Padrões espaciais da mortalidade na região de saúde de Caicó (RN)
Palavras-chave:
Estudos Ecológicos; Mortalidade; População rural; Zona Rural; Equidade;Resumo
Introdução
A análise dos padrões espaciais da mortalidade representa uma ferramenta essencial para o entendimento das dinâmicas de saúde e doença em territórios específicos. De acordo com Santos, S. M., e Noronha (2001), a produção de doenças em determinados territórios está diretamente relacionada a um conjunto de fatores históricos, ambientais e sociais acumulados ao longo do tempo. Ao revelar desigualdades socioespaciais e vulnerabilidades, com enfoque nos principais agravos presentes em determinado território, essa abordagem permite subsidiar políticas públicas mais eficazes, voltadas, principalmente, para os padrões que se mostram mais prevalentes, garantindo o cumprimento da Lei nº 8.080, com a promoção da integralidade e da equidade na atenção à saúde. No contexto do estado do Rio Grande do Norte, a Região de Saúde de Caicó, denominada 4ª Região de Saúde apresenta importantes características sociodemográficas e estruturais, próprias do território, que evidenciam um processo de interiorização da saúde em andamento. No entanto, a região ainda é afetada por escassez de recursos e enfrenta desafios relacionados ao acesso a serviços de saúde de alta complexidade, principalmente. O estudo dos padrões espaciais associados aos índices de mortalidade nesse território se mostra uma excelente ferramenta epidemiológica, que permite identificar e compreender as áreas mais vulneráveis e os fatores que determinam a distribuição dos óbitos no espaço geográfico, além de possibilitar a reorientação de recursos para essas localidades.
Objetivo
Analisar os padrões espaciais do perfil sociodemográfico e da mortalidade nos municípios da Região de Saúde de Caicó (RN), considerando as quatro principais causas.
Metodologia
Trata-se de um estudo ecológico, com dados dos 25 municípios que compõem a Região de Saúde de Caicó (RN) (Figura 1). De acordo com o último censo, a região contava com 306.547 habitantes (IBGE 2024). Para a caracterização sociodemográfica, foi mapeada a população por situação (urbana ou rural) de 2022 (IBGE, 2022) e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) (PNUD, 2010). Para a caracterização da mortalidade foram selecionadas as quatro principais causas de morte por capítulo da CID-10 de 2023, dado mais recente disponível. Foi elaborado um gráfico com a mortalidade proporcional das quatro principais causas, de 1996 a 2023. Foram elaborados mapas temáticos coropléticos com as taxas de mortalidade por 100 mil habitantes, das quatro principais causas no período de 2020 a 2023. Também foram mapeadas as taxas de mortalidade infantil em dois períodos: 2002 a 2012 e 2013 a 2023. Dados populacionais e malha territorial no formato shapefile foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2024). Dados referentes ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) foram obtidos no site do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD 2013). Dados de mortalidade, por local de residência, foram obtidos no site do Departamento de Informação e Informática do SUS (DATASUS 2024) no Ministério da Saúde: Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) para mortalidade; Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) para nascidos vivos.
