Perfil Sociodemográfico e Principais Causas de Internações Hospitalares nos Municípios da Região de Saúde de Caicó/RN
Palavras-chave:
saúde pública, perfil sociodemográficoResumo
Introdução: O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil tem promovido a ampliação progressiva do acesso aos serviços de saúde, com o objetivo de fomentar a melhoria dos indicadores da qualidade de vida. Todavia, persistem iniquidades estruturais na distribuição dos serviços de atenção à saúde, mais concentrados nas áreas urbanas, o que dificulta o acesso em regiões rurais (Brasil, 1988). A população residente em zonas rurais, estão frequentemente expostas a condições socioeconômicas adversas, enfrentam barreiras significativas para acessar os serviços de saúde especializados, pois devido à escassez de infraestrutura adequada e à insuficiência de recursos humanos qualificados (Brasil, 2011). A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas (PNSIPCF), integrante do escopo do SUS, constitui uma estratégia relevante para reduzir as desigualdades no acesso aos serviços de saúde, promovendo assim a equidade. Contudo, persistem limitações operacionais e logísticas que comprometem a eficácia dessa política pública em sua implementação plena (Brasil, 2013). Ademais, municípios de menor porte apresentam limitações relacionadas à insuficiência de recursos financeiros e materiais, o que repercute negativamente sobre a eficiência e a qualidade dos serviços ofertados (Brasil, 2013). A escassez de equipamentos, leitos hospitalares e medicamentos, aliada à limitada disponibilidade de profissionais capacitados, intensifica as dificuldades enfrentadas por estas localidades, impactando de forma crítica a assistência em saúde (Brasil, 2013). A superação dessas disparidades requer uma abordagem integrada que contemple o fortalecimento da atenção primária, a expansão da capacitação técnica continuada dos profissionais de saúde e o incremento da infraestrutura em regiões rurais (Brasil, 2011). Tais medidas são imprescindíveis para assegurar a efetividade dos princípios de equidade, integralidade e universalidade que norteiam o SUS, garantindo, assim, a oferta de serviços de saúde de qualidade a todos os cidadãos (Brasil,1988). Objetivo: Analisar o perfil sociodemográfico e de morbidade pelas quatro principais causas de internações por capítulo da CID-10 nos municípios da Região de Saúde de Caicó (RN). Metodologia: Trata-se de um estudo ecológico, com dados dos 25 municípios que compõem a Região de Saúde de Caicó (RN) (Figura 1). De acordo com o último Censo, a região contava com 306.547 habitantes (IBGE 2024). Para a caracterização sociodemográfica, foi mapeada a população por situação (urbana ou rural) de 2022 (IBGE, 2022) e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) (PNUD, 2010). Para a caracterização das internações foram selecionadas as quatro principais causas de internação por capítulo da CID-10 de 2024, excluindo o Capítulo XV “Gravidez parto e puerpério”. Foi elaborado um gráfico com a proporção de internações das quatro principais causas, de 2007 a 2024, assim como mapas temáticos coropléticos com a razão de internação por 100 mil habitantes, das quatro principais causas no período de 2021 a 2024. Dados populacionais e malha territorial no formato shapefile foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2024). Dados referentes ao IDHM foram obtidos no site do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD 2013). Dados de internação, por local de residência, foram obtidos no site do Departamento de Informação e Informática do SUS (DATASUS 2024) no Ministério da Saúde, pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH). Resultados e Discussão: A região de saúde de Caicó, no Rio Grande do Norte, composta por 25 municípios, apresenta uma rede hospitalar com características heterogêneas quanto à capacidade resolutiva. Conta com dois hospitais regionais, dois hospitais de oncologia administrados por instituição sem fins lucrativos, além de hospitais municipais com diferentes níveis de estrutura e cobertura assistencial. A cidade de Caicó, sede da região, concentra a maior parte dos serviços especializados e equipamentos de saúde, configurando-se como pólo de referência regional. