Desafios e estratégias para a comunicação eficaz e atendimento adequado aos imigrantes na Atenção Primária à Saúde
Palavras-chave:
Imigrantes, Atenção Primária à Saúde, Comunicação, EstratégiasResumo
Introdução: atualmente, migrações são cada vez mais comuns no mundo. Diversos são os imigrantes que fogem de más condições ambientais, políticas ou econômicas de seus países de origem (Kinasz et al., 2023), passando por um processo complexo que engloba aspectos sociais, culturais, políticos, dentre outros. Nesse contexto, o Brasil vem recebendo um número expressivo de estrangeiros nas últimas décadas, o que impacta diretamente os serviços de saúde. De acordo com o Boletim das Migrações, nos últimos 14 anos, o fluxo migratório no Brasil foi de 2,3 milhões de pessoas. Entre os imigrantes, estão aqueles vindos da Venezuela, Haiti, e Bolívia, principalmente (Brasil, 2024). No contexto da atenção à saúde, os serviços de Atenção Primária enfrentam diversas barreiras, que afetam negativamente o atendimento (Turin et al., 2021), com destaque para a barreira de comunicação (Kinasz et al., 2023). Assim, é necessário o desenvolvimento de estratégias que proporcionem uma melhor interação entre profissionais da saúde e imigrantes usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), na Atenção Primária. O estudo tem como objetivo analisar os desafios que contribuem para a barreira da comunicação na Atenção Primária aos imigrantes e propor estratégias para melhorar o acesso à saúde por essa população. Materiais e métodos: trata-se de uma revisão narrativa da literatura. Foram buscados artigos nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed, por meio dos descritores em inglês: “Immigrants”; “Primary Health Care”; “Health Strategies”; “Communication”, combinados pelo operador booleano AND. A partir da busca inicial, foram encontrados 37 artigos na BVS e 75 no PubMed. Foram selecionados os artigos de acesso aberto, escritos em língua inglesa ou portuguesa e publicados nos últimos 5 anos. Após aplicação dos filtros, restaram 30 estudos, dos quais 5 foram elegíveis, por critério de pertencimento ao foco temático buscado. Resultados e Discussão: com relação aos desafios, Kinaz et al. (2023) apontam que o imigrante, muitas vezes, sente-se deslocado socialmente, invadido pelo sentimento de que não pertence àquele local e de que não possui direitos. Turin et al. (2021) indicam a existência de desafios no desenvolvimento e implementação de estratégias de saúde adequadas às necessidades dos imigrantes. No contexto da linguagem e comunicação, Kinazs et al. (2023) afirmam que é comum a recusa em aprender o idioma do novo país. Isso ocorre principalmente entre as mulheres e está relacionado a laços afetivos com o país de origem. Filler et al. (2020) identificam os imigrantes como mais propensos a passarem por situações negativas no atendimento primário em saúde, como comentários discriminatórios e ocasiões de abuso, devido a barreiras linguísticas e diferenças culturais. Os autores mencionam o idioma como uma barreira em nível do paciente e em nível clínico, o que resulta em consultas mais longas e dificuldades de adesão ao tratamento. Em relação às mulheres, Kinazs et al. (2023) apontam como empecilho a falta de poder sobre as decisões familiares e a falta de empatia dos médicos durante as consultas. Ramos-Roure et al. (2024) vinculam o preconceito e o tratamento desigual dos profissionais ao racismo, à medida que imigrantes relatam sentir-se intimidados pelas atitudes de alguns servidores de saúde. No que se refere às estratégias, segundo Kinasz et al. (2023), pedir para que os usuários tragam acompanhantes que possam auxiliar na tradução durante as consultas na Unidade Básica de Saúde (UBS) é um dos métodos mais utilizados. A utilização de Google tradutor via celular, marcações na seringa, cartilhas na língua nativa, mímica e escrita são outras alternativas mencionadas pelos autores. Além disso, a comunicação do profissional deve ser clara, empática, baseada na escuta ativa, desvinculada de jargões científicos e adaptada aos imigrantes do país de acolhimento, o que sugere a necessidade de uma melhor preparação dos servidores de saúde em relação às características linguísticas, históricas, sociais e culturais dos imigrantes (Kinazs et al., 2023; Filler et al., 2020; Gagliardi et al., 2020). Turin et al. (2021) indicam diferentes níveis de dificuldades e estratégias para a melhoria do atendimento aos imigrantes: abordagens de nível individual, abordagens de nível comunitário, abordagens de nível de provedor de serviços e abordagens de nível político. A nível individual, os imigrantes participantes