CURSO DE SIMULAÇÃO CLÍNICA A UM ATENDIMENTO DE GRANDE QUEIMADO: RELATO COMO OUVINTE
Resumo
Introdução: O ensino superior em saúde tem sido modelado pela inserção de metodologias ativas (MA) em seus currículos por competências. Esse método, contrário ao modelo tradicional de ensino-aprendizagem que já vem implantado há anos nos sistemas de ensino, proporciona o protagonismo do aluno na construção do seu conhecimento de forma crítica, ativa e reflexiva (Paiva et al., 2016). A aplicação das MA possibilita realizar uma articulação da teoria e prática, valorizando todos os participantes do processo de construção e seus diferentes conhecimentos para exercerem uma prática do sistema de saúde mais acolhedor e humanizado com as necessidades de saúde individuais e coletivas (Paiva et al., 2016). Frente a isso, disseminam-se, hoje, as metodologias de ensino ativas, no componente curricular em saúde, a simulação clínica. Essa, permite o desenvolvimento de habilidades técnicas e não técnicas, aos acadêmicos de saúde, por meio de treinamentos contínuos e sequenciais, que reduzem inseguranças e fragilidades, sem exposição dos envolvidos aos riscos associados ao cuidado prestado (COREN-SP, 2020). Requerer comunicação e tomada de decisões assertivas com respostas rápidas são comuns na área de urgência e emergência e, realizar simulação clínica, nesses setores, permite uma prática de habilidades interpessoais das competências essenciais para temáticas de traumas, envenenamentos ou queimaduras. Os grandes queimados demandam de uma intervenção rápida inicial por apresentarem uma extensão significativa de sua superfície corporal afetada, podendo ser 20% de queimaduras de segundo grau ou 10% por queimaduras de terceiro grau (Domingues et al, 2023), objetivando impedir a progressão das queimaduras e suas sequelas. Os cuidados iniciais do atendimento ao paciente vítima de queimaduras como intubação, hidratação endovenosa, limpeza, cuidados com as lesões, tipos de coberturas, analgesia, antibioticoterapia e imunização antitetânica, exigem saberes teórico-práticos dos emergencistas, em especial os enfermeiros. E quanto mais os profissionais da classificação de risco entenderem as condutas iniciais e o encaminhamento do paciente queimado para assistência, melhor será a resposta clínica e sobrevida dessas vítimas (Pan et al., 2018). Sendo assim, o uso da simulação clínica, como método de ensino-aprendizagem para o atendimento de um grande queimado, se apresenta como uma opção segura, viável e qualificadora no processo de formação profissional em saúde. Objetivo: O presente trabalho tem o objetivo de relatar a vivência como participante de um curso de simulação clínica de um atendimento inicial a um paciente grande queimado com base em um protocolo hospitalar realizado por uma acadêmica de enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Metodologia: Trata-se de um relato de experiência, como ouvinte, de um evento realizado em 2023 no Departamento de Enfermagem da UDESC. Resultados e Discussão: O evento, idealizado por docentes da disciplina de médico cirúrgico, contempla um dos objetivos específicos do projeto de pesquisa vigente da universidade. O curso teve uma duração de quatro horas, iniciando com uma simulação clínica de um paciente padronizado, maquiado com 72% de sua superfície corporal queimada. O caso referia um atendimento no pronto socorro a um paciente jovem com queimaduras de 2º e 3º grau após uma explosão de tanque de combustível, sendo o tórax a parte do corpo mais afetado, em seguida de braços e pernas. O atendimento decorria das informações repassadas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para a equipe multiprofissional de um pronto-atendimento baseado no protocolo elaborado pela acadêmica de enfermagem que realizou o estágio supervisionado hospitalar em um hospital de grande porte do oeste catarinense. Após o término da simulação, houve discussão do caso clínico com especialistas (médicos e enfermeiros) da área de urgência e emergência, caracterizando um “debriefing”, etapa que exige articular a vivência simulada com a realidade, qualificando a prática clínica em uma tomada de decisão assertiva e resolutiva. Na análise de Pan et al. (2018) é possível observar que profissionais, da área da emergência, possuem um conhecimento incipiente