A Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) no Sistema Único de Saúde (SUS): caminhos e desafios para sua consolidação
Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde, Profilaxia Pré-Exposição, HIV, risco, Vulnerabilidade em SaúdeResumo
Introdução: No que tange à saúde de grupos historicamente negligenciados e marginalizados, é fundamental discutirmos acerca dos riscos e vulnerabilidades que os mesmos perpassam nas mais diversas áreas, sendo que o risco está ligado à probabilidade de ocorrência de adoecimento e/ou morte devido algum agravo de saúde, enquanto que a vulnerabilidade determina a suscetibilidade do indivíduo a agravos e enfrentamento dos mesmos, o que depende de aspectos individuais e condições coletivas. Assim, a vulnerabilidade surge como um indicador das condições individuais e sociais, e está ligada a populações marginalizadas e desrespeitadas quanto aos seus direitos de cidadania (Bertolozzi et al., 2009). Em relação aos fatores que influenciam no risco à contração do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), pode-se citar principalmente os comportamentos sexuais e o uso de drogas, sendo que, em sua grande maioria os países consideram homens que fazem sexo com outros homens (HSH), usuários de drogas injetáveis, mulheres trans e profissionais do sexo como pessoas com comportamentos de risco em potencial. No que tange à vulnerabilidade, é importante destacar que a mesma perpassa três aspectos principais: individual, programática e social. A dimensão individual diz respeito ao acesso à informação, interpretação e incorporação do conhecimento adquirido e aos comportamentos tanto nocivos que os tornam mais suscetíveis a um agravo, quanto de enfrentamento e proteção. Já a programática configura-se como o acesso aos serviços de saúde, em todas as suas dimensões, desde a organização dos mesmos até o vínculo com o profissional, além das ações realizadas. Por fim, o aspecto social discorre sobre o ciclo de vida, mobilidade e identidade social, bem como as normas e leis, relações de gênero, raça entre outros (Bertolozzi et al., 2009). Entretanto, é fundamental compreender que fazer parte de um ou outro grupo social não implica necessariamente em maior risco de infecção pelo HIV, e dessa forma, os profissionais de saúde não devem simplificar essa avaliação, mas sim transpor a lógica populacional para o âmbito individual, avaliando o usuário de acordo com as suas especificidades, uma vez que a exposição ao HIV e as formas de prevenção dependem de diversos fatores (Zucchi et al., 2018). A partir disso, a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) surge como uma estratégia fundamental no âmbito da prevenção combinada, principalmente para grupos sociais marginalizados. Entretanto, o acesso à profilaxia, assim como à saúde no geral, ainda é dificultado devido às diversas barreiras estruturais, sociais, morais, e econômicas, que impedem assim o acesso à saúde sexual de diversos grupos populacionais. Portanto, o objetivo do presente estudo é analisar, a partir da literatura científica, como a PrEP vem sendo compreendida e utilizada no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), apontando caminhos e desafios para sua consolidação. Materiais e Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, em uma abordagem qualitativa. A busca foi realizada no primeiro semestre de 2025, através dos descritores “Profilaxia Pré-Exposição”, “HIV”, “Risco” e “Vulnerabilidade em Saúde”, sendo, nos seguintes buscadores e/ou bases de dados: Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), e PubMed (base de dados e sistema de pesquisa online para literatura biomédica e de ciências da vida, desenvolvido e mantido pelo National Center for Biotechnology Information - NCBI da National Library of Medicine - NLM nos Estados Unidos da América - EUA). Como critério de inclusão, foram selecionados apenas artigos publicados nos últimos 10 anos, a fim de garantir a atualidade e a relevância das informações, em língua portuguesa, inglesa ou espanhola. A análise dos dados ocorreu de maneira crítico-reflexiva, a partir dos de referenciais teóricos, filosóficos e epistemológicos que ancoram o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e o SUS, e a organização dos