Padrões espaciais da morbimortalidade na região de saúde de Viçosa (MG)

Autores

  • Jane Kelly Oliveira Friestino Universidade Federal da Fronteira do Sul
  • Odair Bonacina Aruda UFFS
  • Daniel Hideki Bando Universidade Federal de Alfenas
  • Pablo César Serafim Universidade Federal de Alfenas
  • Vanderlei Carneiro da Silva Universidade de São Paulo
  • Aldiane Gomes de Macedo Bacurau Universidade Estadual de Campinas
  • Carla de Souza Rocha Centro Universitário de Viçosa
  • Luiza Veloso Dutra Centro Universitário de Viçosa

Palavras-chave:

Estudos ecológicos, Mortalidade, Morbidade, Análise Espacial, Epidemiologia

Resumo

Introdução

A caracterização socioeconômica e territorial dos municípios brasileiros é essencial para subsidiar análises no campo da saúde, educação e planejamento urbano. A Região de Saúde de Viçosa, situada na Zona da Mata mineira, é composta por nove municípios: Viçosa, Araponga, Canaã, Cajuri, Coimbra, Ervália, Paula Cândido, Pedra do Anta e São Miguel do Anta. Esta região caracteriza-se por um relevo predominantemente montanhoso, inserido no Planalto de Viçosa, entre as Serras da Mantiqueira, do Caparaó e da Piedade. O clima tropical de altitude, com verões chuvosos e invernos secos, favorece a agricultura diversificada, destacando-se a produção de café e leite (IBGE, 2022; Silva, 2022). Do ponto de vista econômico, a região se destaca pela predominância da agricultura familiar, com produção voltada especialmente para a cafeicultura e pecuária leiteira.

A cafeicultura possui papel central na economia local, sendo cultivada em pequenas propriedades rurais com mão de obra familiar, contribuindo significativamente para a geração de renda e fixação do trabalhador no campo. Já a produção de leite, distribuída em várias propriedades, abastece o mercado regional e é uma das bases da cadeia produtiva do agronegócio local  (Ferreira Junior, 2015; Silva, 2014).​ O município de Viçosa, polo regional da Zona da Mata mineira, concentra mais da metade da população da microrregião e exerce significativa influência nos aspectos socioeconômico, educacional e sanitário dos municípios vizinhos. Essa centralidade se deve, principalmente, à presença da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e do Centro Universitário de Viçosa (Univiçosa), que contribuem para a formação de recursos humanos, produção científica e desenvolvimento regional por meio de ensino, pesquisa e extensão. 

A atuação dessas instituições tem impacto direto nos indicadores de saúde, educação e desenvolvimento humano, posicionando Viçosa acima da média estadual nesses aspectos. Além disso, o município se destaca como referência na oferta de serviços de saúde de média complexidade, atendendo não apenas sua população, mas também a de municípios vizinhos.  Essa integração fortalece a atenção hospitalar, os atendimentos ambulatoriais e as ações de vigilância em saúde (Ferreira Junior, 2015; Soares et al., 2023).

Objetivo

Analisar os padrões espaciais da morbimortalidade nos municípios que compõem a Região de Saúde de Viçosa (MG), considerando as principais causas de internação e mortalidade proporcional, bem como os indicadores populacionais e socioeconômicos locais.

Metodologia  

Trata-se de um estudo ecológico, com dados dos nove municípios que compõem a Região de Saúde de Viçosa (MG), sendo estes o município de Viçosa e outras oito cidades da Zona da Mata de Minas Gerais (Figura 1). De acordo com o último Censo Demográfico, a região possui 138.035 habitantes, (IBGE, 2022). Para a caracterização das internações foram selecionadas as quatro principais causas de internação por capítulo da CID-10 de 2024, excluindo o Capítulo XV “Gravidez parto e puerpério”. Foi elaborado um gráfico com a proporção de internações  das quatro principais causas, de 2007 a 2024. E foram elaborados mapas temáticos coropléticos com a razão de internação por 100 mil habitantes, das quatro principais causas no período de 2021 a 2024. Para a caracterização da mortalidade foram selecionadas as quatro principais causas de morte por capítulo da CID-10 de 2023. Foi elaborado um gráfico com a mortalidade proporcional das quatro principais causas, de 1996 a 2023. Foram elaborados mapas temáticos coropléticos com as taxas de mortalidade por 100 mil habitantes, das quatro principais causas no período de 2020 a 2023. Também foram mapeadas as taxas de mortalidade infantil em dois períodos: 2002 a 2012 e 2013 a 2023.

