PERSPECTIVAS DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM DA ATENÇÃO PRIMÁRIA SOBRE O CUIDADO AO IMIGRANTE HAITIANO

  • Jonathan Vixamar
  • Tatiana Gaffuri da Silva
  • Sílvia Silva Souza
  • Renata Rocha Cardozo Universidade Federal da Fronteira Sul
  • João Vitor Kroth
  • Anderson Funai
Palavras-chave: imigrantes, enfermagem, cuidado

Resumo

Introdução: Nos últimos tempos, os movimentos migratórios têm sido uma característica marcante do cenário internacional globalizado. O Brasil, especialmente, tem se destacado como um país de intensa procura por parte dos migrantes, com a migração de haitianos, venezuelanos e outros grupos de diversas nacionalidades, como: senegaleses, bolivianos, colombianos e bengalis. Em recorte, a migração de haitianos para o Brasil, por exemplo, teve um aumento significativo após o terremoto que atingiu o país, em janeiro de 2010. Acerca dos desafios, os haitianos buscam melhores condições de vida, adaptando-se à cultura brasileira, à língua portuguesa, ao mercado de trabalho e ao Sistema Único de Saúde (SUS) e entre outros aspectos, na esperança de mudar suas realidades. No entanto, há diferenças culturais que impactam fortemente a forma como esses migrantes acessam os serviços de saúde no país. Embora o atendimento em saúde seja gratuito no país, os haitianos tendem a procurar menos os serviços de saúde ou condicionam sua procura a exigências trabalhistas, visando admissões ou evitar demissões. Estudos realizados no Reino Unido mostram que os migrantes tendem a buscar menos os serviços de saúde do que a população nativa, com um aumento na procura apenas após cerca de 25 anos de residência no novo país. Essas diferenças culturais ressaltam a importância dos profissionais de saúde possuírem habilidades e competências para fornecer cuidados culturalmente sensíveis. Nesse sentido, é crucial que o profissional de saúde compreenda aspectos culturais do outro, reconheça seus próprios preconceitos limitantes e seja acima de tudo, capaz de ajustar suas práticas para fornecer cuidados culturalmente adequados e não segregatórios. A Estratégia Saúde da Família (ESF), como direito previsto, enfatiza a importância da orientação comunitária e da competência cultural no cuidado, visando promover a autonomia individual e coletiva para o desenvolvimento do autocuidado e da busca pela atenção à saúde. Portanto, o presente estudo, visa compreender as representações sociais dos profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde (APS) sobre o cuidado aos imigrantes haitianos, proporcionando a capacidade de reconhecer um olhar atento e de atitudes integradas e proativas para atender de forma adequada a esse público específico. Objetivo: Compreender as Representações Sociais dos profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde sobre o cuidado ao imigrante Haitiano. Método: Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado na teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici. A pesquisa foi desenvolvida nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de três bairros de uma cidade da região Oeste de Santa Catarina, que abriga um grande quantitativo de imigrantes haitianos nos bairros estudados. A coleta de dados foi desenvolvida no mês de outubro de 2022, após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Os participantes foram selecionados intencionalmente, sendo profissionais da equipe de Enfermagem, com atuação mínima de seis meses nas Unidades de Saúde elencadas – tempo considerado suficiente para atender imigrantes e compreender a assistência em saúde para esta população. Participaram 12 profissionais de enfermagem, sendo que a a cessação dos dados ocorreu por saturação teórica. Os critérios de exclusão foram: profissionais de férias, afastamentos e licenças. A coleta de dados foi realizada pelos pesquisadores por meio de entrevista semi-estruturada após aprovação do comitê de ética de acordo com a Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012. Foi acordado com o coordenador de Enfermagem das Unidades, o horário mais adequado para apresentar o projeto para os profissionais dos centros de saúde. A apresentação contemplará título, objetivos e métodos a fim de esclarecer possíveis dúvidas. Neste momento os profissionais serão convidados a participar