resultados ocorreu com a identificação dos principais pontos em comum entre os autores e a sistematização das ideias em torno do tema central do estudo. Resultados e Discussão: A respeito do uso clínico da PrEP, a mesma consiste no uso de dois antirretrovirais (ARV) orais, o fumarato de tenofovir desoproxila (TDF) 300mg e a entricitabina (FTC) 200mg, com o intuito de reduzir o risco de adquirir infecção pelo HIV. Entretanto, para que o usuário tenha acesso a esses medicamentos, faz-se necessário uma gama de ações sociais, estruturais e organizacionais. De acordo com Penchansky e Thomas (1981), o acesso ao sistema de saúde perpassa cinco dimensões, sendo elas: a disponibilidade dos serviços de acordo com a quantidade de usuários e suas necessidades; a acessibilidade ao serviço, levando em consideração a localização do mesmo, distância, custos e o tempo de transporte; a forma de organização dos recursos para receber os usuários, como horário de funcionamento, atendimento e sistemas utilizados; a relação entre o custo e o serviço prestado; e a relação entre usuário e profissional, de acordo com as atitudes e práticas de cada um. Dessa forma, o acesso à PrEP está diretamente relacionado à organização, funcionamento e relações entre os serviços de saúde e os indivíduos, visto que é fundamental que o usuário não apenas se enxergue como o protagonista no gerenciamento dos seus riscos, mas também tenha acesso às ferramentas que possibilitam essa independência, de forma capacitada e informada por parte dos profissionais. Além disso, de forma a utilizar os recursos de forma mais eficiente, a Organização Pan-Americana da Saúde (2019) recomenda que a PrEP seja oferecida em áreas com maior incidência e prevalência de HIV e para populações-chave e pessoas com comportamentos individuais de risco considerável. Entretanto, ainda existem fragilidades principalmente no que diz respeito à disponibilidade do medicamento em pequenas cidades e interior dos estados, devido ao subfinanciamento e falta de capacitação de recursos humanos (Pimenta et al., 2022). Ainda em relação ao acesso, cabe citar que a grande maioria das pessoas que podem se beneficiar da profilaxia pertence a grupos sociais marginalizados, que enfrentam barreiras jurídicas e sociais para acesso aos serviços de saúde (Organização Pan-Americana da Saúde, 2019). Todavia, mesmo quando os usuários conseguem acessam os serviços, ainda existem barreiras a serem quebradas, como apontado no estudo de Pimenta et al. (2022), no qual foi percebido a dificuldade na inclusão e engajamento de mulheres trans e travestis, e jovens da periferia, negros e pobres ao uso da profilaxia, sendo apontados como principais fatores o racismo, violência e discriminação dessa população também em serviços de saúde. Ainda no mesmo estudo, os gestores relatam dificuldades na divulgação de informações para populações mais vulneráveis, uma vez que percebem que usuários brancos, de classe média ou alta, são melhor informados e sentem-se mais pertencentes ao serviço de saúde, quando comparados com, por exemplo, mulheres trans, negras, pobres, que já não acessam esses espaços, devido às violências e discriminações sofridas, fazendo com que a barreira no acesso à informação também se torne uma barreira de acesso à PrEP. Considerações finais: Diante do exposto, é fundamental a ampliação da divulgação e acesso aos serviços, fazendo-se necessário uma gama de adequações de processos, que envolvem recursos humanos, ampliação de horários, transporte e também alimentação para os usuários, principalmente no que tange às populações mais vulneráveis. Ainda, de forma a superar os obstáculos referentes à recursos humanos e estruturais, faz-se necessário também o engajamento da equipe, mantendo a qualidade do atendimento, sendo acolhedor, humanizado, respeitoso e sem discriminação, garantindo também a privacidade do indíviduo (Pimenta et al., 2022). Em relação aos serviços de saúde, é fundamental que os mesmos sejam acessíveis às populações que irão acessá-las, podendo ser integrados a outros serviços que esse grupo já utilize, além de demonstrar sensibilidade cultural e oferecer serviços complementares, como por exemplo relacionados a saúde sexual ou mental (Organização Pan-Americana da Saúde, 2019).