DOULAGEM DA MORTE: DESAFIOS FRENTE À MORTE E PERMISSÃO DE PARTIDA

  • João Vitor Kroth UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Thamirys Fernanda Santos Candido
  • Laysa Anacleto Schuh
  • Matheus Gonçalves Cavassin
  • Vinicius Ansolin
  • Leoni Terezinha Zenevicz
Palavras-chave: Cuidados de Enfermagem, Terapias Espirituais, Assistência Terminal

Resumo

Introdução: Em seus postulados e ensinamentos pioneiros, a teórica  brasileira Wanda de Aguiar Horta já defendia a Enfermagem como uma ciência para assistir a vida humana integralmente nas  dimensões biopsicossociais (Horta, 1974). Sob essa ótica, a profissão proporciona um leque amplo sobre fatores que permeiam a vida humana e a integralidade dicotômica ofertada no ciclo vital, onde a vida e a morte caminham de forma paralela diante da prática de Enfermagem. Acerca do processo de morte, é ainda encarado como a ruína de um ciclo biológico, um fator a ser evitado a todo custo – perspectiva muito prevalente na esfera de profissionais de saúde que se debruçam para “salvar vidas” e fazem disso sua missão (Zenevicz, Massaroli, Bitencourt, 2020). Mesmo que a morte faça parte da vida, há um consenso de que o fato deve ser evitado, e sua presença na assistência em saúde, minimizado. Pensando nisso, quando não falamos da morte, não falamos da vida e quando a mesma ocorre, gera sentimento de impotência, tristeza e falha. Ainda utilizamos opções de medidas e intervenções fúteis para preservar a vida, fato ocasionador de maior sofrimento ao paciente, a família, equipe e a graduandos da saúde. No contexto da formação em saúde, a falta de discussão sobre o processo de morte, deixa os graduandos expostos ao desenvolvimento de sentimentos de impotência diante da perda de um paciente, e propensos a encarar a situação de morte como à falta de êxito na assistência prestada. Assim, nota-se a necessidade de ampliar as discussões, no âmbito acadêmico ou mesmo, em cenários da formação em saúde, sobre a finitude da vida. Objetivo: compartilhar os desafios, reflexões e intervenções de graduandos de Enfermagem frente à assistência ao paciente em finitude e percepções sobre a Permissão de Partida enquanto prática de cuidado espiritual. Metodologia: trata-se de um relato de experiência, de caráter descritivo, que possui por objetivo compartilhar os desafios, reflexões e intervenções de graduandos de Enfermagem frente a assistência ao paciente em processo de morte, além de abordar a Permissão de Partida enquanto possibilidade de cuidado. A experiência relatada, tem como cenário as atividades teórico-práticas (ATPs) desenvolvidas pelos graduandos no setor de Clínica Médica, de um hospital de grande porte localizado na região Oeste Catarinense, durante sete dias do mês de novembro de 2023. No geral, os pacientes internados possuíam condições crônicas de saúde, além de quadros patológicos agudos, perfil etário adulto-idoso e com baixa condição socioeconômica. Por intermédio da docente supervisora, os graduandos eram direcionados à realização de cuidados integrais aos pacientes. Resultados e discussão: após o período de atendimento aos clientes, os acadêmicos reuniam-se com a docente responsável para debater questões clínicas, dificuldades enfrentadas e angústias oriundas do processo assistencial. Neste momento, a docente oportunizava a discussão sobre cuidados de Enfermagem frente ao quadro clínico dos pacientes, tais momentos que evidenciou a dificuldade dos acadêmicos em elencar cuidados coerentes, considerando o estado do paciente, quando este vivenciava o findar de sua vida. E, ainda, notou-se a dificuldade de aceitar sua limitação diante da impossibilidade de realizar condutas para preservar a vida do paciente de modo confortável e ajudar o familiar no processo de luto, momento que acarretou sentimentos de tristeza, inconformidade e impotência nos acadêmicos. Corroborando então, com o descrito no trabalho de Zenevicz, Massaroli e Bitencourt (2020) sobre os sentimentos de abalo, tristeza e revolta vivenciados pelos acadêmicos em situações frente ao evento. Diante disso, em vista da relação professor-discente, maneiras de enfrentamento eram discutidas, bem como a ampliação da prática de cuidados de prevenção quaternária, a