A FUNÇÃO DO GLUTAMATO NOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE E NO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

  • Tália Cássia Boff Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Silvio José Batista Soares UFFS
  • Zuleide Maria Ignácio UFFS
  • Millena Daher Medeiros Lima UFFS
Palavras-chave: Glutamato, Transtornos de Ansiedade, Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Resumo

Segundo o DSM-5, entre os transtornos de ansiedade mais estudados, ganham destaque o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), o transtorno do pânico (TP) e o transtorno de ansiedade social (TAS). Entre os principais neurotransmissores relacionados à fisiopatologia desses transtornos estão a serotonina, a dopamina e o glutamato. O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central (SNC) e também tem uma relação importante na fisiopatologia do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Devido à relevante função da neurotransmissão glutamatérgica nos transtornos ansiosos e no TOC, este estudo objetivou analisar os estudos da literatura científica sobre os circuitos neuronais envolvidos, a relação do glutamato com outros neurotransmissores, o circuito córtico-estriado-tálamo-cortical (CETC), além da relação com o eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA). Realizou-se uma extensa revisão da literatura na base de dados Pubmed dirigida a buscar a ação do glutamato nos diversos circuitos envolvidos com TAG, TP, TAS e TOC para a posterior escrita detalhada de um capítulo completo publicado em livro internacional. A exposição prolongada e frequente a eventos estressores externos desencadeia uma resposta fisiológica e comportamental, que cronicamente acarreta em mudanças funcionais persistentes, devido à ativação do HPA e consequente liberação constante de cortisol. As vias glutamatérgicas presentes no córtex pré-frontal sofrem influência do estresse e desregulam a neurotransmissão em áreas referentes ao afeto e à cognição. Outro estudo mostrou que o antagonismo glutamatérgico parece desempenhar um papel importante no bloqueio dos sistemas hiperativos do eixo HPA em transtornos neuropsiquiátricos. Em relação à TAG, os estudos sugerem que os déficits de ácido gama-aminobutírico (GABA) associados ao aumento da neurotransmissão excitatória do glutamato são mecanismos envolvidos na patogênese desse transtorno. Por exemplo, alguns estudos realizados por ressonância magnética funcional (fMRI) analisaram as respostas cerebrais em TAG diante de estímulos emocionais negativos e observaram aumento da estimulação de estruturas límbicas, como a amígdala, região relevante no controle do medo e da reatividade emocional, e a ínsula, responsável pelos estados fisiológicos internos envolvidos com as emoções. Ainda, através da neuroimagem detectou-se a inadequação adaptativa do córtex pré-frontal (CPF) medial diante de estímulos desencadeados pela preocupação rigorosa e persistente. Visto isso, a literatura científica fornece evidências de que o glutamato é o neurotransmissor primário nas conexões bidirecionais entre o CPF e a amígdala, sendo este circuito responsável pela regulação das saídas da amígdala ao hipotálamo e a ativação de respostas fisiológicas à ansiedade. Já o TP apresenta um mecanismo importante de ativação inadequada da rede central de medo, a qual inclui a amígdala e suas conexões com o hipocampo, tálamo, hipotálamo, matéria cinzenta periaquedutal, locus coeruleus e CPF. A conexão com o CPF gera uma interpretação inadequada das informações sensoriais e dos processos de condicionamento, resultando em ataques de pânico e na ansiedade antecipatória. Também foi observado que a região dorsomedial do hipotálamo é um dos locais que coordenam respostas neuroendócrinas, autônomas e comportamentais, sendo que o aumento do glutamato nessa região, em um experimento com ratos, desencadeou sintomas cardiorrespiratórios como taquipneia, taquicardia, hipertensão e evasão na interação social, os quais estão presentes em pacientes com TP. Em relação ao TAS, um estudo observou que o bloqueio do receptor de glutamato NMDA no núcleo reticular pontino caudal atenuou o medo. Em concordância, outro estudo demonstrou que a infusão de cetamina, um antagonista do receptor NMDA, promoveu uma resposta ansiolítica em indivíduos TAS. Quanto ao TOC, existem inúmeras hipóteses etiológicas que apontam para heterogeneidade de circuitos envolvendo o córtex frontal, núcleos basais, tálamo e outras regiões do sistema límbico, que ao não processarem as informações de forma equilibrada, desencadeiam sintomas específicos. A neurotransmissão glutamatérgica é um dos mecanismos críticos e as evidências apontam para níveis de glutamato elevados no líquido cefalorraquidiano em indivíduos com TOC. As evidências também apontam que os neurônios glutamatérgicos originários no córtex pré-frontal desempenham um papel fundamental no circuito CETS. A repetida estimulação glutamatérgica interfere nos mecanismos de plasticidade em estruturas do circuito, como o tálamo e o estriado. O aumento da atividade glutamatérgica, especialmente do receptor NMDA é um potente mecanismo de excitotoxicidade neuronal e também pode interferir na função de outros neurotransmissores envolvidos com os transtornos de ansiedade e TOC.  As evidências de que a hiperatividade glutamatérgica está relacionada aos transtornos de ansiedade e ao TOC são compatíveis com as pesquisas tanto em pacientes quanto em modelos animais que apontam, por exemplo, para o efeito ansiolítico do riluzole, um inibidor da liberação de glutamato. Dessa forma, a redução da transmissão glutamatérgica em alguns circuitos neuronais apresenta-se com um futuro promissor em conjunto com os demais agentes terapêuticos, como os que modulam a neurotransmissão dopaminérgica serotoninérgica, no tratamento dos transtornos de ansiedade e TOC.

Publicado
29-10-2021