Hegemonia dos Estados Unidos na América Latina e a Construção de Consenso sobre a Presença Chinesa: o Papel dos Think Tanks

Autores

  • Giovana de Aquino Camello Universidade Federal do Pampa

Palavras-chave:

Hegemonia, China, Estados Unidos, América Latina, Think Tanks.

Resumo

Nas últimas décadas, especialmente a partir do final do governo Barack Obama (2009-2017), a presença da China na América Latina passou a ser percebida pelos Estados Unidos como um desafio estratégico de primeira ordem. Tal percepção é incorporada nas diretrizes de política externa e de segurança, sendo articulada pelo United States Southern Command (Southcom) como parte de uma agenda de ameaças regionais, ao lado de questões como terrorismo e crime organizado. Apesar da vasta literatura que explora a presença chinesa no continente, há relativa escassez de estudos que investiguem os atores estadunidenses — além da presidência e das forças armadas — que participam da formulação desse discurso. Este trabalho busca compreender como think tanks norte-americanos contribuem para a construção de consenso interno e transnacional sobre a presença chinesa na América Latina. O objetivo central é analisar de que forma esses centros de produção intelectual, ligados às elites políticas e econômicas dos EUA, atuam como “aparelhos privados de hegemonia”, no sentido gramsciano, propagando narrativas que legitimam a continuidade da hegemonia estadunidense na região. A pesquisa adota uma perspectiva gramsciana e neo-gramsciana de hegemonia, compreendendo o Estado como expressão de uma classe dirigente que articula coerção e consenso. Assim, os think tanks são analisados como espaços de produção intelectual vinculados às elites dominantes, que naturalizam interesses particulares como se fossem universais, reproduzindo a ordem liberal internacional liderada pelos EUA. Foram examinados 177 documentos publicados entre 2017 e 2022 por quatro think tanks: Inter-American Dialogue, Council of the Americas (AS/COA), Center for Strategic and International Studies (CSIS) e Woodrow Wilson Center. A análise de conteúdo (Bardin, 2004) identificou categorias centrais nas narrativas sobre a presença chinesa: (i) China como ameaça à hegemonia regional; e (ii) China como ator passível de adaptação à ordem liberal internacional.Os resultados indicam duas narrativas predominantes. A primeira retrata a China como ameaça geopolítica e securitária, destacando riscos de influência política, armadilha da dívida e expansão militar via Belt and Road Initiative. Nessa visão, a contenção da influência chinesa é necessária para preservar a supremacia estadunidense. A segunda narrativa, mais flexível, reconhece os benefícios econômicos dos investimentos chineses, mas defende que Pequim deve adaptar-se aos princípios do liberalismo econômico e político. Ambas as perspectivas convergem na legitimação da hegemonia norte-americana, seja pela contenção do rival, seja por sua incorporação subordinada à ordem liberal. A análise evidencia que os think tanks atuam como instrumentos centrais na formulação e difusão de consensos sobre a presença chinesa na América Latina, funcionando como mediadores entre elites políticas, econômicas e intelectuais. Dessa forma, contribuem para perpetuar a hegemonia estadunidense no hemisfério, atualizando a lógica da Doutrina Monroe e adaptando-a aos desafios contemporâneos.

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Publicado

24-10-2025

Edição

Seção

Ciências Sociais Aplicadas - Pesquisa - Campus Erechim