OS ECOS E O LABIRINTO: MEMÓRIA E FRAGMENTOS NO CONTO D. PAULA DE MACHADO DE ASSIS
Palavras-chave:
Literatura, ContoResumo
A memória não deve ser compreendida como um simples arquivo que guarda, de forma
intacta, os acontecimentos de nossas vidas. Ela é, antes, um processo ativo de reconstrução:
seleciona, distorce, esquece e, sobretudo, carrega afetos que dão sentido às lembranças. Mais
do que reconstituir fatos, lembrar é reinterpretar o passado a partir do presente. A literatura,
nesse sentido, amplia a memória: transforma o que poderia ser apenas uma recordação em
reflexões sobre o tempo, a identidade e o sentir. O conto “D. Paula”, de Machado de Assis
(1839–1908), publicado originalmente em 13 de julho de 1884 na Gazeta de Notícias, ilustra
esse processo. A personagem principal, uma senhora viúva da elite fluminense, é descrita
como uma mulher respeitável, firme e racional, que procura interceder na crise matrimonial
da sobrinha, Venancinha, e de seu marido, Conrado. A paixão romântica que a sobrinha
demonstra por um rapaz, chamado Vasco, desperta em D. Paula um conflito e uma evocação,
pois esse jovem é filho de um homem que ela amara em seu passado. O foco deste trabalho é
analisar como Machado de Assis apresenta e problematiza a memória no conto, destacando
como forma de dar voz a protagonista e, ao mesmo tempo, evidenciar suas fragilidades
emocionais. Além disso, o texto revela a ironia machadiana: a tia que deseja orientar
moralmente a sobrinha se vê confrontada pelas próprias lembranças de um passado
semelhante, mostrando como memória e literatura se entrelaçam para expor a distância entre o
que lembramos e o que realmente foi vivenciado. O estudo se justifica, porque o conto
continua atual, revelando a complexidade da memória como experiência literária e existencial.
Além disso, compreender a memória como elemento literário permite aprofundar a leitura
crítica de “D. Paula” e situá-lo no contexto do Realismo, movimento literário que buscava
retratar a realidade de maneira objetiva e detalhada em que, através da literatura, Machado de
Assis retratou em suas obras as ambiguidades da alma humana, utilizando ironia e sutileza
para problematizar temas como memória, desejo, ciúme e as convenções sociais do Rio de
Janeiro oitocentista. A protagonista, ao revisitar sua juventude, encontra apenas “cousas
truncadas” ou lembranças incompletas que revelam mais a distância entre o que foi vivido e o
que pode ser recordado do que a possibilidade de reviver plenamente as emoções do passado.
Esta pesquisa, de caráter bibliográfico, articulando-se com conceitos teóricos de Walter
Benjamin sobre a memória e a narrativa, parte de uma leitura crítica do conto, procurando
entender a memória não como um simples depósito de fatos intactos, mas como um processo
vivo, atravessado por lacunas, fragmentos e afetos.
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