fim de evitar intervenções invasivas desnecessárias ao curso clínico. Processo que gerou aos acadêmicos, ampliação do leque de cuidados a pacientes que necessitam de medidas menos invasivas e que proporcionam acima de tudo, conforto. Pensando nisso, durante a atividade prática e a proximidade da docente no âmbito de cuidados espirituais, a mesma ampliou os instrumentos para o cuidado através da Permissão de Partida. Prática que requer a capacidade sensível e empática de enfermeiros nesse ramo da assistência, através de um contato terapêutico para livre expressão de sentimentos, crenças e rituais espirituais ou religiosos; reconhecimento da atividade como promotora de vínculo; acolhimento durante o momento de expressão de dores, angústias, expectativas e medos, para ressignificar o processo de morte (Zenevicz, 2020). E, ainda enfatizou, os critérios metodológicos para o desenvolvimento da Permissão de Partida, como o respeito à crença religiosa ou espiritual; garantir a liberdade espiritual; resguardar informações potencialmente sigilosas; anuência dos partícipes; e apoio emocional antes, durante e após o procedimento. A partir da participação neste processo, os acadêmicos, notaram a necessidade de desenvolver habilidades interpessoais para um cuidado empático, uma avaliação clínica adequada que identifique o processo iminente de morte e a identificação do desejo da família e paciente em receber esse tipo de cuidado. Além de propiciar um ambiente adequado para expressão dos sentimentos oriundos do processo de despedida. Com relação ao cuidado ao familiar, durante a execução da Permissão de Partida, os momentos de conversas e despedidas eram marcados por reações e sentimentos de choro, desamparo, saudosismo e saudade do ente. Por isso, em vista da necessidade dos acadêmicos em aprender a cuidar do familiar no processo de luto, a docente estimulava a permanência com os familiares, promovendo o amparo aos sentimentos do processo e, a realização da escuta ativa. Momento que gerava satisfação e sentimento de confiança nos acadêmicos, ao notarem as expressões de maior aceitabilidade do familiar frente ao quadro clínico, associado a sentimentos de gratidão à vida do ente em processo de morte. Assim, de modo que o processo de assistência em Enfermagem torna-se mais empático, integral e eficaz. Considerações finais: no que se refere aos cuidados espirituais, constata-se uma lacuna de prática, com poucas medidas sendo implementadas pela equipe multidisciplinar presente no cenário descrito. Isso ressalta a necessidade de uma abordagem mais abrangente e integrada, no qual os cuidados espirituais sejam valorizados e incorporados, tais quais os cuidados biológicos, de forma mais consistente na assistência ao paciente em fim de vida. Evidenciou-se a dificuldade dos estudantes em lidar com a terminalidade da vida e a evitar a oferta de cuidados intervencionistas desnecessários, ou seja, que corrobora com os princípios dos cuidados paliativos. A vivência diante do enfrentamento da morte está prevista nas literaturas citadas como algo intrínseco e inevitável, ou seja, que permeia um processo natural da formação em saúde. Mas que, de todo modo, necessita ser desenvolvida e trabalhada tanto em sala de aula, quanto em campos práticos, seja durante a formação ou mesmo, em atuação profissional. Devendo ser realizado por meio de processos formativos periódicos, a fim de se construir um corpo de assistência e conhecimento sólido. Mesmo que o tema seja amplamente mais abordado atualmente, a construção acadêmica ainda carece de momentos práticos no qual os estudantes possam vivenciar e aprender a enfrentar situações de cuidados paliativos e morte de pacientes, receber suporte por parte de docentes devidamente preparados para guiar os graduandos no desenvolvimento de habilidades e competências inerentes a assistência humanizada e eficaz. Acerca da Permissão de Partida, é notório a sua complexidade e que requer estudo e preparo para a execução adequada. Sendo reconhecida como uma prática que transcende um procedimento, mas que em sua finalidade significa uma oportunidade de oferecer cuidados espirituais e fornecer apoio emocional para o paciente e família.

Publicado
25-09-2024