PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA E UMA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA
Resumo
INTRODUÇÃO
A partir do ingresso no Programa Residência Pedagógica (PRP) de Língua Portuguesa, dentro do núcleo do campus Cerro Largo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), tem-se um maior e mais sensível contato com as práticas de ensino de Literatura nas escolas. Permitiu-se, desde então, tomar conhecimento de que o ensino de Literatura é um constante cultivo de novos leitores e leitoras em um universo vasto a ser explorado. Entretanto, como ingressamos recentemente no PRP, será tratado ao longo desta escrita a, até então, breve experiência que temos neste processo, ainda em construção, de tornar-se professor de literatura.
Por esta razão, este resumo expandido focar-se-á no processo de elaboração e implementação de um plano de aula de Literatura, voltado para uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal de Ensino Fundamental Doutor Otto Flach. Sendo um grupo jovem, recém-chegados dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que vai do 1º ao 5º ano, uma abordagem mais lúdica e convidativa foi necessária, bem como uma familiarização com o processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa em conjunto com a Literatura.
1 METODOLOGIA
A metodologia utilizada no processo de construção das práticas pedagógicas, que dizem respeito ao ensino de literatura na escola, foi a do Letramento Literário, de Rildo Cosson. Para o autor (2009, p. 27),
A leitura é, de fato, um ato solitário, mas a interpretação é um ato solidário. [...] Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço.
Assim sendo, um dos trabalhos que toca ao professor de literatura é o de formar leitores. Eles verão o ato de ler e escrever como uma prática significativa da qual poderão se apropriar e relacionar com o mundo em que vivem, fortalecendo os laços com suas realidades, fornecendo as ferramentas necessárias para que se sintam inspirados e instigados a conhecer o que se é proporcionado por meio da leitura de textos literários. E justamente neste processo de trocas que a descoberta a respeito da existência ou não de um bom leitor foi proporcionada através dos textos lidos em nossos encontros semanais com o docente orientador e a preceptora.
Substitui-se, dessa forma, o “bom leitor”, por “leitor maduro”, que “é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo que ele já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (LAJOLO, 1986, p. 53). Neste sentido, não se anula a existência do bom leitor, entretanto, é a maturidade do leitor que vai determinar se ele é bom ou não. A elaboração do plano de aula mostrou-se uma tarefa cujo desafio era interessante: levar a literatura para estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental.
Com isso em mente, a crônica foi o gênero escolhido para se trabalhar a partir do texto “O Grande Edgar”, de Luís Fernando Veríssimo, que, dentro de uma linguagem sutil e fácil de se compreender, está repleto de uma complexidade a ser explorada em seus elementos textuais que amplificam as possibilidades a serem apontadas na companhia dos estudantes. De maneira geral, objetivou-se promover o letramento literário por meio da obra anteriormente citada, capacitando os alunos a desenvolverem uma compreensão crítica e aprofundada da literatura, analisando os elementos literários e culturais da história, aprimorando suas habilidades de interpretação textual e refletindo sobre os temas abordados para ampliar seu repertório literário e crítico. Suassuna (1995, p. 38) destaca que
Ao professor cabe, ainda, dentro dessa dinâmica, propiciar aos alunos com quem interage oportunidades de leituras cada vez mais elaboradas e diversificadas, no sentido de reorganizar/ampliar as representações que os sujeitos já construíram em tom do real.
De modo específico, buscou-se capacitar os leitores a identificar e descrever elementos literários presentes na história, promover a análise crítica da narrativa, ajudando os leitores a compreender a estrutura da história, incentivar a exploração e discussão dos temas e motivos presentes na obra, fomentar debates sobre questões sociais e morais levantadas pelo conto, incentivando os leitores a refletir sobre dilemas éticos e psicológicos apresentados na história e aprimorar as habilidades de escrita dos leitores, por meio da reescrita de uma nova versão da crônica lida.
Para a implementação deste plano de aula, utilizou-se três períodos de aulas de Língua Portuguesa em dois dias diferentes. O início da aula, no procedimento de motivação, deu-se com um momento de distração para os estudantes, em que uma foto do Luís Fernando Veríssimo lhes foi apresentada utilizando o projetor disponível na sala de aula, acompanhada da seguinte indagação: o que vocês fariam se este senhor parasse vocês na rua e perguntasse “você lembra de mim?”. Tal questionamento se deu de modo proposital, para sondar as possíveis reações dos estudantes, de modo que, previamente, o enredo da obra mais tarde lida tivesse conexões feitas de maneira mais fácil. O retorno obtido neste momento foi entusiasmante, visto que os alunos se mostraram curiosos com a pergunta, uma vez que o senhor da foto não era ninguém que eles conheciam, embora alguns pensassem que, de fato, não se lembravam.