Dados populacionais e malha territorial no formato shapefile foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024). Dados referentes ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) foram obtidos no site do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2013). Dados de morbimortalidade, por local de residência, foram obtidos no site do Departamento de Informação e Informática do SUS (DATASUS, 2024) no Ministério da Saúde: 

  • Sistema de Informações Hospitalares (SIH) para internação 
  • Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) para mortalidade
  • Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) para nascidos vivos

Resultados e Discussão

Observa-se que municípios mais populosos e urbanizados, como Viçosa, apresentam melhores indicadores de desenvolvimento humano, enquanto os menores e mais rurais, como Araponga e Canaã, têm IDHM mais baixos. O mapa evidencia desigualdades regionais importantes, úteis para o planejamento de políticas públicas. Abaixo a Figura 2 mostra a distribuição da população urbana e rural nos municípios da Região de Saúde de Viçosa (MG) e sua relação com o IDHM. O município de Viçosa é o mais populoso com 76.430 habitantes (IBGE, 2022) e possuía o maior IDHM (0,775) (PNUD, 2010).  Quanto ao número de  habitantes a mediana foi Araponga (8.226 habitantes) e Pedra do Anta o município com a menor população (3.399 habitantes). Nos municípios do extremo leste o predomínio é da população rural. Araponga teve o menor IDHM (0,536) e maior percentual de população rural, acima de 50%. 

O tamanho dos gráficos circulares (mapa de bolhas) indica a densidade populacional relativa de cada município. Viçosa, município polo, destaca-se com o maior círculo, evidenciando sua concentração populacional expressiva, superior a 70 mil habitantes em comparação com os demais municípios da região. Os demais apresentam populações inferiores a 25 mil habitantes, com predomínio de núcleos populacionais pequenos. A coloração interna dos círculos diferencia as populações urbana (em rosa) e rural (em verde). Viçosa apresenta predominância urbana significativa, enquanto municípios como Canaã e Araponga evidenciam maior equilíbrio ou predomínio rural. Isso reforça o caráter agrário da microrregião, especialmente nos municípios periféricos. A coloração de fundo dos polígonos municipais reflete o IDHM de 2010, variando de azul claro (IDHM mais baixo: 0,536) a azul escuro (IDHM mais elevado: até 0,775). Viçosa novamente se destaca, possuindo o IDHM mais elevado da região, entre 0,675 e 0,775, o que pode ser atribuído à presença da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e à maior urbanização e acesso a serviços públicos. Já municípios como Canaã, São Miguel do Anta e Araponga apresentam IDHM inferior a 0,624, refletindo desafios em saúde, educação e renda.

Dentre as principais causas de internação na região de saúde de Viçosa destacam-se as “Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas”, que entre os anos de 2007 e 2024 variou entre 10% à 19%, com uma possível leve tendência de queda a partir de 2015 (Figura 3A). Doenças do aparelho geniturinário, digestivo e neoplasias, no período do estudo, foram responsáveis por de 3% à 11% das internações, se intercalando ao longo dos anos e apresentando uma leve tendência de aumento. Embora não constem como uma das principais causas de internação, as doenças do aparelho circulatório foram as principais causas de mortalidade proporcional, variando de 22% à 31% da causa da morte no período. Neoplasias, doenças respiratórias e causas externas, de forma alternada, mas com leve domínio das neoplasias, completam as principais causas de mortes (Figura 3B).

