LETRAMENTO E LITERACIA DIGITAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: ANÁLISE DO CONECTE SUS CIDADÃO
Palavras-chave:
literacia em saúde, atenção primária à saúde, tecnologia da informaçãoResumo
LETRAMENTO E LITERACIA DIGITAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
JOSÉ RENAN GONÇALVES MENDES2[2], ODAIR BONACINA ARUDA3[3], LETÍCIA DE LIMA TRINDADE4[4], DANIELA SAVI GEREMIA5[5]
1 Introdução
O avanço das tecnologias da informação e comunicação vem transformando a forma como os sistemas de saúde organizam e oferecem seus serviços, criando possibilidades de acesso, integração e gestão de dados clínicos. No Brasil, esse movimento ganhou força com a Estratégia de Saúde Digital (2020–2028), que estabelece diretrizes para construção de um ecossistema tecnológico interoperável e inclusivo no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Dentro desse cenário, o Conecte SUS Cidadão, lançado em 2020 pelo Ministério da Saúde, foi concebido para centralizar informações de saúde e disponibilizá-las ao usuário de forma segura e atualizada, contribuindo para a continuidade do cuidado e o fortalecimento da participação social (Bender, 2024; Rezende, 2020).
Apesar do potencial inovador, a adoção efetiva do Conecte SUS Cidadão enfrenta entraves relevantes, principalmente na Atenção Primária à Saúde (APS), considerada a porta de entrada do sistema e responsável por coordenar a rede de cuidados. Entre os principais desafios estão a baixa literacia digital de usuários e profissionais, dificuldades na usabilidade do aplicativo, limitações de infraestrutura tecnológica em diversas regiões e a persistente fragmentação entre sistemas de informação. Esses aspectos não apenas comprometem a utilização plena da plataforma, mas também reforçam desigualdades históricas no acesso aos serviços (Alburquerque, 2020; Bender, 2024).
A literacia digital em saúde, entendida como a capacidade de localizar, compreender e utilizar informações digitais para a tomada de decisões, emerge como fator determinante para o sucesso das iniciativas de saúde digital. Baixos níveis dessa competência reduzem a adesão ao uso de ferramentas como o Conecte SUS, especialmente entre populações mais vulneráveis, como idosos, pessoas com baixa escolaridade e residentes de áreas com menor conectividade. Além disso, falhas no design e na experiência do usuário (User Experience – UX) desestimulam o engajamento e dificultam a apropriação da tecnologia no cotidiano (Celuppi, 2022).
Diante desse contexto, torna-se fundamental compreender, a partir da literatura científica, como esses fatores interagem e influenciam a adoção do Conecte SUS Cidadão na APS. Esta revisão narrativa tem como foco analisar os principais desafios e facilitadores identificados em pesquisas recentes, abordando aspectos relacionados à literacia digital, experiência do usuário, barreiras institucionais, desigualdades regionais, interoperabilidade de sistemas e estratégias bem-sucedidas de inclusão digital. Ao evidenciar essas dimensões, o estudo busca contribuir para a formulação de políticas públicas mais eficazes, que assegurem a equidade no acesso às tecnologias em saúde e fortaleçam a transformação digital no SUS.
2 Objetivos
Analisar os desafios e facilitadores da inclusão digital na Atenção Primária à Saúde, com foco na adoção e uso do Conecte SUS Cidadão por profissionais e usuários, identificando barreiras e estratégias para promover seu uso efetivo e equitativo no SUS.
3 Metodologia
Trata-se de uma revisão narrativa, conduzido com o propósito de sintetizar evidências científicas acerca da inclusão digital na APS, com foco no uso do Conecte SUS Cidadão. Foram incluídos estudos publicados entre 2014 e 2024, nos idiomas português, inglês e espanhol, que abordassem literacia digital, adoção de Tecnologias da Informação e Comunicação na APS ou experiência do usuário com ferramentas digitais em saúde. As buscas foram realizadas nas bases de dados PubMed, SciELO, LILACS, Google Acadêmico, Web of Science e ERIC, utilizando descritores controlados pelo DeCS e termos livres combinados por operador booleano “AND”, com os seguintes descritores “literacia em saúde”, “atenção primária à saúde”, “tecnologia da informação”, “informática médica” e “experiência do usuário”. A análise dos dados buscou identificar padrões, convergências, lacunas e boas práticas, permitindo compreender fatores que influenciam a aceitação e o uso da plataforma, que estivessem disponíveis gratuitamente na íntegra. Foram incluídos oito artigos científicos para estar realizando esse estudo.
4 Resultados e Discussão
A análise da literatura mostrou que a adoção do Conecte SUS Cidadão não depende apenas da existência de infraestrutura tecnológica, mas de um conjunto de condições que incluem competências digitais, percepção de valor da ferramenta e integração ao processo de trabalho das equipes da APS. Embora haja consenso quanto ao potencial da plataforma para qualificar o cuidado e ampliar o acesso a informações em saúde, a baixa familiaridade de muitos usuários e profissionais com recursos digitais limita a utilização de funcionalidades essenciais, como consulta de histórico vacinal, exames e prescrições. Essa lacuna não é apenas técnica, mas reflete desigualdades educacionais e socioculturais acumuladas ao longo do tempo (Cardoso, 2021, Gaete, 2014).
A experiência do usuário emergiu como um fator decisivo para a continuidade de uso. A ausência de acessibilidade plena e instabilidade do sistema reduzem a confiança e o engajamento. O problema é agravado quando a linguagem e a organização da interface não dialogam com a diversidade de perfis dos usuários, afastando aqueles com menor letramento em saúde ou que dependem de dispositivos menos avançados. Esse cenário reforça a necessidade de desenvolver soluções centradas no usuário, baseadas em testes com diferentes grupos populacionais e ajustadas às realidades locais (Souza, 2024).