A partir desta conversa, os alunos foram questionados sobre já terem presenciado e/ou vivenciado uma situação semelhante com a apresentada anteriormente, para realizar uma aproximação da realidade do grupo com o qual se compartilhará diversos momentos no decorrer do PRP. Dentre os vários relatos citados, tal proximidade foi tornando o ambiente em sala de aula cada vez mais leve, onde até mesmo os mais tímidos nos primeiros minutos tornaram-se faladores. No último momento da motivação, a foto do autor da crônica foi mostrada outra vez para que, só então, ele fosse devidamente apresentado para os estudantes, formando a ponte ideal para a realização da leitura da crônica “O Grande Edgar”. Este momento dividiu-se em dois. No primeiro, os alunos realizaram uma leitura silenciosa da crônica, familiarizando-se com a escrita e tecendo suas primeiras impressões; e o segundo foi a leitura em voz alta do conto “Grande Edgar”, no qual cada residente representou um dos dois personagens do texto.
No movimento de pós-leitura, com os alunos já mais familiarizados com a obra, foram feitas perguntas que tratavam de questões de enredo, tempo, espaço e interpretação, para serem respondidas oralmente. Neste momento, algumas questões não estavam inteiramente claras para parte do grupo, de modo que se retomou com anotações no quadro alguns conceitos para melhor compreensão por parte dos alunos: as diferenças entre o narrador em primeira e terceira pessoa, e, ao final deste momento, os alunos tiveram esclarecida a sutil diferença entre crônica e conto.
Como este plano não conseguiu ser finalizado em apenas um encontro, na semana seguinte foi necessário retornar para a sala de aula do 6º ano para aplicar a atividade de produção textual, que consistiu na reescrita da história, criando um novo encontro para os personagens, dando a eles nomes, elaborando um passado para eles e relacionando-os, fazendo-se valer de situações já vividas por eles, os alunos, para desenvolverem suas produções textuais.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Dias e Pinto (2011, p. 899), o essencial é que o professor seja capaz de fazer com que o aluno saiba visualizar e criticar os elementos em sala de aula que são trabalhados, de modo que seja relevante para a constituição do aluno como um indivíduo social. Visto que o ser humano se encontra em constante mudança. A consciência é a peça relevante deste quebra-cabeças que se chama escola e é o que traz a necessidade da educação. Com isso,
O papel do professor não pode se resumir a indicar um livro, um texto a ser lido. Ele tem de apresentar a obra, de acompanhar a leitura, guiar, tirar dúvidas, propor novas questões para o leitor adquirir autonomia e compreensão de que há diferentes leituras para um texto, não uma só e irredutível. (PAZ, THIMÓTEO, BERNED, 2021, p. 246)
Ao adotar uma abordagem que valoriza as experiências pessoais dos alunos e as relaciona com as obras literárias estudadas, promove-se um ambiente de aprendizado inclusivo e enriquecedor. Isso não apenas amplia o entendimento dos estudantes sobre os textos literários, mas também lhes permite explorar questões e temas relevantes para suas vidas. Quando os alunos incorporam suas próprias histórias e perspectivas na análise e discussão de textos, eles são incentivados a se envolverem ativamente com a literatura, transformando-a de uma disciplina obrigatória para uma ferramenta viva de auto expressão e compreensão do mundo ao seu redor. Portanto,
[...] quem lê recria esse processo de invenção para decifrar e decifrar-se na linguagem do outro. É esse o processo complexo que implica, para dizer o mínimo, dois sujeitos, com toda a sua experiência, com toda a sua história, com suas leituras prévias, com suas sensibilidades, com sua imaginação, com seu poder de situar-se para além de si mesmos. Trata-se de uma experiência de leitura complexa e, deve-se dizer, difícil. Mas passível de ser ensinada. E, para ensiná-la, convém partir de sua essência. (REYES, 2012, p.27)
Além disso, reconhecendo a importância da interação entre os leitores e os textos, se promove uma abordagem mais aberta e colaborativa para o estudo da literatura. Ao invés de enxergá-la como um conjunto estático de obras distantes, estamos demonstrando aos alunos que a interpretação e a apreciação literária são processos dinâmicos e pessoais. Isso encoraja uma cultura de discussão e reflexão, na qual os alunos podem compartilhar perspectivas divergentes e descobrir novas camadas de significado nas obras literárias, permitindo-lhes desenvolver habilidades críticas e analíticas essenciais para a compreensão mais profunda das complexidades da vida e da condição humana.
Ao fornecer um espaço para que os alunos se conectem com as narrativas literárias de maneira pessoal e significativa, cultiva-se um ambiente de aprendizagem que promove o desenvolvimento de uma comunidade de leitores críticos e reflexivos. Destacando a importância da literatura como uma ferramenta para a exploração da diversidade de experiências humanas, preparamos os alunos para se tornarem cidadãos conscientes e pensadores engajados, capazes de compreender e abraçar a complexidade do mundo em que vivem. Por isso, é essencial adotar uma abordagem que transcenda a mera análise superficial das estruturas linguísticas presentes nos textos literários. Nesse sentido, os professores de literatura são desafiados a explorar a riqueza e a profundidade das obras como expressões vivas da cultura e da experiência humana.