do estudo, de caráter anônimo, que garante manutenção em sigilo de dados que possam identificá-los, explicando os riscos que estarão expostos, como possível desconforto e cansaço. As entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores envolvidos. Para a entrevista foi utilizado uma pergunta disparadora. Para a análise dos dados, foi realizado a transcrição das entrevistas na íntegra com organização do corpus de acordo com as recomendações para utilização do programa Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ). A partir do IRAMUTEQ foi feita a análise de similitude, a qual, a partir da teoria dos grafos, identifica a estrutura do corpus textual por meio da ocorrência, coocorrência e conexão entre as palavras. Foi também utilizada a nuvem de palavras, como forma de evidenciar as palavras com maior frequência de destaque no corpus textual. Para a execução deste estudo, foram cumpridas as exigências legais e éticas. Desta forma, o projeto foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa para apreciação e parecer. Aos participantes do estudo, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, segundo a Resolução nº. 466/2012. Resultados e Discussões: observou-se um destaque em torno de 14 palavras-chave, com outras palavras nas ramificações sugerindo significados mais detalhados. No diagrama, a palavra central "entender" está conectada a três ramificações distintas. Em uma delas, há uma forte ligação entre "entender" e palavras como "falar", "mulher", "preventivo" e "saúde". Foram identificadas conexões mais fracas entre "falar" e "português"; "mulher", "diferente", "cultura" e "aprender"; "mulher", "homem" e "queixa". Essa ramificação destaca a experiência da mulher imigrante, com sua dificuldade de comunicação, associada a presença do homem como intermediário e facilitador do diálogo, além da não apropriação feminina da linguagem Português-Brasileiro. Isso evidencia as dinâmicas de poder entre homens e mulheres haitianas, bem como a invisibilidade social das mulheres na cultura. Em outra ramificação, a palavra central "entender" está fortemente ligada à "tradutor", "haitiano", "venezuelano" e "orientar". Ela representa o maior obstáculo nas relações estabelecidas, onde a língua, como forma de expressão de pensamentos e sentimentos, muitas vezes não é suficiente para a compreensão mútua. Essa ramificação ressalta a importância dos tradutores para mediar e facilitar o cuidado, compreendendo as necessidades, queixas, dores e anseios dos pacientes. A próxima ramificação aborda as demandas e dificuldades na busca pelos serviços de saúde, destaca-se motivos como, o desejo de engravidar, a necessidade de vacinas e a presença de dor e doenças crônicas entre os haitianos. O resultado deste estudo destaca a palavra "entender" como central no cuidado ao imigrante haitiano, estabelecendo fortes conexões com "falar", "orientar", "dificuldade" e "tradutor". A comunicação clara e amorosa na área da saúde é crucial para garantir um atendimento humanizado e eficaz. No entanto, as diferenças linguísticas têm dificultado a compreensão mútua, a expressão de necessidades e a troca de saberes. É importante reconhecer que "entender", neste contexto, refere-se não apenas à compreensão verbal, mas também à compreensão das práticas comunicativas e culturais da comunidade haitiana. A dificuldade com o idioma assume um papel primordial nas relações de cuidado. No entanto, é essencial compreender que a melhoria da compreensão mútua vai além do domínio do idioma; requer uma compreensão mais profunda das práticas culturais dos imigrantes, sem suprimir sua língua nativa (Yanomoto, Oliveira, 2021). Nesse sentido, é fundamental adotar práticas inclusivas, como a disponibilização de serviços de tradução nas Unidades Básicas de Saúde, respeitando e valorizando a língua e cultura dos imigrantes. Além disso, iniciativas como a criação de materiais informativos em crioulo, mapas da cidade e placas em diferentes idiomas podem facilitar a integração dos imigrantes na sociedade brasileira. É importante ressaltar que a legislação brasileira garante o acesso à saúde como um direito de todos, independentemente da nacionalidade. No entanto, a falta de políticas que subsidiem os profissionais de saúde no acolhimento e na oferta de cuidados