Resultados e Discussão
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Caicó, RN, foi 0,710 em 2010 (PNUD 2013), classificando-se na faixa de alto desenvolvimento humano (Figura 2). Esse índice considera três dimensões principais: educação, longevidade e renda. Desde 2000, o IDHM de Caicó aumentou 15,82%, refletindo melhorias na qualidade de vida da população. Comparado ao estado do Rio Grande do Norte, que teve um IDHM de 0,684 em 2010, Caicó se destacou como um dos municípios com melhor desempenho. Ao analisarmos a mortalidade proporcional ao longo do tempo (de 1996 a 2023) para as quatro principais causas de morte na Região de Saúde Caicó (RN) (Figura 3), verifica-se que, o capítulo das “Doenças do aparelho circulatório” foi a principal causa de mortalidade ao longo de todo o período analisado, apresentou uma tendência de aumento desde 1996 até aproximadamente 2006-2008, com um pico de mais de 35%. Após o pico, observou-se uma tendência de queda, mas ainda se manteve como a principal causa de morte em 2022, com cerca de 28%. Neoplasias foi a segunda principal causa de mortalidade na maior parte do período. Mostrou uma tendência de aumento até 2006, depois permaneceu estável com algumas flutuações anuais, variando de 15% a 20%. Causas externas que incluem violências (suicídio, homicídio, acidente de transporte, acidentes) manteve-se relativamente estável ao longo do período, com pequenas flutuações variando entre 5% e 10%. O capítulo das “Doenças do aparelho respiratório” apresentou tendência geral de aumento, de 1996 a 2006 a proporção variou de 5% a 10%. A partir de 2012 até o final, a proporção variou de 10% a 15%. As causas externas, com destaque para as fraturas, compõem outra categoria importante. Esses eventos, geralmente relacionados a acidentes de trânsito, quedas e violências (homicídio e suicídio), têm impacto direto sobre os serviços de urgência e emergência, demandando infraestrutura e equipes preparadas para o atendimento de traumas, sobretudo nos hospitais regionais. Uma parte significativa desses eventos pode estar associada aos acidentes envolvendo motocicletas, meio de transporte amplamente utilizado nas cidades menores devido à acessibilidade econômica e à precariedade do transporte público. Nesses contextos, é comum o descumprimento de normas básicas de segurança, como o não uso de capacete motivado por fatores culturais e pela baixa fiscalização, além do transporte de crianças com idade inferior à permitida e da condução de mais passageiros do que o recomendado para o veículo. Essa combinação de fatores aumenta a frequência e a gravidade dos acidentes, com impacto direto sobre os serviços de urgência e emergência. Os hospitais regionais, que atuam como referências para esses atendimentos, enfrentam desafios constantes para responder às demandas clínicas e cirúrgicas decorrentes desses agravos. A coleção de mapas a seguir representa as quatro principais causas de mortalidade na Região de saúde de Caicó (Figura 4). A razão de mortalidade por doenças do aparelho digestivo foi maior no município de Caicó e municípios adjacentes, como Jucurutu ao norte e Timbaúba dos Batistas a oeste, no intervalo de 902,7 a 1221,2 internações por 100 mil habitantes (Figura 4A). Houve também um contraste com municípios a leste de Caicó, que apresentaram razões de mortalidades baixas como Ouro Branco e São José do Seridó. No norte, alguns municípios também apresentaram valores baixos, como Santana do Matos e Lagoa Nova. Como limitações do estudo devemos mencionar o uso de cálculo da mortalidade infantil em municípios com menos de 100 mil habitantes. Esse indicador foi utilizado de maneira integrada ao contexto local, denotando um aspecto importante a ser considerado na análise espacial da região de Caicó. Além disso, os dados compreendem um período pandêmico da COVID-19, onde muitos indicadores puderam sofrer alterações e apontam necessidades de estudos futuros.
Considerações finais
Com base na análise dos padrões de mortalidade na Região de Saúde de Caicó (RN), é possível destacar alguns aprendizados significativos. A investigação revelou desigualdades socioespaciais que afetam diretamente as taxas de mortalidade, reforçando a urgência por políticas públicas que promovam equidade e integralidade no setor da saúde. Ademais, questões como o acesso restrito a serviços de grande complexidade e as flutuações no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal evidenciam a relevância de uma abordagem territorial na criação de estratégias de intervenção. As mortes por doenças do sistema circulatório continuam sendo a principal causa de falecimentos na área, embora tenham sofrido variações ao longo do tempo analisado. A presença de câncer como a segunda principal causa de morte ressalta a necessidade de ações voltadas à prevenção e diagnósticos precoces. A investigação das taxas de mortalidade infantil revela desafios persistentes, especialmente em cidades. A metodologia utilizada provou ser uma ferramenta importante para entender a dinâmica das menores, enfatizando a importância de políticas voltadas a essa população vulnerável, taxas de mortalidade e apoiar decisões que possam beneficiar a saúde da população da região.