do estudo reconheceram a importância do conhecimento a respeito de diferenças culturais nos serviços de saúde e a melhoria das habilidades de comunicação individual. A nível de comunidade, foi apontada a necessidade de atuação de intérpretes voluntários ou contratados nos serviços de saúde; a possibilidade de desenvolvimento de um site baseado na comunidade, com funções de perguntas e respostas; e a utilização de ligações telefônicas para esclarecimento de dúvidas. A nível de provedores de serviço, o estudo sugere a contratação de pessoal de diferentes grupos culturais, a opção da presença de intérpretes nas consultas, - alternativa também sugerida por Filler et al. (2020) em seu estudo - a contratação de funcionários multilingues e treinamentos em educação e cultura para os profissionais de saúde. A nível político, os autores apontam para a importância do compartilhamento de dados de saúde, objetivando melhorar o acesso dos médicos às informações dos pacientes e, consequentemente, a satisfação no atendimento desses usuários. Filler et al. (2020) mencionam o cuidado centrado no paciente (PCC) como abordagem comprovada para melhorar os resultados dos pacientes. Discorrem também sobre o conceito de competência cultural, que envolve cuidados respeitosos às crenças em saúde dos usuários, além de interação não biomédica e comunicação em linguagem acessível. Como conduta médica, Filler et al. (2020) e Ramos-Roure et al. (2024) recomendam o estabelecimento de uma relação de acolhimento e confiança, a conversa informal e descontraída e a fala amigável e atenciosa. A marcação de consultas mais longas, a divisão de tarefas em várias consultas e a coordenação destas também são estratégias mencionadas por Filler et al. (2020) no combate às dificuldades de comunicação e de adesão ao tratamento. O estudo de Gagliardi et al. (2020) focou em comportamentos adequados aos médicos no atendimento primário de saúde a mulheres imigrantes, especificamente, mas pode servir de base para atuação com a comunidade imigrante de forma geral. Alguns dos comportamentos citados foram: ler o motivo da visita, fornecer informações e explicações detalhadas sobre sintomas e tratamentos, comunicar-se com clareza, fazer perguntas e garantir a privacidade. Uma das demandas das participantes do estudo foi mais tempo para explicar completamente o motivo de sua visita ao médico, além de uma abordagem mais humana, sem que o profissional desse atenção apenas à tela do computador. A confecção de folhetos complementares que pudessem ser levados com o paciente também foi sugerida pelas participantes. O estudo de Ramos-Roure et al. (2024) comparou a perspectiva de pacientes imigrantes e de enfermeiros em relação à comunicação intercultural em saúde e levantou algumas estratégias para a melhoria dessa interação. O envolvimento profissional, demonstrado pela preocupação e pelo comprometimento é notado pelos pacientes como ponto importante no atendimento. Além disso, a troca de informações sobre hábitos culturais, religiosos e gastronômicos, por exemplo, aliada à comunicação informal gera uma interação mais harmônica e agradável aos pacientes. Assim, os estudos revisados mostram, além dos desafios, a diversidade de estratégias e possibilidades para a melhoria da interação com a população estrangeira nos serviços básicos de saúde. Considerações finais: foi possível identificar os principais desafios à comunicação adequada entre profissionais da saúde e imigrantes na Atenção Primária, bem como levantar estratégias atuais para melhorar essa interação. Dentre as principais barreiras, pode-se destacar o preconceito, a falta de empatia, preparo e compreensão dos servidores em saúde. Apesar da existência de diferentes estratégias que podem ser utilizadas na melhoria dessa comunicação na Atenção Primária, ainda há uma carência de políticas públicas estruturadas que garantam uma comunicação efetiva, empática, humanizada e culturalmente competente. Há uma lacuna na literatura no que tange a diferentes práticas comunicacionais na UBS, mas a literatura que foi analisada demonstra a necessidade de capacitação contínua dos profissionais, especialmente diante do crescimento dos fluxos migratórios no Brasil e no mundo, além da incorporação de intérpretes nos serviços e desenvolvimento de materiais educativos acessíveis. Ainda, é fundamental que exista uma articulação entre os diferentes níveis do sistema de saúde, para garantir equidade no acesso à saúde pela população imigrante. O enfrentamento das barreiras comunicacionais não se limita ao ambiente clínico, mas exige compromisso institucional e político com a justiça social e a inclusão.