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Caicó, foi 0,710 em 2010 (PNUD 2013), classificando-se na faixa de alto desenvolvimento humano (Figura 2). Esse índice considera três dimensões principais: educação, longevidade e renda. Desde 2000, o IDHM de Caicó aumentou 15,82%, refletindo melhorias na qualidade de vida da população. Comparado ao estado do Rio Grande do Norte, que teve um IDHM de 0,684 em 2010, Caicó se destacou como um dos municípios com melhor desempenho. A análise da série histórica de morbidade permite observar uma redução progressiva das doenças infectocontagiosas, em consonância com a tendência nacional. Esse comportamento reforça o êxito das ações de vigilância e prevenção desenvolvidas no âmbito da Atenção Básica. O incremento na série histórica a partir de 2020, se dá pelo período pandêmico da COVID-19 (Figura 3). As doenças do aparelho digestivo se apresentam entre as causas de morbidade hospitalar, mas com comportamento descendente até 2014, ano da abertura do curso de Medicina da Escola Multicampi de Ciências Médicas (EMCM) da UFRN, em Caicó. O incremento progressivo nas internações por doenças do aparelho digestivo, pode, portanto, estar relacionado a transformações importantes na rede assistencial tensionadas pela presença da EMCM. A incorporação da Rede de serviços como cenário de prática para a graduação e residências médicas e multiprofissionais teve como consequência a ampliação da capacidade resolutiva dos serviços. Um dado que ilustra esse processo é o crescimento dos procedimentos cirúrgicos para tratamento definitivo da colelitíase e colecistite, como as colecistectomias, realizado com apoio da Residência em Cirurgia Geral, implantada pela EMCM no Hospital de Currais Novos a partir de 2018. Esses procedimentos, que antes dependiam majoritariamente do encaminhamento para centros mais próximos à capital do estado, passaram a ser realizados com maior frequência nos hospitais da própria região, indicando uma mudança na resolubilidade local e no acesso à atenção especializada (Caicó, 2025). A linha crescente de internamento por cânceres nos registros da região também acompanha a tendência nacional e pode ser explicada, ao menos em parte, pela existência de centros de referência oncológica na região. A presença desses serviços facilita o diagnóstico e o tratamento, contribuindo para uma maior notificação dos casos e permitindo o acompanhamento adequado dos pacientes. Em 2024, inaugurou-se o segundo Hospital do Câncer da Região, na cidade de Currais Novos, portanto, espera-se um aumento no número de internações pelo incremento no número de leitos. As causas externas, com destaque para as fraturas, compõem outra categoria importante. Esses eventos, geralmente relacionados a acidentes de trânsito, quedas e violências (homicídio e suicídio), têm impacto direto sobre os serviços de urgência e emergência, demandando infraestrutura e equipes preparadas para o atendimento de traumas, sobretudo nos hospitais regionais. Uma parte significativa desses eventos pode estar associada aos acidentes envolvendo motocicletas, meio de transporte amplamente utilizado nas cidades menores devido à acessibilidade econômica e à precariedade do transporte público. Nesses contextos, é comum o descumprimento de normas básicas de segurança, como o não uso de capacete, motivado por fatores culturais e pela baixa fiscalização, além do transporte de crianças com idade inferior à permitida e da condução de mais passageiros do que o recomendado para o veículo. Essa combinação de fatores aumenta a frequência e a gravidade dos acidentes, com impacto direto sobre os serviços de urgência e emergência. Os hospitais regionais, que atuam como referências para esses atendimentos, enfrentam desafios constantes para responder às demandas clínicas e cirúrgicas decorrentes desses agravos. A coleção de mapas a seguir representa as quatro principais causas de internação na Região de saúde de Caicó (Figura 4). A razão de internação por doenças do aparelho digestivo foi maior no município de Caicó e municípios adjacentes, como Jucurutu ao norte e Timbaúba dos Batistas a oeste, no intervalo de 902,7 a 1221,2 internações por 100 mil habitantes (Figura 4A). Houve também um contraste com municípios a leste de Caicó, que apresentaram razões de internação baixas como Ouro Branco e São José do Seridó. No norte, alguns municípios também apresentaram valores baixos, como Santana do Matos e Lagoa Nova. Considerações finais: A análise do perfil sociodemográfico e das principais causas de internações hospitalares na Região de Saúde de Caicó/RN evidencia a complexidade dos desafios enfrentados pela população do campo no acesso e na qualidade dos serviços de saúde. A série histórica analisada permite identificar tendências importantes, como a redução das doenças infectocontagiosas e o aumento das internações relacionadas a doenças crônicas e causas externas, refletindo tanto o avanço de políticas públicas quanto limitações estruturais persistentes. Além disso, o estudo revela que as principais razões de internação estão relacionadas a doenças crônicas e condições associadas ao clima semiárido, como doenças respiratórias e infecciosas. Apesar dessas limitações, os achados do estudo contribuem para a compreensão das desigualdades em saúde na região e reforçam a importância da formulação de políticas públicas sensíveis às especificidades territoriais e populacionais. O fortalecimento da atenção primária, a ampliação da cobertura assistencial e a valorização dos determinantes sociais da saúde devem continuar sendo prioridades na agenda de planejamento em saúde no semiárido nordestino.