A PERCEPÇÃO DOS PRECEPTORES DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE SOBRE A AUTONOMIA DO INTERNO DO CURSO DE MEDICINA DA UFFS, CAMPUSCHAPECÓ.

Autores

  • Maíra Rossetto Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Chapecó
  • MATHEUS HOLZ STORCH UFFS
  • GRACIELA SOARES FONSÊCA UFFS

Palavras-chave:

Formação; , Atenção Primária à Saúde, Sistema Unico de Saúde, Autonomia

Resumo

1 Introdução

A formação médica passa por diversas etapas, o estágio curricular obrigatório ocorre em regime de internato (Brasil, 2014). Nesse período, o aluno passa dois anos integralmente imerso na prática médica nos mais diversos cenários, dentre eles a Atenção Primária à Saúde (APS). Nesse contexto, os estudantes trabalham de forma ativa nos mais diversos contextos existentes na APS. Apesar de os internos possuírem formação teórica clínica nos quatro anos que antecedem o internato, ela acaba, muitas vezes, não contemplando as diversas situações que surgem nos campos de estágio, sendo necessário a busca contínua e autônoma de conhecimentos (Chaves e Grosseman, 2007). 

A autonomia profissional é entendida como a “capacidade de agir por vontade própria” (Carbo e Huang, 2019). O desenvolvimento dela, no entanto, não é espontâneo. Ele depende de diversos fatores, entre eles o ambiente de aprendizado, a postura dos preceptores e as metodologias adotadas durante o estágio (Cândido e Batista, 2019). O papel do preceptor torna-se central, atuando como mediador entre a teoria e a prática, incentivando a reflexão e a busca ativa por conhecimento, sem, contudo, tornar o estudante excessivamente dependente de instruções diretas.

Considerando a importância do desenvolvimento da autonomia para a formação médica e a atuação profissional futura, é necessário compreender como ela tem sido promovida (ou não) nos cenários de estágio da APS. A identificação de práticas que favorecem essa competência pode contribuir para o aprimoramento do internato médico, especialmente no que diz respeito ao alinhamento entre as necessidades do ensino e dos serviços de saúde.

 

2 Objetivos

2.1 Objetivos geral

Analisar a percepção dos preceptores sobre o desenvolvimento da autonomia dos internos de medicina em relação aos próprios estudos durante o estágio na APS.

 

2.2 Objetivos específicos

  • Analisar as estratégias que os preceptores utilizam para estimular a autonomia dos internos no processo de aprendizado.
  • Identificar se existem mecanismos institucionais que favorecem ou dificultam o desenvolvimento da autonomia discente na APS.

 

3 Metodologia

O presente trabalho é um estudo qualitativo que não busca quantificar dados e os classificar, mas sim compreender a profundidade, a complexidade e a subjetividade dos processos humanos e sociais, interpretando-os no contexto em que ocorrem (Minayo, 2013). Ele foi realizado com os preceptores do internato da APS do curso de medicina da UFFS, Campus Chapecó. Os sete preceptores atuantes no estágio de atenção básica foram convidados a participar da pesquisa e 5 aceitaram o convite. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi estruturadas de forma presencial e online que foram transcritas posteriormente. Essa pesquisa buscou entender se o ambiente de estágio na atenção primária em saúde contribuí, e como contribuí, para o desenvolvimento da autonomia profissional. 

  Esses mesmos dados foram analisados sob a ótica da Hermenêutica-Dialética de Minayo (2013). Essa abordagem envolve a análise e interpretação dos dados, considerando a interação entre o sujeito que interpreta e o objeto interpretado, buscando uma compreensão mais profunda e contextualizada das realidades humanas (Minayo, 2013). 

 O Comitê de Ética em Pesquisa aprovou o desenvolvimento do estudo por meio do parecer 3.291.611, emitido em 29 de abril de 2019. Para garantir a confidencialidade, cada participante foi codificado como P1, P2, P3, P4 e P5.

 

4 Resultados e Discussão

4.1 A autonomia como característica individual do estudante

Ao analisar as falas, é possível identificar que os preceptores percebem que muitos internos tomam a iniciativa de estudar por conta própria. Essa autonomia, no entanto, surge de uma postura individual de cada aluno, não sendo fruto de uma ação pedagógica da instituição de ensino, apontando uma carência nesse âmbito, como dito por P1 “Tem estudante que procura sozinho...eles vão atrás sozinhos, estudam e vêm conversar com a gente...”  todavia, esse mesmo preceptor reconhece que não existe uma cobrança institucional para isso “eu não mando estudar, vai lá e estuda, que eu não acho isso muito legal”. 

Por outro lado, o preceptor P5 aponta que quando surge algum caso que os internos não sabem manejar ou se sentem inseguros na conduta estimula os estudantes a estudarem , “Eu mando eles procurarem no tratado... ou nas diretrizes...”. Essa recomendação de fontes específicas pode ser entendida como um direcionamento pedagógico que estimula os estudantes a procurarem informações em fontes seguras, sendo esse um passo importante para o desenvolvimento da autonomia crítica.

