ENFERMAGEM NO BRASIL E NO MUNDO: ROMPENDO BOLHAS NO CAMINHO PARA AS PRÁTICAS AVANÇADAS
Resumo
Introdução: A Prática Avançada de Enfermagem (PAE) trata da formação de pós-graduação, em nível de mestrado, em que o enfermeiro se especializa com o intuito de desenvolver competências clínicas e habilidades de raciocínio crítico frente à tomada de decisões. A PAE representa avanços na atuação do enfermeiro, com maior autonomia e responsabilidade sobre os casos cuidados, já estabelecida em aproximadamente 40 (quarenta) países, em diferentes níveis do processo de implantação (Guimarães et al., 2024). Dentre as práticas exercidas têm-se as ações do processo de enfermagem (PE), portanto, com método científico aplicado à prática, que inclui: avaliação, diagnóstico, solicitação e interpretação de exames, encaminhamentos de saúde, além, da prescrição de medicamentos, realizados por meio da consulta de enfermagem. A importância das PAE´s surge inicialmente em alguns países como estratégia para combater a escassez de profissionais de saúde, mas, acaba por refletir diretamente na autonomia dos profissionais enfermeiros, na ampliação do acesso aos serviços de saúde pela população e na resolutividade dos seus respectivos problemas de saúde mediante uma assistência de qualidade e tomada de decisão rápida. No entanto, a definição da atividade profissional desenvolvida e da formação da PAE ainda varia muito de país para país, e inclusive dentro de um mesmo território. Os aspectos relativos às funções, títulos, tarefas, estruturas regulamentares, educativas e práticas, sob as quais a PAE presta seus cuidados e desenvolve sua assistência, ainda são objeto de muita discussão. A sua aplicabilidade e discussão formal foram fomentados recentemente e estima-se que as variadas funções da PAE existem há mais de cem anos (Wheeler et al., 2022). No cenário nacional brasileiro, apesar de não existir essa formação específica, o Conselho Federal de Enfermagem já vem fomentando há alguns anos as discussões no que concerne aos benefícios que tais práticas podem proporcionar à assistência de enfermagem no Brasil. Nesse sentido, o tema deste trabalho vem ao encontro do tema escolhido para a semana de enfermagem do ano de 2024, em que ao propor “romper bolhas” coloca a enfermagem brasileira no cenário de debates necessários para pensar e repensar os caminhos que serão percorridos nos avanços das práticas da enfermagem. Como questão norteadora tem-se: Quais são as práticas dos enfermeiros que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil e que apresentam semelhanças com as práticas avançadas no mundo? Como romper a bolha e avançarmos na implementação? Objetivo: Compreender como se dão as práticas de enfermagem no Brasil na interface das PAE´s no mundo. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa que integra revisão narrativa de literatura e pesquisa empírica multicêntrica de métodos mistos, desenvolvida entre 2019 e 2022 em todas as unidades da federação. A etapa qualitativa foi desenvolvida com entrevistas online, com enfermeiras (os) que atuam na APS há mais de 3 anos, que totalizaram 838 entrevistados em profundidade, com duração média de 40 minutos. Utilizou-se a análise temática de Bardin para a etapa qualitativa. A partir desse conjunto metodológico emergiram as categorias: processo de trabalho, valorização profissional, autonomia, tecnologias do cuidado e pandemia da Covid-19. A etapa quantitativa se baseou no método web survey também de abrangência nacional e participaram 7.308 enfermeiros. Para o tratamento e a análise quantitativa dos dados, foram utilizados os programas Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®), versão 21.0 para Windows®, por meio de estatística descritiva e inferencial. Para validação das hipóteses levantadas e testadas no reflexo de cada variável categórica e emparelhada da pesquisa, aplicou-se o teste qui-quadrado (χ²) de Pearson para estabelecer o olhar sobre as diferenças significativas no corte amostral das regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), com auxílio do software Statistical Analysis System (SAS), versão 9.3. Resultados e discussão: Os estudos selecionados na revisão narrativa destacam o impacto positivo da PAE nos países em que ela já foi integrada. No Brasil, esta pesquisa identificou que os enfermeiros da APS, destacam que quando os protocolos são implementados nos municípios estes sentem autonomia para realização de todo PE, com resolutividade clínica e gerencial dos casos. Os enfermeiros já desempenham algumas práticas como consultas de enfermagem, prescrição de medicamentos conforme protocolos institucionais e/ou ministeriais, visitas domiciliares e solicitação e avaliação de exames, obedecendo aos preceitos adotados pelas respectivas instituições (Guimarães et al., 2024). Para se estabelecer a discussão comparativa vale destacar que este estudo abordou o cenário das PAE´s nos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Espanha, bem como o contexto amplo da América Latina, especificando aspectos do Chile, Caribe e Brasil. Embora ainda existam divergências internacionais no que tange o papel da PAE, observa-se na literatura o uso frequente de dois termos, são eles o Clinical Nursing Especialist (CNS) e Nurse Practitioner (NP), ambos denotam à PAE características como desenvolvimento de