CONCEPÇÕES DE ENSINO E PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO NA FORMAÇÃO E AÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS

Autores

Resumo

  1. Introdução

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as atividades desenvolvidas durante Estágio Pós-doutoral, realizado junto ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPGEC) na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) campus Cerro Largo RS. Convém destacar que o pós-doutoramento foi desenvolvido no âmbito do projeto institucional “Formação de professores e currículo de Ciências: processos de constituição e ressignificação de itinerários curriculares e da prática do docente” (UFFS, 2022). Esse projeto tem como base teórica metodológica a abordagem Histórico-Cultural, aplicada em diferentes esferas e sob diversas perspectivas, que compõem os processos de formação de professores na área das Ciências.

Seguindo a linha proposta pelo referido projeto institucional, o referido estudo de pós-doutorado buscou discutir as nuances da Teoria Histórico-Cultural (Vigotski, 2009) que estão imbricadas no contexto de formação de professores de Ciências. Assim, objetivou-se refletir sobre os tipos de formação que vêm sendo propostos e as concepções de práticas pedagógicas e de ensino estimuladas nesses contextos, os conceitos de reflexão que orientam tais processos, entre outros aspectos identificados como relevantes ao longo do percurso investigativo.

 

  1. Metodologia

            Do ponto de vista metodológico, o estudo adota em uma abordagem qualitativa, tendo em vista que o objetivo da pesquisa é compreender e interpretar fenômenos educacionais para além de dados numéricos (Bogdan; Biklen, 1994). Segundo os autores, “os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico” (Bogdan; Biklen, 1994, p. 16).

            O percurso investigativo delimitou-se em dois contextos principais: 1. Produção de resultados para análise teórica, em periódico online, com vistas à composição de um estudo de revisão da literatura do tipo estado do conhecimento; 2. Produção de resultados para análise empírica, junto a professores que participam dos encontros dos Ciclos Formativos em Ensino de Ciências, promovidos pela UFFS.

 

  1. Resultados e discussão

            O primeiro passo da investigação consistiu na elaboração de um estado do conhecimento sobre a temática. Realizou-se um levantamento bibliográfico no Portal de Periódicos da CAPES, com o objetivo de analisar meandros da formação continuada em Ciências a partir de suas relações com as concepções de ensino. Para tanto, optou-se por seguir a abordagem de estado do conhecimento e análise temática, delimitando o corpus de análise em 71 trabalhos, os quais foram discutidos a partir das categorias: panorama dos estudos, modelo de formação e concepção de ensino. A análise dos dados indicou que a maioria dos processos formativos ocorre em cursos de curta duração. E, em relação às concepções de ensino, identificou-se as perspectivas técnica (19:71), prática (18:71) e uma predominância da crítica/emancipatória (34:71). Analisando os resultados das categorias, em síntese, identifica-se que a formação continuada baseada na investigação-formação-ação se mostra viável para promover uma concepção crítica/emancipatória no ensino de Ciências.

Após essa etapa de análise teórica, passou-se à análise de um grupo de formação de professores: os Ciclos Formativos em Ensino de Ciências, programa que é, desde o ano de 2010, ofertado em uma UFFS, pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática (GEPECIEM). De acordo com Güllich, Hermel e Bulling (2015), o programa visa atender as   necessidades   formativas   dos   professores participantes, promovendo atualizações e discussões de conteúdos específicos em articulação com as demandas pedagógicas. Os encontros ocorrem mensalmente, na última terça-feira do mês, com a participação de professores em formação inicial (licenciandos em Ciências Biológicas, Química e Física), formação continuada (docentes da Educação Básica da região) e formadores da universidade, caracterizando-se como um processo de formação compartilhada.

O primeiro encontro analisado aconteceu no mês de maio de 2024. Para tanto, delimitou-se como objetivo compreender as concepções de ensino como fio condutor de um processo mediado de formação de professores de Ciências. Com base nos dados analisados, foi possível identificar concepções de ensino que podem ser definidas pela literatura pertinente como técnica, prática e crítica (Contreras, 1994; Rosa; Schnetzler, 2003).

Embora, nessa ocasião, a concepção técnica, focada na transmissão precisa de conteúdos, não apareça de forma explícita, há valorização do domínio conceitual, entendido de forma ampliada e contextualizada, em diálogo com a perspectiva histórico-cultural de Vigotski (2009). A concepção prática se evidencia na valorização da contextualização dos conteúdos e sua aplicação social, como na formação crítica frente às fake news. No entanto, é a concepção crítica de ensino que predomina nas falas dos professores em formação, marcada por uma postura reflexiva, dialógica e emancipadora, que busca a formação integral dos alunos. Essa orientação crítica é favorecida pelo processo formativo compartilhado do grupo (investigação-formação-ação) (Güllich, 2013), voltado à construção de uma educação científica transformadora. A abordagem histórico-cultural de Vigotski (2009) sustenta essa perspectiva, ao enfatizar o papel da interação social e do contexto histórico-cultural na construção do conhecimento e na reflexão crítica sobre a prática docente.

