vulnerabilidades desse grupo e os determinantes sociais que as atravessam é de suma importância no processo formativo e a metodologia da roda de conversa, munida das estratégias da pergunta disparadora, da explanação estruturada e da exibição de documentário, se mostrou assertiva ao desvelar representações sociais de enfermeiros e ao problematizar em nível de pós graduação um assunto pungente na sociedade contemporânea. 

 

Referências

 

ANTRA (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS). Relatório de mortes violentas de pessoas trans no Brasil em 2024. Brasília: ANTRA, 2025. 

 

AYRES, J. R. C. M. Vulnerabilidade e AIDS: para uma resposta social à epidemia. In: CÁCERES, C. et al. (Org.). La respuesta social al VIH/SIDA en América Latina y el Caribe. Lima: ONUSIDA, 2000. p. 21–36. 

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT). Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico, v. 55, n. 4, 2024. Brasília: Ministério da Saúde, 2024.

 

*Luana Muniz – Filha da Lua [por] Rian Córdova e Leonardo Menezes. [Rio de Janeiro,; s,n]. 2017. 1 video (60:10 min). publicado pelo canal Lira Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QbdlqtRI2IA. Acesso em: 29 maio 2025. 

 

MISKOLCI, Richard et al. Desafios da saúde da população LGBTI+ no Brasil: uma análise do cenário por triangulação de métodos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 10, p. 3815–3824, out. 2022. 

 

OLIVEIRA, Priscila Borges Ribeiro; GAMA, Renata Prenstteter. Roda de Conversa: um instrumento metodológico tecnológico-formativo-coletivo na pesquisa em educação. Revista Educação e Políticas em Debate, [S.L.], v. 2, n. 13, p. 1-14, 29 abr. 2024. 

 

SCHEIM, A. I. et al. Saúde e cuidados de saúde entre adultos transgêneros nos Estados Unidos. Annual Review of Public Health, v. 43, p. 503–523, 5 abr. 2022.

ROCON, Pablo Cardozo et al. Acesso à saúde pela população trans no Brasil: nas entrelinhas da revisão integrativa. Trabalho, Educação e Saúde, [s.l.], v. 18, n. 1, p. 1–18, fev. 2020. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00234.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

Biografia do Autor

  • Diego Gabriel Santos de Oliveira, UFFS - Campus Chapecó

    Enfermeiro, Especialista em Saúde Mental, Mestrando pelo PPGENF - UFFS

  • Marcela Martins Furlan de Leo, UFFS - Campus Chapecó

    Enfermeira, Doutora em Ciências, Professora do PPGENF - UFFS

  • Cláudio Claudino da Silva Filho, UFFS - Campus Chapecó

    Professor do PPGENF -UFFS

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Publicado

24-11-2025