Silicose: um desafio regional no cuidado à saúde dos garimpeiros
Palavras-chave:
Educação em saúde, Saúde do trabalhador, silicoseResumo
Introdução: Ao longo das últimas décadas observa-se o aumento da expectativa de vida da população, redução dos óbitos por doenças infectocontagiosas e alteração no padrão nosológico, decorrentes da transição epidemiológica. Consequentemente, evidencia-se um aumento da morbimortalidade por doenças crônico-degenerativas (Nunes, 2021). A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, em nível global, sete das dez principais causas de morte em 2021 foram em decorrência de doenças não transmissíveis, respondendo por 38% do total de óbitos, ou 68% das dez principais causas. Dentre estas, as duas principais causas de morte estão associadas às doenças cardiovasculares e respiratórias (OPAS, 2020). Dentre as doenças respiratórias crônicas estão as pneumoconioses, as quais, caracterizam-se como um grupo de doenças pulmonares intersticiais de origem ocupacional, causadas pela inalação de diferentes tipos de poeiras minerais ou metais. As três principais doenças deste grupo incluem: silicose, pneumoconiose dos trabalhadores de carvão (doença do pulmão negro) e beriliose (doença crônica por exposição ao berílio) (Bell; Mazurek, 2020). A silicose é causada pela inalação de partículas de sílica ou dióxido de silício cristalino livre, que existem no ar de ambientes de trabalho, especialmente em locais de garimpo. Durante o desenvolvimento das práticas de cuidado, vivenciadas em uma região de garimpo no estado do Rio Grande do Sul, observam-se estas alterações fisiopatológicas constantemente nos serviços, o que incute aos profissionais de saúde a necessidade de conhecimentos específicos para a atenção qualificada a este perfil de usuários. Objetivo: Relatar a experiência de profissionais da saúde de uma região de garimpo do Rio Grande do Sul sobre o desenvolvimento de ações de qualificação profissional para otimizar a qualidade do cuidado ao garimpeiro com silicose. Materiais e métodos: Trata-se de um relato de experiência desenvolvido por uma enfermeira, membro de uma equipe de atenção primária à saúde de uma região de garimpo no noroeste do Rio Grande do Sul, cidade na qual a principal atividade econômica provém do garimpo, por meio da extração de pedras preciosas. Foram planejadas e desenvolvidas duas ações de qualificação profissional que envolveram: A primeira foi uma revisão bibliográfica com materiais disponíveis nas bases de dados indexadas e publicados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), SCOPUS, Web Of Science. A busca foi realizada no período de novembro a dezembro de 2024 e foram utilizados os seguintes descritores selecionados no MeSH (Medical Subject Heading Terms) e no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), formando a chave de busca: (Educação em Saúde) OR (Health Education) AND (Saúde do Trabalhador) OR (Occupational Health) AND (Silicose) OR (Silicosis). Foram selecionados para revisão de literatura: artigos, manuais do ministério da saúde, monografias, dissertações, teses disponíveis na íntegra, publicados e escritos em línguas nacionais e internacionais, coerentes com o tema da busca. A segunda ação, desenvolvida no serviço de saúde, foi a socialização das percepções dos profissionais sobre as fragilidades e potencialidades do cuidado que estavam desenvolvendo aos garimpeiros com silicose e a eleição de possíveis estratégias para prevenção e manejo dessas condições de saúde do trabalhador. Resultados e discussão: Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022) a população estimada no ano de 2024 na cidade analisada, a população total era de 7822 pessoas. Dados obtidos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS, 2025), mostram que nos últimos 10 anos (2014-2024) houveram 362 notificações de investigação de pneumoconiose relacionada ao trabalho no estado do Rio Grande do Sul, onde 229 pessoas das notificadas possuíam como ocupação o garimpo. Destas notificações, esta região elencada para o estudo lidera o ranking, obtendo 225 pessoas residentes notificadas, sendo que 169 são garimpeiros. Os dados obtidos junto ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST, 2024) do município, por meio do Software MDmed, há atualmente 533 (correspondente a 6,81% da população) pacientes com diagnóstico de silicose. Foram identificados na literatura o impacto do aumento da morbimortalidade por doenças crônicas não-transmissíveis, com foco na silicose, suas causas, diagnóstico, subtipos e complicações, a fim de identificar lacunas no conhecimento e possíveis estratégias para o cuidado. A Silicose é uma doença que leva a condições progressivas e irreversíveis, com o início da inflamação até a fibrose. Com a progressão identifica-se que os danos graves à função pulmonar se agravam, apresentando diversos sintomas, como dispneia, tosse e infecções do trato respiratório. Além disso, são observadas complicações secundárias, como pneumotórax e cardiopatias (Chen; Liu; Xie, 2022). O diagnóstico da silicose é fundamentado na análise minuciosa da trajetória ocupacional do indivíduo em relação à exposição à sílica, bem como, na avaliação detalhada do histórico clínico do paciente e na interpretação da radiografia de tórax, atualmente