            Em outro momento, também analisou-se o encontro do mês de junho de 2024, cujo foco da investigação foi analisar as relações entre Ciência, Docência e ensino de Ciências. Por meio da análise microgenética, examinou-se a transcrição das discussões sobre o artigo: “Por que Ensinar Ciências Para as Novas Gerações?” destacando-se quatro episódios centrais. O Episódio I ressaltou a integração entre saberes científicos e culturais, promovendo práticas reflexivas e democráticas. No Episódio II, a Ciência foi abordada como construção social e plural, desafiando a visão de neutralidade. O Episódio III enfatizou a importância de práticas pedagógicas contextualizadas e críticas, enquanto o Episódio IV destacou o papel do professor como agente reflexivo, articulando conhecimentos científicos e experiências dos alunos. O estudo permitiu compreender que a formação de professores precisa de uma perspectiva crítica, contextual e plural, alinhando o ensino de Ciências às demandas para a promoção da transformação social e formação integral.

 

  1. Considerações finais

 

O desenvolvimento deste Estágio Pós-Doutoral permitiu aprofundar a compreensão sobre os processos formativos de professores de Ciências, ancorando-se na abordagem histórico-cultural e em práticas investigativas que valorizam a reflexão crítica, o diálogo e a construção coletiva do conhecimento. Ao integrar revisão teórica e análise empírica, foi possível evidenciar que, embora elementos das concepções técnica e prática estejam presentes nos contextos analisados, é a concepção crítica de ensino que se sobressai como horizonte formativo predominante. Tal concepção sustenta-se em uma visão de docência comprometida com a emancipação dos sujeitos, com a transformação social e com o fortalecimento da autonomia intelectual e crítica dos alunos.

A análise do grupo dos Ciclos Formativos em Ensino de Ciências, especialmente nas interações mediadas nos encontros investigados, mostrou que a formação compartilhada, articulada pela tríade investigação-formação-ação (Güllich, 2013), constitui um potencial espaço de ressignificação da prática docente. Essa dinâmica formativa promove o deslocamento do ensino de Ciências como mera transmissão de conteúdo para uma perspectiva que valoriza a contextualização, o diálogo entre saberes e a produção de sentidos socialmente relevantes.

Além disso, o uso da análise microgenética para interpretar os episódios formativos revelou a potência dos momentos dialógicos para favorecer o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o papel do professor, da ciência e da escola na sociedade. A partir da mediação e do coletivo, os professores em formação constroem sentidos mais amplos para o ensino de Ciências, compreendendo-o como prática cultural, plural e transformadora.

Conclui-se, portanto, que os processos formativos analisados apontam para a urgência de consolidar espaços permanentes de formação que promovam o pensamento crítico, a reflexão sobre o ensino e docência, e que fortaleçam a construção de currículos e práticas pedagógicas comprometidas com uma educação científica formativa, emancipadora e socialmente referenciada. Nesse caminho, a investigação-formação-ação aliada à Teoria Histórico-Cultural, especialmente na perspectiva de Vigotski (2009), configura-se como um referencial possível para sustentar concepções de ensino que visam à formação integral de professores e estudantes.

Referências

 

BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em educação. Tradução Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994.

CONTRERAS, J. La investigación en la acción. Cuadernos de Pedagogia, v. 224, p. 07-31, 1994.

GÜLLICH, R. I. C. Investigação-formação-ação em Ciências: um caminho para reconstruir a relação entre livro didático, o professor e o ensino. Curitiba: Prismas, 2013.

GÜLLICH, R. I. C.; HERMEL, E. E. S.; BULLING, N. F. O papel da extensão na formação inicial e continuada de professores da área de ciências. In: BONOTTO, D. L.; SANTOS, E. G.; WENZEL, J. S. Movimentos Formativos: caminhos e perspectivas na formação de professores. Cerro Largo/RS: Polimpressos, 2015.

ROSA, Maria I. F. P. S.; SCHNETZLER, R. P. A investigação-ação na formação continuada de professores de ciências. Ciência e Educação, v. 9, n. 1, p. 27-39, 2003. UFFS. Formação de professores e currículo de Ciências: processos de constituição e ressignificação de itinerários curriculares e da prática do docente. 2022.

VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro, tanto durante a realização deste estágio pós-doutoral quanto ao longo de toda a minha trajetória acadêmica, possibilitando a continuidade e a qualidade da minha formação. Ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC/UFFS), expresso minha sincera gratidão pela oportunidade de integrar seu corpo de pesquisadores e pela valorosa experiência de formação proporcionada.

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Publicado

24-11-2025