pesquisa, educação, assistência e gestão, que exigem do profissional autonomia e domínio científico para desenvolver avaliação, diagnóstico e prescrições de enfermagem. Nos países da América do norte, Estados Unidos e Canadá, esse modelo assistencial foi implementado no contexto de déficit de profissionais médicos, elevados custos e urgência em ampliar o acesso aos serviços de saúde. Abordando de forma mais singular os Estados Unidos, a enfermagem constatou diversos aspectos positivos com a implementação das PAE´s, destacando a qualidade da assistência, visto que os enfermeiros passaram a cumprir entre 75% e 93% dos serviços da APS, e esse feito refletiu no nível terciário de atenção à saúde em que foi evidenciada a redução de custos com re-hospitalizações e tempo de internação. Em contrapartida, foram diversas as barreiras para a implementação plena da PAE, foi questionado o custo da formação, além da insuficiência de corpo docente e a resistência da categoria médica. Ainda no contexto estadunidense, na década de 70 teve início como programa profissional o mestrado para a PAE, e no início dos anos 2000 emergia outra importante oferta: o doutorado prático na área. Atualmente existem diferentes titulações da PAE adaptadas em diferentes categorias, que atuam no âmbito da APS com competências bem definidas como a prescrição de medicamentos e solicitação de exames. No âmbito canadense as discussões e regulamentações sobre a PAE iniciaram-se concomitantemente aos Estados Unidos, entre as titulações de PAE utilizadas no país estão especialistas clínicos, enfermeiros de APS e enfermeiros de cuidados agudos, sendo o enfermeiro de APS a função mais consolidada. A formação exigida para a PAE é a nível de mestrado. Trazendo à luz o continente Europeu, este é o que possui maior número de países com experiência de PAE, a Inglaterra consubstancia a ampliação das funções do enfermeiro desde a década de 90, devido ao aumento da demanda de cuidados de saúde, principalmente em relação à prevalência de condições crônicas, em que as mais prevalentes são asma, hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e diabetes. Para garantir a atuação da enfermagem na gestão e na assistência destas condições existem protocolos de cuidado baseados em evidências que auxiliam no diagnóstico, em procedimentos, no monitoramento e no tratamento medicamentoso. Na Espanha, país que possui um sistema nacional de saúde de cobertura universal e gratuito, com destaque à APS que é altamente resolutiva, a PAE ainda não foi completamente adotada principalmente devido à característica heterogênea das atribuições de um enfermeiro de prática avançada e à escassez em campos de atuação. Na conjuntura da América Latina, a ideia de implementação da PAE ocorreu apenas no início do século XXI, devido às necessidades socioeconômicas locais, com o incentivo significativo da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Em relação à implementação, Jamaica e Belize são os países com mais experiências em PAE, eles introduziram programas de formação em Nurse Practitioner desde 1992, com o apoio dos respectivos governos e a partir de reformas locais de saúde. No entanto, na Jamaica os enfermeiros licenciados NP não podem prescrever medicamentos sem supervisão médica, enquanto em Belize, há o programa de especialização em NP psiquiátrica que respalda a prática de prescrição de medicamentos psicotrópicos. No Caribe, a PAE também está em ascensão, já foi evidenciada a autonomia profissional na prescrição de medicamentos e a ampliação do acesso da população aos serviços de saúde. No Chile a ampliação da prática de enfermagem também está em processo de concretização, com grande fomento a partir de estratégias de abordagens sistêmicas para introdução da PAE no país. Por fim, no Brasil as discussões sobre a PAE tiveram início somente em 2015, destaca-se a criação da Comissão de Práticas Avançadas em Enfermagem (CPAE) pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e o desenvolvimento da pesquisa “Práticas de Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde” sob iniciativa do COFEN. Revela-se nesta perspectiva a atual prática dos enfermeiros graduados no país, que gradativamente realizam ações para além do seu escopo de atuação, porém não possuem as vantagens de formação e regulamentação como prática avançada, pode-se considerar que a autonomia clínica do enfermeiro brasileiro no âmbito da APS em algumas áreas mais específicas, tais como a saúde da mulher, as consultas de enfermagem que utilizam o PE e os protocolos, já podem se assemelhar ao que é desenvolvido pela PAE em outros lugares do mundo. Considerações finais: A enfermagem brasileira já possui relevância imprescindível no âmbito do SUS e já realiza diversas práticas que se aproximam do conceito de PAE, no entanto, é preciso aprofundar o debate frente às dificuldades existentes, como a sobrecarga profissional, desigualdade de gênero, a não superação do modelo biomédico, condições de trabalho, a resistência da categoria médica e o fato de que quando se trata da regulamentação e de um processo formativo formal de pós-graduação para categorização e reconhecimento como PAE ainda não se possui respaldo e condições necessárias para plena execução das PAE´s. Assim, precisamos romper as bolhas da enfermagem brasileira e avançar nos caminhos e práticas da profissão.