muito utilizada como método diagnóstico (Brasil, 2006). Embora esforços tenham sido feitos por várias décadas, não há tratamento eficaz para a silicose, exceto o transplante de pulmão (Chen; Liu; Xie, 2022). Ademais, enfatiza-se que existem três subtipos da Silicose, as quais se diferem pelos sintomas, progressão da doença e tempo de exposição ao agente causador: a silicoproteinose, causa dispneia após exposição intensa por um curto período; a silicose acelerada, resulta em dispneia progressiva e hipoxemia, entre 2 a 10 anos de alta exposição; já a silicose crônica, é inicialmente assintomática, mas evolui para dispneia e comprometimento pulmonar severo após mais de 10 anos de exposição à sílica (Aide; Maciel, 2016). Esta, consiste em um risco ocupacional preponderante entre trabalhadores envolvidos na exploração e manipulação de rochas em garimpos, cujas atividades os expõem de forma prolongada e contínua à poeira que contém cristais de sílica (Iversen et al., 2024). Por isso, ressalta-se a importância de voltar a atenção a essa população, que necessita do fortalecimento da assistência à saúde integral, visto que a silicose pode gerar impactos biopsicossociais e aumentar a predisposição ao risco cardiovascular na vida dos garimpeiros. A depender do grau dos impactos, pode acarretar em mudanças no estilo de vida, manutenção da independência para realizar as atividades da vida diária e dificuldades para o autocuidado. Para a socialização das percepções dos profissionais de saúde sobre as fragilidades e potencialidades do cuidado prestado aos garimpeiros com silicose, bem como eleger estratégias para prevenção e manejo dessas condições de saúde do trabalhador, foi proposto um processo participativo, dialógico e contínuo dentro do serviços de saúde. O primeiro passo foi a criação de espaços coletivos de reflexão, como rodas de conversa desenvolvidas durante a reunião da equipe com troca de experiências, reflexões sobre as leituras realizadas e a análise crítica da prática de cuidado desenvolvida. Nessas atividades, os profissionais de diferentes categorias foram convidados a compartilhar casos, relatar vivências e refletir sobre os desafios e os êxitos no cuidado aos garimpeiros com silicose. A eleição de estratégias para a prevenção e manejo da silicose priorizadas foram: a elaboração de protocolos de rastreamento da doença, o fortalecimento da vigilância em saúde do trabalhador, o desenvolvimento de ações intersetoriais com outros órgãos públicos e a promoção de atividades educativas voltadas aos próprios garimpeiros. Dentro desse contexto, a equipe identificou lacunas no atendimento a essa população, bem como sinais de alerta de piora clínica dos pacientes portadores de silicose. Ainda, foram elencados os casos de prioridade clínica que demandam atendimento multiprofissional, além de referenciar para o acompanhamento especializado pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Dessa forma, foi possível encaminhar os pacientes para as respectivas especialidades, garantindo um suporte adequado. Além disso, foram traçadas metas para o rastreamento dessa população, visando tanto a promoção da saúde quanto a prevenção de agravos, fortalecendo a abordagem preventiva e a continuidade do cuidado. Considerações finais: A experiência relatada evidencia a importância da qualificação profissional como ferramenta estratégica para aprimorar o cuidado em saúde do trabalhador, especialmente em contextos específicos como os garimpos, onde a exposição prolongada à sílica representa risco elevado para o desenvolvimento da silicose. O processo de capacitação, sustentado pela revisão da literatura científica e pela socialização das percepções dos profissionais, permitiu ampliar o entendimento sobre as múltiplas dimensões da doença e, sobretudo, favoreceu a construção coletiva de estratégias de prevenção e manejo mais contextualizadas à realidade local. A articulação entre o conhecimento técnico-científico e as vivências práticas dos profissionais foi essencial para reconhecer fragilidades na assistência e potencializar ações voltadas ao rastreamento precoce, vigilância ativa e educação em saúde. Nesse sentido, reafirma-se a relevância da educação permanente como pilar para o fortalecimento das práticas em saúde do trabalhador, contribuindo para um cuidado mais qualificado, humano e resolutivo às populações vulnerabilizadas, como os garimpeiros expostos à sílica. A continuidade dessas ações, aliada ao compromisso institucional com a saúde ocupacional, é fundamental para enfrentar os desafios impostos pelas doenças respiratórias crônicas de origem ocupacional e promover melhores condições de vida e trabalho para esses sujeitos. Assim, a enfermagem desempenha papel fundamental no auxílio aos garimpeiros com silicose, principalmente na educação em saúde destinada ao autocuidado, aspecto essencial para a manutenção da autonomia e reabilitação. Compreender as motivações e dificuldades vivenciadas pelos garimpeiros com silicose é a base para o planejamento do cuidado, com a inclusão de estratégias educativas que considerem as principais necessidades e potencialidades dessa população para capacitá-la, em conjunto com a rede de apoio familiar, ao desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades de autocuidado.