A comparação do índice de mortalidade infantil entre os períodos de 2002-2012 e 2013-2023 identificou avanços, como o fato dos menores índices terem reduzido da casa de 10 para quase 4 óbitos a cada 1.000 nascidos vivos. Contudo, os municípios com piores taxas, embora tenham se alterado, exceto no caso de Pedra da Anta, se mantiveram com índices alarmantes (Figura 4).  As taxas de mortalidade (Figura 5) e de internação (Figura 6) por doenças identificaram uma melhor condição de saúde para o município pólo da região de saúde, ou seja, Viçosa, mas com padrão disseminado de ocorrência nos demais municípios, sem que seja possível a identificação de padrões claros de adoecimento e morte nessas populações.

A análise dos padrões de mortalidade na Região de Saúde de Viçosa revela disparidades significativas entre os municípios, especialmente no que se refere às causas externas. De maneira geral, Viçosa apresenta as menores taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias, além de estar entre os municípios com menor mortalidade por câncer. Esses indicadores podem ser atribuídos à infraestrutura hospitalar mais desenvolvida, ao acesso facilitado a serviços médicos especializados e a medidas preventivas implementadas no município. Contudo, observa-se uma inversão desse padrão quando se trata da mortalidade por causas externas, onde Viçosa apresenta um aumento expressivo, posicionando-se na segunda maior classe (96,1–102,8 por 100 mil habitantes), conforme evidenciado no último mapa do estudo. Tal elevação na mortalidade por causas externas pode estar diretamente associada às características urbanas do município, como maior densidade populacional, trânsito intenso e eventuais índices de violência. Municípios urbanos tendem a registrar maior incidência de acidentes de trânsito, homicídios e outras fatalidades, em comparação com localidades de menor porte e predominantemente rurais. Assim, enquanto os primeiros mapas indicam que Viçosa mantém índices favoráveis de saúde pública em doenças crônicas e infecciosas, essa tendência se altera nas causas externas, sugerindo lacunas nas políticas de segurança urbana e no atendimento a vítimas de violência e acidentes.

Os mapas de taxas de internação apresentaram maiores valores nos municípios a leste de Viçosa, concebendo o município Viçosa como o de menor taxa de internação em todas as quatro causas de internação apresentadas. Os municípios de Cajuri e Pedra da Anta se destacam, apresentando as maiores taxas de internação em três das causas apresentadas, como: internações por câncer, internações por causas externas, e por doenças do aparelho geniturinário (Figura B, C e D). Destacando que o município de Cajuri também apresenta as menores taxas em doenças do aparelho digestivo, logo, apresentando menores taxas nas quatro causas de internação apresentadas.

Além disso, ao analisar a relação entre mortalidade e internação, percebe-se que Viçosa registra as menores taxas de internação por todas as causas apresentadas (Figura A, B, C e D), o que pode indicar um sistema de atenção primária mais eficiente, capaz de prevenir o agravamento de doenças e reduzir a necessidade de hospitalizações. Por outro lado, municípios menores, como Cajuri e Pedra do Anta, apresentam altas taxas de internação por câncer, lesões externas e doenças do aparelho digestivo, o que pode estar ligado à menor oferta de serviços médicos especializados, obrigando a população a buscar atendimento hospitalar com maior frequência.

Considerações finais

A análise da Região de Saúde de Viçosa revela disparidades territoriais marcantes, com Viçosa concentrando maior população e IDHM, enquanto municípios como Araponga apresentam baixos indicadores e predominância rural. Internações por causas externas foram expressivas, mas com possível tendência de queda recente. Doenças dos aparelhos digestivo, geniturinário e neoplasias mostraram possível crescimento ao longo do tempo. As doenças circulatórias mantiveram-se como principais causas de morte, embora com leve declínio. Já neoplasias e doenças respiratórias apresentaram tendência de aumento, e as causas externas variaram bastante. As disparidades entre os municípios são evidenciadas nos diferentes índices de mortalidade infantil, taxas de mortalidade por doenças e razões de internação.   Os dados reforçam a necessidade de ações regionais integradas, com foco na equidade e na prevenção, os achados reforçam a importância do uso de ferramentas de geoprocessamento na vigilância em saúde para subsidiar o planejamento e a alocação de recursos em saúde pública.

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Publicado

20-07-2025

Edição

Seção

ET 6 - Saúde da população rural