SIMULAÇÃO DE CONSULTA DE PUERICULTURA COMO ESTRATÉGIA DE APROXIMAÇÃO DA TEORIA COM A PRÁTICA
Resumo
Introdução: A puericultura é o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil na atenção primária. Para tanto, são realizadas consultas por médicos ou enfermeiros, podendo contar também com a colaboração de equipes multiprofissionais. Nesse cenário, destaca-se o papel fundamental do enfermeiro na condução da consulta de enfermagem na puericultura, pois esse profissional tem a capacidade de oferecer as ações prioritárias de forma abrangente, contribuindo para a promoção da saúde integral da criança. Ao mesmo tempo, o cuidado integral para o paciente é uma prioridade em todas as áreas da saúde, tendo os profissionais de enfermagem desempenhando um papel essencial na promoção do bem-estar e na prevenção de danos e agravos. Em sintonia com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), é imperativo que esses profissionais estejam devidamente qualificados e capacitados para atender às diversas necessidades dos pacientes, assegurando a segurança e eficácia dos cuidados prestados. Nesse contexto, uma ferramenta importante para auxiliar no processo de formação, capacitação e desenvolvimento desses profissionais é a simulação de consulta de enfermagem. Esta abordagem experimental permite que os estudantes desenvolvam habilidades intelectuais e pensamentos críticos reflexivos em um ambiente controlado, preparando-os para os desafios do cotidiano (Costa et al, 2020). Os sistemas educacionais enfrentam a crescente demanda por competências técnicas avançadas e julgamento clínico, fundamentais para uma prática e exercício da enfermagem de forma competente e segura. As simulações, adotadas como uma modalidade complementar de aprendizagem, oferecem aos acadêmicos um ambiente seguro para experimentação e troca de conhecimentos, que pode ser oportunizada através do debriefing, sendo um processo analítico e reflexivo que enriquecem a discussão após a vivência da simulação, aqui entende-se que o erro é uma oportunidade para melhorias na prática, tendo a finalidade de relembrar os processos, estabelecer os planos e coletar informações importantes, além de desenvolver o pensamento crítico dos estudantes (Kaneko; Lopes, 2019). Tendo em vista que os cuidados com os pacientes na prática geram estresse, ansiedade e medo de cometer erros, a possibilidade de desenvolver uma simulação em conjunto com o debriefing promove uma experiência positiva no desenvolvimento de habilidades pessoais e profissionais. Objetivo: Relatar a experiência de uma simulação de consulta de puericultura desenvolvida por estudantes de enfermagem do 7° período da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, durante atividades teóricas do componente curricular ‘O cuidado no processo de viver humano II’. Metodologia: Trata-se de um relato de uma experiência de atividade de simulação de consulta de enfermagem em puericultura. A atividade foi realizada de março a abril de 2024 por acadêmicos de enfermagem de uma Universidade Federal de Chapecó/SC sob orientação docente. Foram desenvolvidos cinco casos com algumas características pré estabelecidas pela docente, a saber: idade da criança, dados antropométricos, configuração familiar e dificuldades em torno do cuidado. Estas informações foram repassadas ao grupo com 15 dias de antecedência, sendo que as demais características do caso foram definidas pelos acadêmicos. A simulação descrita no presente relato, contou a participação de 5 acadêmicas (personagens) e teve como configuração familiar um casal homoafetivo composto por um homem trans que realizara supressão hormonal e engravidou, sua companheira, uma mulher cisgênero, um lactente de 2 meses e a avó da criança. A atividade de simulação teve duração de aproximadamente 40 minutos. Os temas que deveriam ser abordados eram dúvidas a respeito de como conciliar o trabalho e o aleitamento materno exclusivo, crença que o leite era fraco, presença de cólicas, suspeita de refluxo gastroesofágico e cama compartilhada. Ademais, foi atribuído livre arbítrio para construir um cenário explorando a criatividade, podendo ser embasado em experiências anteriores. Após a apresentação do caso, realizou-se o Debriefing, onde outro grupo de acadêmicos selecionado previamente, avalia pontos positivos e pontos a melhorar, possibilitando nesse momento a discussão entre os dois grupos e, ao final, a docente tecia as considerações. A atividade foi desenvolvida no laboratório de semiologia e semiotécnica, foram utilizadas para a composição da cena na simulação: cadeiras, mesa, notebook, balança de pesagem, carrinho de materiais, maca e materiais de bolso para avaliação, a fim de simular um consultório de enfermagem. Além disso, para a narrativa, fez-se o uso do boneco simulador para representar o lactente, dois jalecos e demais roupas para caracterização dos familiares. Resultados e discussão: O desenvolvimento da simulação pelo grupo contou com a breve história da lactante Samara (homem trans), como referiu preferir ser chamada, que engravidou após interromper o uso de hormônios masculinos, por pressão de sua mãe, que não aceitava o relacionamento com Simone, bem como o processo de transição de gênero. Nesse período, e por este motivo, o casal se desentendeu e se separou, culminando na gravidez não planejada, sendo que Samara menciona só aceitar a