A autonomia dos futuros médicos não é algo que se dá espontaneamente, mas é construída na relação entre o estudante e o contexto de formação. O regulamento do internato define que o estágio supervisionado em regime de internato mobiliza "saberes acadêmicos e profissionais para observar, analisar e interpretar práticas institucionais e profissionais e/ou para propor intervenções" (UFFS, 2024). Além disso, busca "a autonomia intelectual, cidadã e de interação com a realidade global e regional". Isso demonstra que a autonomia é um objetivo explícito do curso (UFFS, 2018)

A falta de um preparo pedagógico formal para os preceptores pode levar a uma centralização do conhecimento no preceptor, em vez de incentivar a autonomia do estudante. Isso pode impactar negativamente a capacidade do futuro médico de pensar criticamente e de se adaptar a novas situações, uma competência essencial na formação médica (Autonômo et al., 2015).

4.2 Estratégias utilizadas para a autonomia do estudante 

O Quadro 1 apresenta as estratégias que os preceptores relataram usar

Preceptor

Estratégia

P1, P2 

Discussão de caso clínico

P3

Apresentações e capacitações para a equipe da Unidade

P5

Estímulo de leitura de materiais de referência

 

O desenvolvimento da autonomia profissional pelo futuro médico necessita de um ambiente de ensino que promova a autoconfiança (Kursurkar e Croiset, 2015). Nesse sentido, as discussões de caso, como a realizada pelos preceptores, estimulam os estudantes a buscarem pelo conhecimento, estimulam o pensamento crítico e permitem a participação nas decisões clínicas (Kusurkar e Croiset, 2015; Frumm e Brondfield, 2023; Neufeld e Malin, 2020)

Autonomia excessiva ou mal orientada pode gerar insegurança, ansiedade e sensação de abandono, especialmente em alunos iniciantes (Kursukar e Croiset, 2015; Silén et al., 2024; Fredholm et al., 2015). Para garantir aprendizado seguro, a autonomia deve ser acompanhada de supervisão adequada e protocolos claros. Além disso, a qualidade da discussão e o grau de autonomia podem variar conforme o ambiente, o perfil dos tutores e a cultura institucional, o que impacta diretamente a experiência de aprendizado dos estudantes. (Carbo e Huang, 2019; Kusurkar e Croiset, 2015; Frumm e Brondfield, 2023; Neufeld e Malin, 2020). 

 

5 Conclusão

A análise das falas dos preceptores indica que a promoção da autonomia dos internos na Atenção Primária à Saúde é, em grande parte, dependente da iniciativa individual do estudante. Faltam mecanismos institucionais robustos e sistemáticos que estimulem e acompanhem esse processo. Estratégias como a discussão de casos clínicos, a preparação de apresentações e a participação em atividades extraconsultório se destacam como práticas que favorecem o protagonismo discente, ainda que de forma pontual e muitas vezes não obrigatória.

 

Referências Bibliográficas

AUTONOMO, F. R. O. M. et al. A Preceptoria na Formação Médica e Multiprofissional com Ênfase na Atenção Primária – Análise das Publicações Brasileiras. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, v. 39, n. 2, p. 316–327, abr.–jun. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. 

CARBO, A. R.; HUANG, G. C. Promoting clinical autonomy in medical learners. The Clinical Teacher, v. 16, n. 5, p. 454–457, out. 2019.

KUSURKAR, R. A.; CROISET, G. Autonomy support for autonomous motivation in medical education. Medical Education Online, v. 20, art. 27951, 6 maio 2015

CHAVES, Igor Tavares da Silva; GROSSEMAN, Suely. O internato médico e suas perspectivas: estudo de caso com educadores e educandos. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 31, n. 3, p. 212–222, 2007.

CÂNDIDO, Patrícia Tavares da Silva; BATISTA, Nildo Alves. O internato médico após as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014: um estudo em escolas médicas do estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 43, n. 3, p. 36-45, 2019.

FRUMM, S.; BRONDFIELD, S. Medical student motivation in specialised contexts. The Clinical Teacher, v. 21, 2023. 

KUSURKAR, R. A.; CROISET, G. Autonomy support for autonomous motivation in medical education. Medical Education Online, v. 20, art. 27951, 6 maio 2015

MINAYO, M. C. S. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento. In: MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F. organizadores. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013. p. 83-107

NEUFELD, A.; MALIN, G. How medical students’ perceptions of instructor autonomy-support mediate their motivation and psychological well-being. Medical Teacher, v. 42, p. 650-656, 2020.

SILÉN, C.; MANNINEN, K.; FREDHOLM, A. Designing for student autonomy combining theory and clinical practice – a qualitative study with a faculty perspective. BMC Medical Education, v. 24, 2024.

Palavras-chave: formação médica; preceptores; Atenção Primária à Saúde; Autonomia.

 

Nº de Registro no sistema Prisma PES-2024-0569 - Análise da implantação do Internato Médico da UFFS, Campus Chapecó, a partir da visão de preceptores e coordenadores da Atenção Básica.

Biografia do Autor

  • Maíra Rossetto, Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Chapecó

    Doutora em Enfermagem, Docente de saúde coletiva no curso de Medicina na UFFS, campus Chapecó,

  • MATHEUS HOLZ STORCH, UFFS

    Acadêmico de medicina, UFFS, campus Chapecó, contato: matheus.storch@estudante.uffs.edu.br

  • GRACIELA SOARES FONSÊCA, UFFS

    Doutora em Saúde Coletiva,  de saúde coletiva no curso de Medicina na UFFS, campus Chapecó. Orientador(a).

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Publicado

06-10-2025

Edição

Seção

Ciências da Saúde - Campus Chapecó