No campo institucional, a adoção do Conecte SUS encontra obstáculos que vão além da dimensão tecnológica. A ausência de estratégias de capacitação continuada, somada a ambientes de trabalho sobrecarregados, faz com que a ferramenta seja percebida, por parte dos profissionais, como mais um elemento burocrático do que como recurso de apoio ao cuidado. Paralelamente, a falta de comunicação clara sobre a segurança e a governança dos dados reforça desconfianças entre usuários, o que compromete a legitimidade da plataforma. Esses aspectos revelam que a resistência ao uso não é apenas técnica, mas também organizacional e cultural (Souza, 2024).
A desigualdade regional também se mostrou um elemento estruturante das barreiras identificadas. Regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e municípios de pequeno porte enfrentam limitações que vão desde a inexistência de internet de qualidade nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) até a ausência de suporte técnico especializado. Essa realidade perpetua um modelo de digitalização seletiva, concentrado em áreas mais desenvolvidas, e exclui populações já vulnerabilizadas, como comunidades indígenas, quilombolas e pessoas em situação de rua, que permanecem invisíveis nos processos de transformação digital (Alves, 2017).
Apesar das dificuldades, algumas experiências bem-sucedidas oferecem pistas para soluções viáveis. A atuação de agentes comunitários como mediadores tecnológicos, a criação de espaços de apoio digital dentro das UBS, campanhas educativas articuladas a ações de vacinação e parcerias com instituições de ensino se mostraram estratégias eficazes para ampliar o acesso e a apropriação do Conecte SUS. No entanto, a ausência de institucionalização e de indicadores nacionais para monitorar a inclusão digital dificulta a avaliação do impacto e a replicação dessas iniciativas. A consolidação dessas práticas, associada a políticas que integrem tecnologia, formação e participação social, é fundamental para transformar o potencial do Conecte SUS em resultados concretos para a população.
5 Conclusão
A análise dos estudos evidencia que a efetiva inclusão digital na Atenção Primária à Saúde, por meio do Conecte SUS Cidadão, depende de uma abordagem multidimensional que vá além da mera disponibilidade tecnológica. É necessário investir na literacia digital de usuários e profissionais, aprimorar a experiência do usuário com interfaces intuitivas e acessíveis, e fortalecer políticas institucionais que incentivem o uso da plataforma, garantindo capacitação contínua e suporte técnico adequado. As desigualdades regionais e a invisibilidade de grupos vulneráveis destacam a urgência de políticas públicas que promovam equidade territorial e inclusão social, enquanto práticas bem-sucedidas, como salas de apoio digital e mediação por agentes comunitários, demonstram o potencial de estratégias locais integradas. Para que a digitalização contribua efetivamente para o fortalecimento do SUS, é imprescindível articular tecnologia, gestão e participação social, além de implementar indicadores sistemáticos de monitoramento que permitam avaliar o impacto da inclusão digital e orientar futuras ações estratégicas. Assim, o Conecte SUS pode tornar-se uma ferramenta de transformação, ampliando o acesso à informação, promovendo autonomia do usuário e consolidando a equidade na saúde digital brasileira.
Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, Saemmy Grasiely Estrela et al. Estratégia e-SUS atenção básica: dificuldades e perspectivas. Journal of Health Informatics, v. 12, 2020.
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BENDER, Janaína Duarte et al. O uso de Tecnologias de Informação e Comunicação em Saúde na Atenção Primária à Saúde no Brasil, de 2014 a 2018. Ciência & Saúde Coletiva, v. 29, p. e19882022, 2024.
CARDOSO, Rodrigo Nunes; DE SANTANA SILVA, Renata; SANTOS, Deyse Mirelle Souza. Tecnologias da informação e comunicação: ferramentas essenciais para a atenção primária a saúde. Brazilian Journal of Health Review, v. 4, n. 1, p. 2691-2706, 2021.
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GAETE, Rodrigo André Cuevas; LEITE, Thais Alessa. Estratégia e-SUS Atenção Básica: o processo de reestruturação do sistema de informação da atenção básica. In: Anais XIV Congresso Brasileiro de Informática em Saúde. 2014. p. 07-10
REZENDE, Vanessa Murta; DE FÁTIMA MARIN, Heimar. Educação em Informática em Saúde: competências para os profissionais da atenção primária à saúde. Journal of Health Informatics, v. 12, n. 4, 2020.
SOUZA, Nicole Fajardo Maranha Leão. Literacia digital em saúde: convergências, divergências e possíveis caminhos para um campo em evolução. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, v. 18, n. 3, p. 695-715, 2024.
Palavras-chave: Atenção Primária, Gestão do SUS, Letramento digital, Literacia digital
Nº de Registro no sistema Prisma: PES 2024 - 0350
Financiamento: Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação no Estado de Santa Catarina (FAPESC) e CNPq.
[1] Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão em Saúde (PPGS).
[2] Discente de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. E-mail: jose.mendes@estudante.uffs.edu.br Orcid: https://orcid.org/0009-0005-3509-3424
[3] Enfermeiro. Especialista em Saúde da Família. Mestrando em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. E-mail: odair.bonacina@estudante.uffs.edu.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1281-467X
[4] Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.E-mail: leticia.trindade@udesc.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7119-0230
[5] Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. E-mail: daniela.geremia@uffs.edu.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2259-7429.
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