ESCRAVIDÃO E SAÚDE

CATIVOS DOENTES CITADOS EM INVENTÁRIOS DE FAZENDAS PASTORIS DO RIO GRANDE DO SUL [1769-1811]

  • Adelmir Fiabani UFFS

Resumo

Esta pesquisa tem por objeto analisar os tipos de doenças e processos curativos do Brasil escravista, neste caso, do Rio Grande do Sul. Foram estudados 110 inventários, contendo registros de cativos doentes e aleijados a fim de verificar a nomenclatura das doenças e suas especificações, idade e valor atribuído aos cativos, ofício/ocupação e presença de crianças. Os inventários oferecem riquíssimas informações aos historiadores, porém tivemos o cuidado com o documento, pois ele foi elaborado por pessoas com interesses diversos. Percebemos que alguns herdeiros/interessados  'depreciaram' os bens - cativos -, atribuindo-lhes 'doenças' ou defeitos no corpo, a fim de pagar menos pelo documento. Identificamos alguns inventários com significativo número de crianças arroladas como bens.  Em 110 inventários, 84 quatro vezes a expressão "doente" se repete. Este número pode ser maior, pois 'achacado', adoentado, enfermo e 'com padecimento' também significa estar doente. Doenças infectoparasitórias, do sistema digestivo e nervoso eram citadas como "doenças". A falta de disposição para o trabalho também era considerada doença. A citação "aleijado" foi encontrada 20 vezes, que somada aos "defeituosos", totaliza 25. Provavelmente era mais, pois registramos também os termos "inválido", "inservível" e "torto". Os documentos não informam se o indivíduo nasceu com a limitação ou tornou-se impedido por algum acidente de trabalho, violência física ou doença. A atividade pastoril expunha o cativo a acidentes, sobretudo, na lida com o gado. As expressões "achacado das virilhas", "quebrado", "pisado", "fraturado" e "rendido" são condições decorrentes do trabalho pesado, violência física, pouco repouso e excesso de trabalho. Os senhores extraíam o máximo do que o cativo poderia dar. As rendiduras decorriam, sobretudo, do esforço realizado acima da capacidade física do indivíduo. Agravavam-se quando não tratadas. Quanto às crianças citadas como bens, foram analisados quatro inventários. No inventário de Auristela Maria de Almeida, de 40 cativos, 13 eram menores de 8 anos. Este inventário é de 1857, destacando-se que a cativa com maior avaliação foi cotada em 800$, por ser costureira. As meninas foram avaliadas com valor superior aos meninos da mesma idade. Na documentação de Maria Mancia Ribeiro, de 1853, foram localizados 21 menores de 12 anos, destes, 2 com doença. Quatro menores (de peito) foram avaliados juntamente com a mãe.  Em 1845, quando foi finalizado o inventário de João Bento Cardoso, dono de 19 cativos, sendo 13 menores de 12 anos, o mais velho foi cotado em 400$. No inventário de Manoel de Souza Pena, foram arrolados 9 cativos menores de 10 anos, com a cotação maior de 400$. Nos quatro inventários pesquisados, o percentual de crianças é alto comparado aos adultos. São raros os cativos menores de 12 anos doentes, fato que nos leva a crer no trabalho e maus tratos como fator de adoecimento dos escravizados em idade adulta.

Publicado
09-09-2019
Seção
Campus Passo Fundo - Projetos de Pesquisa