sobre tomadas de decisões rápidas para as diferentes queimaduras ocorridas nesses setores, mesmo com os protocolos disponíveis, como descrito por Domingues et al. (2023), pela regra dos nove. Os especialistas trouxeram informações sobre cuidados com intubação, uso de dois acessos centrais, cobertura com sulfadiazina de prata, inserção de pressão arterial invasiva, entre outros. Pan et al. (2018) descreve que a intubação orotraqueal se dá após um escore de Glasgow menor que 8, uma pressão parcial de O2 menor que 60mmHg, uma pressão parcial de CO2 menor que 55mmHg e saturação de O2 menor que 90%, além de edema de face e orofaringe. Já o uso de eletrólitos deve ser mantido atenção especial, logo após a queimadura, com uso de soro fisiológico frio sobre a queimadura para gerar um choque e interromper a queima dos tecidos mais internos, nos primeiros 20 minutos (Domingues et al., 2023). Após essa recomendação é preciso utilizar soro aquecido para manter a temperatura, visto que o paciente perde muito calor pelo ferimento. O uso de dois acessos se dá em decorrência da necessidade de um acesso para reposição de líquidos e outro para a realização de medicações para analgesias e possíveis infecções. Para prevenção de infecções, faz-se necessário o uso de materiais estéreis, desde lençóis até as coberturas utilizadas para manter os ferimentos cobertos. O uso de sulfadiazina de prata é recomendado sobre as feridas, antes de realizar o curativo fechado sobre o local, a posteriori. O aprendizado, utilizando a simulação clínica, condiz com o descrito pelo manual do Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo (COREN-SP, 2020) que descreve que esse método desenvolve habilidades técnicas e não técnicas aos participantes, com experiências de boa prática de assistência e amparo a um paciente, sem produzir riscos desnecessários aos envolvidos. O acompanhamento desta atividade permitiu, também, observar como a simulação de casos clínicos possibilita uma visão completa de um atendimento na prática, preparando o estudante para situações emergenciais, utilizando respostas rápidas e assertivas. Acompanhar uma atividade simulada permitiu o desenvolvimento de raciocínio clínico ao caso apresentado, entretanto a rapidez com a qual o atendimento deve ser conduzido nos mostra que os conteúdos abordados e estudados de forma teórica, por si só, não reproduzem uma formação profissional mais qualificada. Sentimentos de medo, ansiedade e preocupações em como realizar um atendimento após a sua formação, ou durante e, até mesmo no estágio curricular supervisionado, são destacadas nas falas dos acadêmicos dos cursos de graduação em enfermagem. Rodrigues e colaboradores (2019) descrevem sobre a percepção dos alunos de enfermagem ao processo de ensino-aprendizagem durante as atividades de simulação, e os sentimentos de medo, ansiedade e dificuldade em atividade de trabalho em equipe são relatados por eles, sendo congruente ao observado e sentido durante o curso assistido. Ouvir a discussão do caso clínico simulado gerou inquietação para estudar o tema, com abordagens quanto à terapêutica adotada no pronto atendimento, centro cirúrgico, unidade de terapia intensiva e, por fim, na recuperação final do paciente ao longo de meses subsequentes. Ao final do curso, pode-se ter uma sensação de continuidade, em que a prática clínica poderia dar continuidade ao caso, abordando e discutindo possíveis complicações após o atendimento inicial do paciente na classificação de risco, o seu seguimento para uma nova área especializada e os cuidados de recuperação e reabilitação. Considerações finais: Pode-se considerar, após a participação no evento, que a atividade contribuiu para uma experiência ímpar no processo de ensino-aprendizagem, trazendo elementos reais no moulage e cenário simulado. A discussão com especialistas se apresentou como fator de grande valia para a construção de conhecimento aos estudantes de enfermagem, por meio das experiências vivenciadas desses profissionais, positivas ou não, tornando o conhecimento ainda mais factível. Por fim, apresenta-se como sugestão, que os cursos de graduação em enfermagem poderiam realizar de forma mais ampla o uso de práticas de simulação clínica a atendimentos especializados para fomentar o desenvolvimento do raciocínio clínico dos estudantes.