gravidez após reatar a união com a companheira. Residem no mesmo terreno que Lourdes, a avó da criança, que compareceu na consulta e que demonstrou uma relação conflituosa com os pais, deferindo injúrias, apesar de remeter ser a cuidadora da criança quando necessário. Observa-se um perfil de cuidado extremo com a criança por acreditar que apenas ela irá cuidar da melhor forma de seu neto. A problematização do caso foi a preocupação da mãe para manter o aleitamento materno exclusivo (AME), sendo que, no próximo mês sua licença maternidade termina e teria que retornar ao trabalho, inclusive pensa na possibilidade de parar de trabalhar, mesmo sendo socioeconomicamente vulnerável. A simulação também contava com as superstições por parte da mãe e avó em achar que seu leite não era suficiente e fraco, com isso começou a fazer uso de medicamento para aumento da produção do seu leite, receitado pelo médico da unidade. O lactente estava com dois meses de vida, apresentando episódios de refluxo e cólica, fazendo o uso de bico artificial, oferecido pela avó, sem consentimento das mães, além disso, Simone refere fazer o uso de cama compartilhada com o bebê, para facilitar na amamentação durante o período noturno. Toda essa problematização estimulou as acadêmicas a formularem uma abordagem paciente e acolhedora, visando entender a família como um todo, mas também frisando as necessidades de orientação e quebra de paradigmas quanto a amamentação, no caso, a preocupação com o leite ser fraco, as possibilidades de continuar em AME mesmo voltando ao trabalho, orientando sobre direitos trabalhistas, bem como a utilização da ordenha e armazenamento do leite materno. Pautadas nas recomendações do caderno de atenção básica, número 23, do Ministério da Saúde sobre aleitamento materno e alimentação complementar, também foi orientado a pega correta durante a amamentação, a posição da mãe e do bebe, sempre atentando para as singularidades de cada caso. Além disso, possibilitou o exercício da investigação em relação às cólicas e o refluxo, questões muito frequentes no cotidiano da puericultura. De maneira geral, a elaboração da simulação proporcionou uma visão mais abrangente da consulta de puericultura, estimulando o pensamento crítico para a solução de problemas, superação de dificuldades encontradas durante o processo e a possibilidade de integração de conhecimentos já pré estabelecidos. Nesse sentido, Costa (2020) menciona que esta estratégia de ensino melhora a autoconfiança e o desempenho cognitivo, estimulando a aprendizagem de forma mais integral e humanizada por reproduzir diferentes realidades em saúde. Tendo em vista que a simulação oferece um ambiente seguro para experimentação e reflexão, incentivando os futuros profissionais a repensarem suas abordagens no atendimento a lactentes e suas famílias, reconhecendo a importância do primeiro contato nessa fase crucial do desenvolvimento. É válido ressaltar que a puericultura demanda atenção de uma série de especificidades que podem passar despercebidas, se não houver uma preparação adequada. Detectar precocemente problemas como atrasos no desenvolvimento, dificuldades na amamentação, sono, vínculo mãe/bebê e alimentação é essencial para um cuidado efetivo. Além disso, é importante estar atento para as condições socioeconômicas dos indivíduos, tendo em vista que isso pode impactar diretamente o desenvolvimento da criança, principalmente no que se trata de conflitos familiares, mediando conflitos e solicitando auxílio de agentes da equipe multidisciplinar, quando necessário, como psicólogos e assistentes sociais. Além do mais, Kaneco (2019) traz que o debriefing potencializa a experiência vivida durante a simulação e traz significado ao que foi passado, possibilitando refletir o que foi estudado e aprimorar o aprendizado para situações futuras. Sendo assim, o debriefing foi uma ferramenta importante, que oportunizou visualizar de outro ângulo o desempenho do grupo, os acertos e pontos a melhorar, possibilitando a reflexão e evolução para desenvolver na prática a consulta da melhor maneira possível. Considerações finais: A elaboração da simulação de consulta de puericultura representou uma ferramenta educacional valiosa, enriquecendo o processo de aprendizagem dos acadêmicos ao proporcionar uma visão ampla e aprofundada sobre as práticas clínicas nesta área. Ao longo do exercício, os participantes foram desafiados a desenvolver habilidades críticas e reflexivas para a resolução de problemas, enfrentando e superando assim as dificuldades que surgiram durante o processo. Uma das principais conquistas observadas foi o estímulo e fortalecimento da autoconfiança dos estudantes, especialmente em relação às atividades teórico-práticas. Além disso, reforçou a importância que a consulta de puericultura representa para esclarecer dúvidas e oferecer suporte às famílias em meio às diversas transformações que estão vivenciando. Por meio da simulação, os acadêmicos puderam vivenciar e experimentar diferentes abordagens no manejo dos cuidados com o lactente e no apoio à família, preparando-se de forma mais completa para os desafios futuros que serão enfrentados na prática clínica. Essa experiência contribuiu significativamente para a sua formação, capacitando-os para oferecer um cuidado mais humano, eficiente e compassivo aos pacientes que atenderão ao longo de suas carreiras.