LEITURA E CÁRCERE: (ENTRE)LINHAS E GRADES, A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO-LEITOR PELO DISPOSITIVO DE REMIÇÃO DE PENA

  • ROSSALY BEATRIZ CHIOQUETTA LORENSET UFSC e UNOESC
Palavras-chave: Discurso. Leitura. Prisão.

Resumo

Esta comunicação analisa o funcionamento discursivo das condições de produção e os efeitos de sentido da leitura como dispositivo de remição de pena para compreender como se constituem, nesse processo, os sujeitos-leitores em área de cárcere. A fundamentação teórica pauta-se pelos estudos da Análise do Discurso (AD), em que o sujeito do discurso é tomado na sua relação com a produção de sentidos. Metodologicamente, toma-se como objeto para a análise o Projeto de Extensão do curso de graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Direito e cárcere: remição de pena pela leitura, em parceria com o Presídio Regional de Xanxerê/SC. Tomando por base o contexto desse projeto, analisam-se discursivamente os gestos de leitura desses sujeitos, em posição de leitores em espaço de privação de liberdade, investigando a constituição dos processos de subjetivação.  As sequências discursivas descritas e interpretadas são oriundas de entrevistas norteadas por roteiro semiestruturado, realizadas com cinco homens apenados, dessa unidade prisional. O pressuposto da pesquisa era de que eles seriam mobilizados para a leitura só pela possibilidade de remição de pena. Mas eles responderam: “eu gosto de ler”; e com o não dito “leio só para diminuir a pena e sair antes da prisão”, eles discursivizaram estrategicamente o interdito da sua constituição como sujeitos-leitores presos. Por conseguinte, nos processos de subjetivação, o ritual de falha da língua irrompeu e, no intradiscurso, (des)construiu a representação de um imaginário de leitura, (des)mascarou o dizer desses enunciadores, sustentado pelo inconsciente. Confirmou-se a hipótese de que as relações de poder e os assujeitamentos engendrados pelo sistema prisional delimitam o modo como os sujeitos devem conformar suas narrativas acerca dessa leitura, limitam o que pode ser falado e determinam o (im)possível de dizer. Pela análise dos materiais significantes do corpus, conclui-se: i) essa leitura pode funcionar como um mecanismo de normalização; ii) há tensão entre o dito e o não dito na relação com a leitura; iii) na prisão, de um lado, há o modo de ler como castigo e, de outro, há a leitura por fruição. Chega-se, assim, a uma nova categoria discursiva proposta para complementar o dispositivo teórico-analítico da AD, a saber, leitura-obrigação. Observou-se que a posição-sujeito-leitor, na prisão, se constrói sob estes perfis: i) é vista como uma posição vazia; não se considera a história de leituras efetuadas antes do cárcere; ii) mesmo com a limitação do acervo de obras disponíveis para ler, é visto como livre para escolher sua própria história de leituras; visão acumulativa de leitura, quantitativo de obras lidas versus quantitativo de dias de pena remidos; iii)  manifesta-se estrategista e busca se amoldar às orientações em jogo para se (con)formar com elas e com o imaginário social de leitura. Nesse jogo, o sujeito-leitor preso desenvolve um discurso de resistência e, simultaneamente, de inserção na instituição prisional. Nas enunciações desses sujeitos presos, súplicas por olhares e escutas, remetem ao que lhes foi negado do corpo social; dizem de uma leitura que (re)clama para atravessar muros. 

 

Publicado
05-11-2021
Seção
Eixo 08: LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES - Resumo