Ao trabalhar com o texto, devemos tratá-lo como uma realidade e não uma virtualidade, o que faz com que nós, estudiosos da linguagem e professores de Língua Portuguesa, atentemo-nos para uma análise linguística operacional-reflexiva, e não meramente a análise gramatical em que o texto é apenas acessório, conforme explica Geraldi (1997)." (SOUZA, ALANO, DIAS, 2018, p.48).
Em vista disso, incentivar uma análise crítica que considere não apenas os aspectos formais, mas também as interconexões entre os textos literários e os contextos socioculturais mais amplos, os educadores estão capacitando os alunos a desenvolverem uma compreensão mais profunda e significativa das complexidades da condição humana, ampliando assim seu repertório crítico e sua capacidade de apreciar a diversidade e a riqueza da expressão literária.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Sendo este apenas o primeiro plano de aula aplicado neste início de caminhada junto ao PRP, torna-se um trabalho delicado falar a respeito de resultados e discuti-los. Entretanto, foi uma experiência significativa o suficiente para mostrar na prática que ser professor de literatura é carregar consigo uma bagagem de leituras pesada o suficiente para que os elementos textuais presentes em quaisquer obras possam ser usados para ampliar os horizontes dos alunos em seu processo formativo.
A sabedoria decorrente da prática em ler não é mensurável, pois se constitui aos poucos, leitura após leitura, assim como o amadurecimento do leitor. Raramente torna-se leitor da noite para o dia ou inicia-se leitor com obras canônicas. O leitor ouviu muitas histórias, foi instigado, desafiado, muito provavelmente cooptado por outro leitor. Assim, faz-se a cadeia de leitura. Um leitor ajuda na formação de outro leitor. (PAZ, THIMÓTEO, BERNED, 2021, p. 242)
Com isso, a relevância de tais questões, o desenvolvimento e aprimoramento do ato de ser professor, não como conteudista, mas sim como alguém cuja experiência auxilia na construção das pontes que ligarão os alunos aos conhecimentos a serem conquistados, e, neste caso, em consonância com a literatura, há a metamorfose docente. Ou seja, o ensino de literatura, no interior próprio, ganha uma ressignificação, que ajuda a engendrar um professor que esteja de fato comprometido com a formação de novos e apaixonados leitores. Embora as produções textuais ainda não tenham sido todas corrigidas, percebeu-se a forte presença de experiências de vida dos estudantes nos textos, mostrando que a literatura é um espaço que vai além da conexão escritor com leitor, mas também a redescoberta do leitor como escritor.
CONCLUSÃO
Sabe-se, porém, que não é consequência de uma única aula que formar-se-ão novos leitores com ânimos entusiasmados para explorar o mundo da literatura. Entretanto, foi o início de um processo que, gradativamente, tem a possibilidade de alcançar os resultados almejados. Ao aluno tornar-se parte ativa e força motriz dentro da sala de aula, em um movimento que traz à tona a importância dele para o mundo, tecer conexões entre aluno e professor e, principalmente, entre aluno e a literatura, acaba sendo um trabalho muito mais leve. Devemos confiar na literatura como uma grande ferramenta que deve utilizar a sala de aula como uma cinesia necessária para a formação de novos leitores.
REFERÊNCIAS
DIAS, Eliana; PINTO, Danilo Corrêa. Reflexões Sobre A Prática De Ensino De Língua Portuguesa. Anais do Sielp, Uberlândia, v. 1, p. 894-903, 2011.
LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In Leitura em crise na Escola: as alternativas do professor. Regina Zilberman (org). Editora Mercado Aberto, 1986.
PAZ, D. A.; THIMÓTEO, S. G.; BERNED, P. L. Literatura e caminhada: problemas de mediação de leitura. Fragmentum, [S. l.], n. 57, 2022. DOI: 10.5902/2179219463744. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/fragmentum/article/view/63744. Acesso em: 15 fev. 2023.
REYES, Yolanda. O lugar da literatura na educação. Ler e brincar, tecer e cantar - Literatura, escrita e educação. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2011.
SOUZA, ALANO, DIAS. Análise Linguística Integrada à Leitura: Contribuições Para a Prática Docente em Língua Portuguesa. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 22, n. 1, p. 39-56, jan./mar. 2019
SUASSUNA, L. Ensino de Língua Portuguesa: Problemas e Perspectivas Metodológicas. Tóp Educ. Recife. v. 13, nº 1/2, p. 31-39, 1995.