QUOTIDIANO E DIAGNÓSTICO DE CRIANÇAS COM O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA QUE REALIZAM INTERVENÇÕES ASSISTIDAS POR ANIMAIS

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Terapia Assistida por Animais, Terapias complementares

Resumo

Introdução: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é identificado como um distúrbio do desenvolvimento neurológico, caracterizado por dificuldades na interação e comunicação social, além de comportamentos restritivos e repetitivos. A etiologia do TEA permanece incerta, mas estudos sugerem a influência de elementos genéticos e ambientais (Kodak; Bergmann, 2020). Segundo o Ministério da Saúde (2014), o diagnóstico de TEA é estabelecido clinicamente, sem o auxílio de testes laboratoriais ou imagens, avaliando-se os prejuízos nas áreas de interação social, bem como as habilidades motoras, sensoriais, cognitivas, emocionais e sociais. Nesse contexto, Givigi et al. (2021) enfatizam a importância de estabelecer redes de apoio para as famílias e de promover iniciativas educativas focadas no cuidado ao indivíduo com TEA, respeitando suas singularidades. Assim, o entendimento aprofundado sobre a dinâmica familiar no contexto do TEA pode enriquecer o planejamento da assistência de enfermagem, minimizar riscos, reforçar estratégias de suporte, autocuidado e transições saudáveis no atendimento à saúde de pessoas com o transtorno e seus familiares. Isso contribui para uma maior compreensão das necessidades familiares e para o desenvolvimento de novas abordagens de cuidado, melhorando a assistência de enfermagem e destacando seu papel essencial no processo de cuidado (Soares, 2023). Objetivo: Conhecer o quotidiano das famílias de crianças com TEA no processo de diagnóstico. Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, realizado em uma clínica privada situada em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, Brasil. Os participantes foram os familiares de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Com mais de uma década de serviço, a clínica oferece cuidados a crianças e suas famílias sob várias condições de saúde, contando com uma equipe interdisciplinar nas áreas de Psicologia, Pedagogia, Psicopedagogia, Fonoaudiologia, Nutrição, Pediatria, Odontopediatria, Educação Musical, Quiropraxia, Terapia Familiar e Psiquiatria. Entre os pacientes, estão crianças com TEA, que são frequentemente encaminhadas por médicos para acompanhamento fonoaudiológico devido a desafios na comunicação verbal. Os requisitos para participação neste estudo incluíam ser familiar de uma criança diagnosticada com Transtorno de Espectro Autista que participasse das Intervenções Assistidas por Animais (IAA) oferecidas pela clínica. Foram realizadas entrevistas com os familiares que convivem diariamente com a criança, além de dois informantes-chave indicados por esses familiares. As intervenções assistidas por animais são realizadas nas dependências da clínica, alternando entre o ambiente interno do consultório, o espaço ao ar livre do pátio e, ocasionalmente, nas áreas comerciais e vias próximas, conforme os objetivos específicos de cada sessão. Essas sessões tinham uma duração aproximada de 45 minutos, ocorreram com uma frequência semanal e o período em que as crianças participaram das sessões variou de 5 a 18 meses. Resultados e discussão: Ao explorarmos a rotina diária de atenção às crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o quotidiano de suas famílias, especialmente no contexto da Intervenção Assistida por Animais (IAA) e sua conexão com a promoção do bem-estar, nos deparamos com um cenário que está em constante construção e redescoberta. Essa realidade é moldada desde os primeiros indícios expostos pela criança em sua tenra idade, os quais sugeriam que o seu desenvolvimento seguia um caminho atípico. Portanto, as experiências dessas crianças e de seu núcleo familiar são entrelaçadas pelos eventos que atravessaram e continuam a percorrer em seu quotidiano. Para facilitar o entendimento do fenômeno estudado pela pesquisadora, os achados foram expostos levando em consideração cinco categorias que surgiram durante o processo de pesquisa, sendo que, este trabalho explora uma destas, a saber: Dos sinais ao diagnóstico do transtorno do espectro autista: convivência e exclusão no quotidiano da família da criança com TEA. Os resultados mostram que o quotidiano da criança em vivência do TEA e seus familiares revelam formação do cuidado e o caminho em busca do diagnóstico e tratamento, isso ocorre quando se nota que certos aspectos estão além do que é usualmente esperado como comportamentos típicos do desenvolvimento infantil. Frequentemente, os pais de crianças diagnosticadas com TEA enfrentam estigmas e atitudes desfavoráveis por parte da sociedade quando seus filhos exibem comportamentos que são