adequados aos imigrantes é evidente, levando em consideração suas origens e culturas diversas (Granada e Detoni; 2017). As mulheres haitianas, em particular, enfrentam maiores dificuldades de comunicação, o que destaca as desigualdades de gênero presentes na cultura haitiana e a necessidade de apoio dos parceiros para compreender as informações nos serviços de saúde. Suas dificuldades linguísticas estão relacionadas ao contexto de vida no Haiti, onde as mulheres têm menos acesso à educação formal e falam predominantemente o crioulo. Ao chegar ao Brasil, a necessidade de integração social exige o uso do português, o que pode ser mais desafiador para as mulheres (ketzer et al., 2018). É fundamental compreender que o processo migratório representa uma mudança radical na vida de uma pessoa, envolvendo a transposição de fronteiras não apenas geográficas, mas também culturais, socioeconômicas e interpessoais. A barreira linguística e as dificuldades de comunicação são apenas uma, embora crucial, das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes haitianos para sua integração. A segunda questão importante destacada no estudo é a necessidade do tradutor para facilitar o cuidado, compreendendo as necessidades, anseios, queixas e dores dos imigrantes haitianos. O tradutor desempenha um papel essencial na comunicação em saúde entre profissionais e imigrantes, influenciando diretamente na qualidade do cuidado oferecido. No entanto, é importante ressaltar a necessidade de discussões que vão além da questão linguística e abordam outros aspectos culturais e sociais que caracterizam a população haitiana. Outro aspecto relevante identificado no estudo é o motivo pelo qual os imigrantes procuram os serviços de saúde, incluindo consultas relacionadas a dores articulares e lombares decorrentes de trabalhos repetitivos, como os realizados na agroindústria. O trabalho geralmente precário dos imigrantes, com longas jornadas e condições adversas, contribui para problemas de saúde e comprometimento da qualidade de vida. Nesse sentido, conforme a migração pode ser considerada um determinante social de saúde que afeta diversas dimensões da vida dos indivíduos. Cavalcanti (2016) relata que em 2014, a média salarial dos imigrantes haitianos no Brasil era de um salário mínimo, com a maioria ocupando empregos de baixa qualificação, como na construção civil e em frigoríficos, o que agrava as condições precárias associadas à condição de imigrante.Considerações Finais: O estudo aborda a linguagem como uma representação social do cuidado aos imigrantes nas unidades básicas de saúde, utilizando as palavras "entender", "falar", "tradutor" e "dificuldade", além de explorar questões relacionadas às mulheres e aos motivos pelos quais os haitianos buscam os serviços de saúde. É perceptível que as equipes de saúde buscam, dentro de suas possibilidades, aprimorar as formas de comunicação, muitas vezes recorrendo à ajuda de outros imigrantes. A presença do tradutor ainda é considerada fundamental para melhorar e garantir a qualidade do cuidado oferecido, facilitando tanto para os profissionais quanto para os imigrantes. Apesar da imigração não ser um fenômeno recente no país, sua intensificação nos últimos anos evidencia o contato com o diferente e destaca os contrastes culturais. Isso exige a implementação urgente de estratégias por parte dos poderes públicos, incluindo a promoção da orientação translíngue e a valorização cultural dos diversos grupos étnicos que compõem as comunidades, bem como o respeito mútuo entre todos os membros da raça humana.Ficou claro que há muito a ser expandido e aprimorado em relação ao cuidado dos imigrantes. As evidências apontam para dificuldades em compreender aspectos que vão além da linguagem, os quais são fundamentais para um cuidado qualificado. Além da presença de tradutores, é necessário repensar como o cuidado transcultural pode ser ainda mais valorizado na formação profissional. Diversos fatores influenciam a saúde e a doença dos imigrantes. É essencial que os profissionais de saúde e a população nativa consigam superar as barreiras comunicacionais, o preconceito e as condições de trabalho precárias, além de incluir, respeitar e valorizar a diversidade étnica e cultural dos diferentes povos.

Publicado
25-09-2024