COVID-19, ESTRESSE OXIDATIVO E NEUROINFLAMAÇÃO NA ROTA DA DEPRESSÃO
Resumo
Introdução: Em dezembro de 2019, a COVID-19, resultante da infecção pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), fez sua primeira aparição na cidade de Wuhan, província de Hubei, China, quando foram confirmados 41 casos de pneumonia de etiologia desconhecida. Para a invasão celular, o SARS-CoV-2 expressa a proteína spike (S), a qual se liga a enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2). A ligação da proteína S à ECA2 depende de sua clivagem e ativação pela protease transmembrana serina 2 (TMPRSS2), assim, permitindo a entrada do vírus na célula. Esses receptores ECA2 são expressos na mucosa olfatória, pulmão, em células neuronais e gliais no SNC humano. Dessa forma, o SARS-CoV-2 é capaz de invadir o corpo por várias vias e, assim, causar uma inflamação sistêmica dos tecidos. Como resultados, a combinação da inflamação sistêmica, hipóxia resultante de insuficiência respiratória e neuroinflamação pode desencadear ou exacerbar transtornos psiquiátricos, como o Transtorno Depressivo Maior (TDM). Objetivo: Investigar a associação entre a COVID-19, o estresse oxidativo e a neuroinflamação, bem como sua relação com o início ou exacerbação do TDM. Método: Foi realizada uma revisão bibliográfica, utilizando como termos de busca a COVID-19, estresse oxidativo, neuroinflamação e depressão (os termos foram digitados no idioma em inglês) na base de dados Scopus. A partir dessa triagem, foram selecionados artigos originais com tempo de publicação inferior ou igual há 6 anos que serviram de base para a revisão. Resultados: A invasão pelo SARS-CoV-2 causa inflamação sistêmica, cuja principal característica é a ativação da cascata de produção de citocinas, denominada tempestade de citocinas. Essa inflamação sistêmica compromete a permeabilidade da barreira hematoencefálica (BHE), tornando-a instável. Com isso, o cérebro é inundado por fatores pró-inflamatórios, e a passagem fica livre para a neuroinvasão do SARS-CoV-2, que pode ser por meio de leucócitos infectados. O vírus também pode atingir o Sistema Nervoso Central (SNC) através dos órgãos circunventriculares, estruturas da linha média ao redor do terceiro e quarto ventrículos, locais que a BHE não protege. Outra porta de entrada é através do epitélio olfatório, no qual o vírus se propaga pelo nervo olfatório, cruzando a lâmina cribriforme e alcançando o bulbo olfatório no SNC. No SNC, os astrócitos produzem a astrogliose reativa, que responde a estímulos por meio da regulação positiva da proteína ácida fibrilar glial (GFAP) e da hipertrofia astroglial. Dessa forma, é possível que a neuro invasão pelo SARS-CoV-2 induza a ativação da astrogliose reativa, desencadeando o aumento da produção e secreção de citocinas e outros fatores pró-inflamatórios, perpetuando a neuroinflamação. Quanto ao estresse oxidativo, o SARS-CoV-2 pode afetá-lo através do ECA2. O angiotensinogênio, proveniente do fígado, é clivado pela renina, liberada pelos rins, em angiotensina I, que é então convertida em angiotensina II por meio da ação da ACE. A angiotensina II utiliza o receptor AT1 para a sinalização do fator de transcrição nuclear kapa B (NF-κB), o qual induz a ativação do NADPH oxidase (NOX), uma fonte de produção de espécies reativas de oxigênio (EROs). A Ang II será convertida em angiotensin (1-7) através da ECA2. No entanto, o SARS-CoV-2 utiliza-se da ECA2 para a invasão celular, promovendo a diminuição da expressão dessa enzima e suprimindo sua atividade proteolítica. Com a depleção local ou sistêmica dessa enzima, ocorre o aumento do nível de Ang II e, consequentemente, maior indução da produção de EROs via NOX em células endoteliais, desencadeando o estresse oxidativo mitocondrial e a disfunção endotelial. Por fim, a infecção por SARS-CoV-2 apresenta algumas citocinas pró-inflamatórias que se associam com a via da quinurenina (KYN). Essas citocinas pró inflamatórias, como a Interferon-alfa (INF-α), Fatores de Necrose Tumoral alfa (TNF-α), Interferon-gama (INF-y) e Interleucina 6 (IL-6), irão estimular a ação da indoleamine-2,3-dioxygenase (IDO), regulando positivamente essa enzima, a qual, juntamente com a enzima triptofano-2,3-dioxigenase (TDO), é responsável por converter o triptofano em quinurenina. Proporcionalmente, com o aumento da ação da IDO, ocorre o aumento da conversão do triptofano disponível em KYN. Assim, ocorre maior atividade da via da quinurenina e menor biodisponibilidade de triptofano para a via da serotonina. Outra ação das citocinas pró-inflamatórias é aumentar a ação das enzimas quinurenina-3-monoxigenase (KMO), quinureninase (KYNU) e o ácido 3-hidroxi-antranílico (3-HAO) e, consequentemente, promovem maior conversão da KYN em seu produto final, o QA. Este metabólito neurotóxico pode afetar positivamente a produção de EROs, modulando e promovendo o estresse oxidativo. A neuroinflamação provocada pelo SARS-CoV-2, juntamente com estresse oxidativo, é responsável pela morte e dano neuronal, fatores precursores e/ou exacerbadores de transtornos psiquiátricos, como o TDM. Conclusão: Com base nisso, os sintomas e mecanismos fisiopatológicos envolvidos no COVID-19 fornecem fortes evidências para o envolvimento do estresse oxidativo, hiperinflamação e alterações cerebrais subjacentes à ativação glial e neuroinflamação do COVID-19 no desencadeamento e exacerbação do TDM.