mal interpretados pelo público, e essas interações interferem diretamente na maneira de viver, tendo em vista que a relação com o ambiente são importantes condicionantes no seu quotidiano. Diante da nova realidade, a família ou um dos familiares passa a ser cuidador da criança com TEA, o qual passa a assumir os maiores compromissos na atenção diária ao indivíduo e, nesse contexto, nota-se que a saúde da família está continuamente associada ao bem estar da criança. Sendo assim, constata-se um dos benefícios da IAA o auxílio na manutenção da qualidade de vida do grupo familiar, a qual promove a evolução das interações e do convívio social e doméstico. No que tange às Intervenções Assistidas por Animais, os profissionais observaram que, anteriormente às sessões de IAA, a criança demonstrava obstáculos na comunicação e na interação social, além de inquietação psicomotora, desafios para estabelecer contato ocular, resistência ao contato físico, entraves no avanço da linguagem e uma notável ausência de interação com o terapeuta. Em contrapartida, após o início das sessões com os animais, notou-se que a criança passou a expressar comportamentos afetuosos e amorosos, tornando-se mais receptiva com o ambiente à sua volta. Além disso, aparentou estar mais feliz, calma e percebeu-se ainda um declínio da hipersensibilidade ao toque, aumento do contato visual e o estabelecimento de laços afetivos. As transformações em crianças com TEA após participação na IAA são perceptíveis também no âmbito cognitivo, pois verifica-se um avanço geral no processo educacional, um estímulo significativo para o aprimoramento da expressão verbal e habilidades comunicativas em determinados casos e, também, o aumento da capacidade de foco nas tarefas propostas durante as sessões (Potrich, 2019). Considerações finais: Ainda existe um grande desafio em relação à inclusão e à compreensão das pessoas em condições de TEA em virtude da falta de conhecimento da sociedade e, diante da realidade, há um processo contínuo de adaptação familiar, moldado pelas novas descobertas e exigências que surgem com o desenvolvimento da criança. A fase inicial de convivência com o diagnóstico demanda uma reorganização dos padrões familiares e uma mudança na rotina diária para atender às necessidades da criança, o que frequentemente resulta em uma carga emocional e física considerável para os integrantes da família. A carga excessiva enfrentada pelo núcleo familiar pode ser atenuada através do fomento ao conhecimento sobre o autismo, a elaboração colaborativa de um plano de cuidados envolvendo a família, profissionais da saúde e da educação, assim como o fortalecimento da rede de suporte ao núcleo familiar. Nessa conjuntura, na tentativa de entender o dia a dia das crianças com TEA e o de suas famílias, especialmente no contexto das Intervenções Assistidas por Animais (IAA), torna-se aparente que o ambiente está amplamente ajustado para satisfazer as exigências específicas da criança. Além disso, observa-se que, apesar da escassez de estudos que validem os efeitos positivos das IAA, as famílias notam melhorias sutis no comportamento dos filhos e o incentivo que o animal traz para a execução de tarefas, é possível observar um progresso nas interações sociais da criança com seus familiares, profissionais de saúde e animais. Para além disso, constata-se uma diminuição na hipersensibilidade ao toque, aumento de contato visual e físico com outros, uma redução no tempo necessário para atingir os objetivos nas terapias em que o animal está presente e, também, avanços no processo de aprendizagem e aprimoramentos significativos na habilidade de comunicação. Entretanto, existem certas barreiras que dificultam a implementação das IAA, entre elas estão as questões financeiras, tendo em vista que as intervenções requerem uma equipe multidisciplinar com profissionais que garantam a sua segurança e a da equipe e animais devidamente treinados e certificados. Outrossim, a escassez de profissionais qualificados é um desafio, bem como a falta de conhecimento sobre a metodologia necessária tanto por parte dos profissionais, quanto da população em geral, o que é fundamental para a realização eficaz das IAA. Embora a implementação das intervenções enfrente alguns obstáculos, elas são vistas como favoráveis para a saúde das crianças e de suas famílias, isso se deve ao reconhecimento e à valorização dos muitos benefícios que emergem no quotidiano. Portanto, considera-se essencial que o profissional enfermeiro conheça a dinâmica destas famílias, seus desafios e necessidades para assim pensar em possibilidades de cuidado adequadas. Ainda, entende-se pertinente debater e avaliar a inclusão das Intervenções Assistidas por Animais (IAA) entre as práticas preconizadas na Política de Práticas Integrativas e Complementares.

Publicado
25-09-2024